Discurso durante a Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear a memória do ex-Senador Jarbas Passarinho.

Autor
Fernando Collor (PTC - Partido Trabalhista Cristão/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM:
  • Sessão solene destinada a homenagear a memória do ex-Senador Jarbas Passarinho.
Publicação
Publicação no DCN de 16/06/2016 - Página 5
Assunto
Outros > HOMENAGEM
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM POSTUMA, MORTE, JARBAS PASSARINHO, EX SENADOR, ELOGIO, VIDA PUBLICA.

     O SR. FERNANDO COLLO R (Bloco Moderador/PTC-AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmo. Sr. Presidente desta sessão em que homenageamos este grande brasileiro Jarbas Passarinho, meu prezado colega, companheiro Senador Flexa Ribeiro; Sr. Deputado Federal Joaquim Passarinho, sobrinho- -neto do homenageado; Exmo. Sr. Comandante do Exército Brasileiro, Sr. General de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas; Exmo. Sr. Representante do Comando da Aeronáutica, Sr. Major-Brigadeiro-do-Ar Rui Chagas

Mesquita, Exmo. Sr. Representante do Comandante da Marinha, Sr. Contra-Almirante Eduardo Machado Vazquez; Exmo. Sr. Ministro, sempre Ministro, do Superior Tribunal de Justiça, Aldir Passarinho Junior; Sr. Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Pará, Deputado Estadual Sidney Rosa; Sra. Angélica de Castro Gonçalves Passarinho; Sr. Carlos de Castro Gonçalves Passarinho; senhoras e senhores filhos do homenageado, dentre outros, Jarbas Gonçalves Passarinho Júnior, Julia Passarinho, Eleonora de Castro Gonçalves Passarinho, Estêvão Lamartine Nogueira Passarinho, Isabelle Lamartine Nogueira Passarinho, Jarbas Gonçalves Passarinho Neto, Lya Viegas Passarinho, Maria Caroline Passarinho Chaves, Murilo Passarinho Mori, Roberto Jorge Cunha Chaves Filho, Ruth Passarinho Chaves, Tereza Cristina, demais familiares e amigos do homenageado; autoridades em nível de excelência; Sras. e Srs. Senadores; senhoras e senhores convidados, falar de Jarbas Passarinho é missão, ao mesmo tempo, complexa e instigante.

     A grandeza de sua vida e o relevo de seu legado desautorizam qualquer delimitação a mera biografia política ou a obra bibliográfica de um raro homem público. Seu universo eram as ideias, seu talento eram as palavras, os discursos, as reflexões. Mas seu mundo era também a ação, a administração e, mais do que isso, sua vocação era a política, a grande política, tão escassa e necessária nos dias atuais.

     Além de Governador do Estado do Pará entre 1964 e 1966, Jarbas Passarinho exerceu o mandato de Senador por três vezes, honrando com sua presença esta Casa, em três décadas subsequentes, 1966, 1974 e 1986, chegando inclusive à Presidência do Senado da República em 1981.

     Porém, sua trajetória mais marcante talvez tenha sido a de Ministro de Estado, função que ocupou em quatro Pastas distintas, de quatro Governos diferentes: Ministro do Trabalho no Governo Costa e Silva, em 1967; Ministro da Educação no Governo Médici, em 1969; Ministro da Previdência no Governo João Figueiredo, em 1983; e, por fim, Ministro da Justiça em meu Governo, entre 1990 e 1992.

     Sem dúvida, foi um período de mútuo respeito pessoal esse em que tivemos oportunidade de conviver como Presidente e Ministro, e também de reconhecimento institucional por um programa de Governo que se implantava e no qual acreditávamos, tanto ele quanto eu, integralmente.

     Portanto, é desse convívio e dessa experiência única que eu gostaria de enfatizar, Sr. Presidente, aquilo que me foi possível testemunhar como Presidente da República: a correção de sua vida pessoal, a ilibada conduta pública e a excelência de seu trabalho.

     A disciplina adquirida pela formação militar, aliada a uma sólida e diversificada bagagem intelectual, modelaram em Jarbas Passarinho uma personalidade que, nas diferentes áreas em que atuou, foi capaz de acarretar em seus interlocutores, a um só tempo, a deferência, o apreço e a simpatia.

     Admitamos, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, uma confluência rara de virtudes em uma mesma pessoa.

