Discurso durante a 90ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Denúncia de constrangimentos impetrados à Presidente afastada, Dilma Rousseff.

Registro do grande número de casos de estupro no Brasil.

Homenagem a Nise da Silveira, psiquiatra alagoana que defendeu o tratamento humanizado para os loucos.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Denúncia de constrangimentos impetrados à Presidente afastada, Dilma Rousseff.
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Registro do grande número de casos de estupro no Brasil.
SAUDE:
  • Homenagem a Nise da Silveira, psiquiatra alagoana que defendeu o tratamento humanizado para os loucos.
Aparteantes
Romero Jucá.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2016 - Página 52
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Outros > SAUDE
Indexação
  • DENUNCIA, RESTRIÇÃO, DIREITOS, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA.
  • REGISTRO, AUMENTO, NUMERO, ESTUPRO, VITIMA, MULHER, ENFASE, AUTOR, GRUPO, HOMEM.
  • HOMENAGEM, MULHER, PSIQUIATRIA, ORIGEM, ESTADO DE ALAGOAS (AL), ENFASE, ATUAÇÃO, MELHORIA, METODO, TRATAMENTO, DEFICIENTE MENTAL.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, hoje vim aqui para homenagear uma mulher, Nise da Silveira. Acho que pouca gente ouviu falar dessa mulher.

    Ando pesquisando a vida das mulheres que fizeram história para mostrar que mulher pode, que mulher sabe, porque estamos vivendo um momento muito difícil na vida das mulheres deste País.

    Antes de falar de Nise, quero falar de uma mulher também valente, que a gente chama de Coração Valente, a Presidenta Dilma, que está afastada da Presidência, que foi afastada e que está passando por constrangimentos que ela não merece.

    E quero, aqui, fazer esta denúncia. Quando é o site de esquerda que anuncia, até ficamos cautelosos e nem anunciam, mas, agora, os próprios jornais acreditados, como Folha, como O Estadão, estão também divulgando essas coisas. Então, veja bem: primeiro, foi a barreira inquisitória. Quando íamos visitá-la, passávamos por um interrogatório, demorava 10, 15 minutos, e isso foi testemunhado aqui pelo Presidente e Vice-Presidente do Senado. Isso passou e, agora, passamos mais rápido, só nos identificamos e pronto. Depois, vem a história do avião, proíbe o avião para a Presidenta viajar. Depois, chegam ao ridículo de falar da comida, inclusive de cortar o cartão corporativo, para ficar sem dinheiro para comprar comida e, depois divulgam o quanto gastam com comida, como se fosse só ela a comer naquele Palácio, lá, há um batalhão de gente, aquilo é uma imensidão, há bichos para cuidar, jardins, há um monte de gente que mora ali. Então, a despesa de alimentação é alta. Agora, tiraram o clipe de notícia, aquele caderninho de notícia que ia para a Presidenta foi tirado. E, agora, vem uma notícia que me deixa mais estarrecida: quando ela foi para lá, escolheu 15 pessoas, servidores públicos, para serem assessores, um direito que foi dado a ela. Pois agora está dito aí, parece-me que foi em O Estadão, que ele vai trocar esses 15, porque está precisando deles, porque o Presidente interino está precisando dessas pessoas e vai botar lá pessoas da sua confiança. Vai botar lá carcereiros, só pode. Acho que precisa ser denunciado isso, ninguém pode aceitar uma coisa dessa.

    Então, acho que é um constrangimento. Vai virar a Torre de Londres, como foi dito aqui, vão para lá para espioná-la, fazê-la sofrer para ver se ela renuncia. Será que é esse o objetivo? Não podemos aceitar uma coisa dessa, não dá para aceitar isso. Daqui a pouco, vão mandar cortar o oxigênio dela, só falta isso.

    E quero voltar também à questão do estupro. Hoje, se você abrir os sites, quase todos que abri há um caso, porque banalizou o estupro neste País. No meu Estado, aconteceu de novo o estupro coletivo. Aqui, em Brasília, também aconteceu ontem. A moda, agora, é dopar as meninas, uma menina de 11 anos, aqui, em Brasília, no meu Estado, foi de 14 anos. Precisamos tomar providência.