     Além disso, foi sua reconhecida experiência administrativa e a convergência nos ideais políticos do social-liberalismo que me fizeram convidá-lo para participar de meu Governo. Cumpriu com denodo a missão. Demonstrou impecável espírito público. Revelou, com elevação, seus métodos, seus conceitos e suas aspirações.

     Em sua gestão à frente da Justiça, Jarbas Passarinho foi personagem fundamental para o sucesso da demarcação da Reserva Ianomâmi, em 1992. Sua eficiente atuação, ao longo de difíceis e demoradas negociações, facilitou e permitiu a interlocução entre os órgãos, instituições e agentes participantes daquele processo, desde as nossas Forças Armadas, passando por INCRA, FUNAI, IBAMA, até movimentos sociais, organizações não governamentais e partidos políticos.

     Do mesmo modo, ele foi responsável pela condução das negociações políticas de um tema no qual eu estava empenhado e que estava disposto a concretizar: a mudança do sistema de Governo, cujo plebiscito seria realizado, como o foi, em 1993, de acordo com o previsto na nossa Carta Magna.

     Na condição de Chefe da Nação num sistema presidencialista, mas que sempre defendeu e pregou a opção parlamentarista, imaginávamos que seria possível, durante meu mandato, trazer ao debate público uma série de vantagens e argumentos favoráveis à adoção do sistema parlamentar de governo. Esta era uma das principais missões de Jarbas Passarinho no Ministério, mas que acabou interrompida por diversas ocorrências e óbices fora de nosso alcance, tanto meu quanto dele, no plano político-partidário.

     Assim, como Ministro da Justiça, Jarbas Passarinho atuou também na condução política do Governo. E, como tal, testemunhou vários episódios. Em um deles, esteve comigo num café da manhã, no Palácio da Alvorada, do qual participou o então Deputado Ulysses Guimarães. Na ocasião, ele inclusive me presenteou com um livro que acabara de publicar. Era início de 1992, quando já se iniciavam alguns rumores sobre o processo de impeachment.

     Na oportunidade, ouvimos, ele, Ministro Passarinho e eu, do Dr. Ulysses a garantia de que o PMDB não engrossaria as fileiras daqueles que se movimentavam para pedir o meu afastamento. Em suas palavras, dele, Dr. Ulysses, aquilo era uma aventura. Mais tarde, por pressão do então Presidente do partido, Orestes Quércia -- e por esquisitas interferências --, Dr. Ulysses, como se viu, mudou de ideia.

     Sr. Presidente, senhoras e senhores, sem dúvida, Jarbas Passarinho foi um Ministro atuante e, ao mesmo tempo, um conselheiro com o qual eu contava sempre. Amparado numa inefável, porém desnecessária modéstia, ele soube refletir bem nossos objetivos em seu discurso de despedida do Ministério, quando a mim se dirigiu com palavras que jamais esqueci.

     Disse Jarbas Passarinho:

Altamente compensador, Sr. Presidente, foi ajudá-lo, na medida de nossos limitados méritos, na busca de colimar o seu objetivo verdadeiramente revolucionário, qual o de mudar a face do Brasil, eliminar os anacronismos, modernizar a economia, combater o patrimonialismo, vencer a resistência cartorial que asfixiava a Nação. (...) A pertinência de V.Exa., forrada na doutrina do social-liberalismo, vai levar o Governo a obter a colheita da sementeira que tem sido plantada com tanta coragem e bravura pessoal.

     O mesmo pensamento levou ao seu primeiro discurso, nesta tribuna, em 7 de abril de 1992, quando reassumiu o mandato de Senador. Após historiar os principais resultados alcançados pelos últimos governos da época, ele assinala:

Agora é chegado o momento da segunda grande revolução modernizadora do País. Fato raro, vermos um Presidente que se filia publicamente a uma doutrina: o social-liberalismo.

     E continua Jarbas Passarinho:

No social-liberalismo, buscamos uma nova ordem, na qual, a partir da garantia das liberdades fundamentais, liberdades físicas e políticas, existem os direitos econômicos e sociais, sem os quais aquelas não passariam de meras abstrações. Ao mesmo tempo em que repudia o estatismo e a economia centralizada, combate igualmente o populismo, evidência maior da demagogia -- conclui ele.

     Pois bem, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, senhoras e senhores, nada mais justo e oportuno do que homenagear o Ministro Jarbas Passarinho, trazendo e rememorando suas ideias, suas palavras, seus ensinamentos, até porque o pensamento dele nunca foi tão atual e revelador.

     Basta dizer que, ainda durante o processo constituinte, em 1988, proferiu, aqui no Senado Federal, o célebre discurso intitulado Brasil: uma sociedade enferma. Disse ele:

Não se dirá que uma sociedade está enferma só porque nela se registrem descontentamentos com os governantes, denúncias de escândalos financeiros, malversação dos dinheiros públicos, inflamados sermões moralísticos, a par da pregação das utopias. Diz-se, isto sim, que uma sociedade está enferma quando esses sintomas se agravam e seus excessos chegam a ser alarmantes, como me parece que está ocorrendo no Brasil hodierno.

     Continua Jarbas Passarinho:

Não é isso que a Nação deseja! De modo algum! Muito ao contrário, ela quer a ultimação, sem traumas, da travessia rumo à plenitude democrática, com todas as correntes ideológicas convivendo civilizadamente no campo político, com as liberdades fundamentais asseguradas e os direitos sociais e econômicos reconhecidos e respeitados. É nosso dever exorcizar o fantasma do rompimento do tecido social, sanear a vida civil, punir exemplarmente quem a conspurque, restaurar a autoridade abalada, restabelecer a harmonia entre os Poderes, ultimar rapidamente a Constituição em preparo, eliminar as provocações e acusações recíprocas, para tornar incontrastável o poder civil.

     No mesmo discurso, em um momento em que o Brasil passava por crise de confiança e governabilidade -- e ainda sob o rescaldo da recente transição de um regime para outro --, Jarbas Passarinho alertava, sem alarido: “Fala-se em retrocesso político para esconder, ao abrigo de um eufemismo, a referência funesta a golpe de Estado”.

     A precisão, a inteligência e perspicácia de seu raciocínio são de tal grandeza, que ainda hoje podemos adotar este mesmo alerta, porém de forma inversa, para espelhar o quão mais grave -- e menos digno -- é o atual debate político no Brasil.

     Hoje, Sr. Presidente, fala-se em golpe de Estado para esconder, ao desabrigo de um disfemismo, a referência ao que na realidade é uma solução política, obedecendo-se ao rigor do marco constitucional.

     Não tenho dúvida, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, de que, se ainda fosse partícipe, Jarbas Passarinho, analista que era da cena política brasileira, que como poucos sabia mesclar sutileza e exatidão nas palavras, estaria questionando: “O que mais resta acontecer para que a cegueira de uns se renda à luz da verdade? Até quando uma resistente e rumorosa minoria permanecerá na caverna de Platão?”

     Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sras. e Srs. Senadores, como todo homem público de inegável protagonismo, Jarbas Passarinho também sofreu injúrias. Soube conviver com injustiças, mas não se negou a combater as maliciosas versões, para que elas não prevalecessem sobre os fatos. Como ele mesmo dizia, em seu retorno ao Senado em abril de 1992: “Há quem prefira acreditar mais nas manchetes dos jornais do que na versão verdadeira”. E completava: “Isso para mim, hoje, não passa de lixo, e já foi para onde se destinam os monturos”.

     Entretanto, com a sabedoria e a vivacidade dos fortes, e sempre citando Sêneca, ele forneceu a todos a receita para os embates do dia a dia: “Quem sabe suportar corajosamente os acidentes da vida comum não precisa engrandecer-se para ser soldado: viver é lutar”.

     Para encerrar, Sr. Presidente Flexa Ribeiro, senhoras e senhores, autoridades aqui presentes, devo não só agradecer publicamente, mais uma vez, ao Ministro e Senador Jarbas Passarinho pelo espírito público demonstrado em meu Governo, mas também homenageá-lo relembrando o trecho da carta que lhe escrevi e que foi por ele mesmo destacado em sua fala de despedida do Ministério da Justiça.

     Assim, reafirmo hoje o que fiz questão de registrar em 30 de março de 1992: “Tenha-me como seu admirador e testemunha de sua honradez e desprendimento”.

     A ele, aqui representado por amigos e familiares, o meu respeito e o meu agradecimento.

Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente Flexa Ribeiro. Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 16/06/2016 - Página 5