    Naquele dia em que estávamos aqui querendo falar, no dia em que estávamos sentindo na alma a dor das pessoas que foram estupradas no Rio de Janeiro e no Piauí, queríamos entrar só com uma faixa aqui e não nos foi permitido. Havia Senador dizendo que íamos usar megafone. Não, temos uma tribuna, para que usar megafone aqui dentro? Andávamos nos corredores, fizemos uma caminhada, as Senadoras, as Deputadas, fazendo uma caminhada contra a cultura do estupro, e não nos foi permitido fazer aqui, no Senado. Então, é a prova de quanto o lugar da mulher ainda está restrito porque este Senado não podia fazer aquilo, esperávamos acolhimento naquele momento de grito de alerta que estávamos dando para a sociedade, esperávamos acolhimento. Mas não é de se estranhar porque este Senado tem mais de 50 anos e, agora, que veio ter um banheiro para as mulheres, porque não se pensou este espaço para as mulheres. Então, quero aqui também fazer esta denúncia.

    Hoje, li matérias estarrecedoras. De 2011 a 2015, morreram 226 mulheres vítimas de estupro. Mas não foi só esta quantidade, foram 87 mil casos de estupro e de abuso, as mortes foram 226, e o que é mais grave, mais da metade, meninas de menos de 19 anos.

    Isso é grave, muito grave. Está virando uma cultura o estupro no nosso País e a gente precisa cuidar disso. Esse assunto não pode ser pauta feminina, tem que ser pauta de homens e mulheres. Senadores e Senadoras têm que se preocupar com isso, têm que debater isso.

    Eu passo, então, à homenagem à Nise da Silveira, uma psiquiatra alagoana que conseguiu enxergar a riqueza dos seres humanos marginalizados por serem considerados loucos. Foi uma pioneira. Ainda na graduação, ela escreveu ensaios sobre a criminalização da mulher.

    Ela se formou em 1926, na Bahia. De 157 formandos, ela era a única mulher. Para ver o pioneirismo da Dra Nise. Ela rebelou-se contra a forma de tratamento dos chamados loucos, que era o choque para ajustar as pessoas. Ela queria um tratamento humanizado, ela usava arte para reabilitar os pacientes.

    Os ensinamentos de Nise nos falam de uma atualidade que se repete a cada vez que a loucura é estigmatizada e polarizada. Nise agigantou a humanidade ao cuidar de brasileiros rejeitados pelo sistema e isolados do convívio. Esquizofrênicos, marginalizados e esquecidos puderam ser autores de obras que hoje estão expostas em museus brasileiros, como o Museu de Imagens do Inconsciente, no Rio de Janeiro. Tem várias obras de pessoas com quem ela trabalhou. A arte marcou o renascimento daquelas pessoas para a sociedade.

    A vida de Nise nos comove e mobiliza. Ela merece o nosso respeito, admiração, pois tratou a loucura com carinho, fazendo dela um motor de vida. Descobrir a história de Nise é encontrar um pouco de nós mesmos nos momentos em que parecemos não caber em nossa própria existência.

    Foi ela quem deu voz à loucura. Em uma época em que ainda vivíamos os manicômios e o silenciamento dos loucos, Nise transformou o Hospital Engenho de Dentro, no Rio de Janeiro, em uma experiência de reconhecimento do engenho interior que é a loucura, conforme explicou à Revista Cult o psicanalista Christian Dunker, professor titular do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo.

    Nise dizia que um pouco de loucura é importante para cada um e cada uma de nós. Ela dizia que ninguém precisa se curar além da conta, que gente curada demais é gente chata e que todo mundo tem um pouco de loucura. Tem até um ditado que diz que, de médico e louco, todo mundo tem um pouco. Ela dizia: "vivam a imaginação, pois ela é a nossa realidade mais profunda". E se alegrava ao dizer que, felizmente, nunca conviveu com pessoas muito ajuizadas.

    Nise foi presa política de 1934 a 1936, durante o Estado Novo, acusada de envolvimento com o comunismo. Ela foi denunciada por uma colega de trabalho, que era enfermeira. No presídio Frei Caneca, ela dividiu cela com Olga Benário, a militante comunista alemã que, na época, era casada com Luiz Carlos Prestes.

    Na prisão, Nise também conviveu com o grande escritor Graciliano Ramos, que a cita em seu livro Memórias do Cárcere. Ele diz sobre Nise: "lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-a culta e boa. Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se de tomar espaço".

    Foi Nise que implementou a terapia ocupacional nos manicômios.

    Em 1944, a médica passou a trabalhar no Hospital Pedro II, antigo Centro Psiquiátrico Nacional, no Rio de Janeiro. Ela se recusou a seguir o tratamento da época, que incluía choque elétrico, camisa de força e isolamento. Ao dizer "não", foi transferida, como "punição", para o Setor de Terapia Ocupacional do Pedro II, um espaço desprestigiado na época.

    Porém, essa transferência foi fundamental para a revolução que Nise provocaria na psiquiatria: foi nesse setor do hospital que ela implementou junto com o psiquiatra Fábio Sodré, a Terapia Ocupacional no tratamento psiquiátrico, usando a arte para tratar problemas graves de saúde mental.

    Nise também introduziu gatos e cachorros na rotina dos psicóticos, encorajando os pacientes a conviverem com os animais, e o resultado foi uma admirável promoção de afetividade com os bichinhos.

    Ela revelou as emoções dos esquizofrênicos mostrando que o mundo interno do esquizofrênico, considerado inatingível até então, poderia ser acessado, revelando as emoções desses pacientes por meio das artes plásticas. Nise questionou os manicômios mostrando que havia uma confusão entre hospital psiquiátrico e cárcere, com os pacientes tratados como presos e fundou, em 1956 a Casa das Palmeiras, um lugar para o convívio afetivo e estímulo à criatividade dos psiquiátricos. A clínica ainda funciona em regime aberto, sem fins lucrativos, à base de doações.

    Nise apontou falhas na psiquiatria, contestou práticas e demonstrou soluções, dando novos contornos e sentidos aos tratamentos e às relações entre psiquiatras, e pacientes. Em seus 94 anos de vida, a alagoana publicou dez livros e escreveu uma série de artigos científicos.

    Mais do que atual: Nise é urgente para a sociedade brasileira de psiquiatria.

    Eu quero só recomendar também, eu li um texto na rede, de um rapaz chamado Mateus, que ele, na sua residência, no primeiro contato com hospital, narra uma situação muito parecida ainda com o que se vê, com o que Nise contestou: ainda hoje o tratamento é desumano nos hospitais psiquiátricos.

    Quem quiser conhecer Nise da Silveira sem ler a sua biografia, tem um filme chamado Nise - O coração da loucura, com Glória Pires no papel de Nise. É um filme que está em cartaz, é importante, principalmente médicos, psiquiatras assistirem a esse filme, para ver se se humaniza mais o tratamento dos chamados loucos.

    O Mateus, no artigo dele, diz que no primeiro contato dele com os doentes mentais, a maioria eram as pessoas mais lúcidas com quem ele já conversou. Porque as pessoas foram falando e ele foi anotando, então é um artigo também interessante.

    Muito obrigada, Sr. Presidente.

    O Sr. Romero Jucá (PMDB - RR) - Senadora Regina, me permita um minuto, eu vou ter que sair...

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Pois não, Senador.

    O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR) - Eu queria pedir ao Presidente Paulo Paim que pedisse para registrar na ata o meu voto "sim" na única votação nominal que teve, de autoridade, porque eu estava numa reunião fora, para que ele não possa ficar ausente desse registro. Queria pedir a V. Exª que pudesse considerar meu voto favorável.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem. Senador Romero Jucá, constará então o seu pedido.

    O SR. ROMERO JUCÁ (PMDB - RR) - Quero saudar a Senadora Regina também pelo discurso que faz, porque este é um assunto extremamente importante para o País, é um assunto muito debatido, é um assunto que não está resolvido ainda no nosso Brasil e, sem dúvida nenhuma, merece uma atenção do Poder Público. Eu quero aqui registrar também a importância do discurso. Obrigado.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Apoio Governo/PT - RS) - Muito bem.

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Apoio Governo/PT - PI) - Obrigada, Senador, e obrigada, Presidente, eu concluí as minhas palavras.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2016 - Página 52