Discurso durante a 112ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da sustação da Instrução Normativa da Receita Federal que limita a retenção, pelos Municípios, de imposto incidente sobre a renda paga para seus servidores.

Autor
Lasier Martins (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Lasier Costa Martins
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Defesa da sustação da Instrução Normativa da Receita Federal que limita a retenção, pelos Municípios, de imposto incidente sobre a renda paga para seus servidores.
Publicação
Publicação no DSF de 08/07/2016 - Página 36
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • DEFESA, SUSTAÇÃO, INSTRUÇÃO NORMATIVA, RECEITA FEDERAL, PERIODO, GESTÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENCIA DA REPUBLICA, OBJETIVO, LIMITAÇÃO, RETENÇÃO, MUNICIPIOS, IMPOSTO DE RENDA, PAGAMENTO, SERVIDOR PUBLICO MUNICIPAL, CRITICA, VIOLAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PACTO FEDERATIVO, COMENTARIO, APRESENTAÇÃO, DECRETO LEGISLATIVO, REFERENCIA, ASSUNTO.

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente, Alvaro Dias. O debate estava bom, apenas foi alongado demais, e não está previsto, nos termos em que aconteceu, dentro do Regimento.

    Presidente Alvaro Dias, Srs. Senadores, Senadoras, telespectadores, eu quero falar sobre a contradição que está acontecendo com relação ao tema do momento, o Pacto Federativo, essa interminável discussão do Pacto Federativo, que acaba de receber mais uma contradição do Governo. Estou querendo relembrar a quem ainda não se deteve no assunto que, no apagar das luzes do ano passado de 2015, ainda sob a gestão de Dilma Rousseff, a Receita Federal brindou os Municípios, o Distrito Federal e os Estados brasileiros com uma instrução normativa completamente contraditória ao que se discute atualmente com o Pacto Federativo. Estou me referindo à Instrução Normativa nº 1.599, que foi muito além do que pode fazer um ato emanado pelo Poder Executivo. Na prática, acabou sendo, de maneira inteiramente torta, verdadeira mudança no texto da Constituição Federal. Então, eu gostaria, nesta oportunidade, de concentrar a atenção nos efeitos danosos para os Municípios, haja vista ter recebido diversas manifestações de prefeitos contrários à medida da Receita Federal.

    Estou vindo falar sobre esse assunto, Sr. Presidente, porque recebi ontem uma comitiva de prefeitos do Rio Grande do Sul sobre o tema.

    Acontece que a Constituição Federal, no art. 158, inciso I, definiu, e aqui cito ipsis literis, que - abre aspas:

"Art. 158. Pertencem aos Municípios:

I - o produto da arrecadação do imposto da União sobre renda e proventos de qualquer natureza, incidente na fonte, sobre rendimentos pagos, a qualquer título, por eles, suas autarquias e pelas fundações que instituírem e mantiverem."

    Até essa malfadada Instrução Normativa nº 1.599, que é o objeto do meu pronunciamento, havia interpretação pacífica em sentido contrário. Em 2010, a Instrução Normativa nº 1.110 havia simplesmente reproduzido o texto constitucional e estabeleceu que os valores relativos ao Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) incidente sobre rendimentos pagos a qualquer título pelos Estados, Distrito Federal e Municípios não deviam ser informados na Declaração de Débitos e Créditos Tributários Federais. Em outras palavras, os Municípios não deveriam recolher o IRRF devido à União em relação aos serviços prestados pelos trabalhadores autônomos, pelas pessoas jurídicas e os oriundos do trabalho assalariado.

    Já essa instrução normativa que está sendo atacada, a Instrução Normativa nº 1.599, restringiu o escopo do texto constitucional, como se a própria Receita Federal fosse um poder constituinte derivado, e determinou que, a partir de agora, caberia aos Municípios ficar apenas com os rendimentos dos trabalhos assalariados. Ao agir como autêntico poder constituinte derivado, a ação da Receita Federal produz alguns efeitos práticos nefastos, nocivos e indesejados. Passo a enumerar, para melhor compreensão, os efeitos dessa Instrução Normativa. O primeiro e grave efeito é a redução de receitas dos Municípios, já tão combalidos como estão. Em tempos bicudos, de pouco acesso a crédito e de perda de arrecadação em razão da maior crise econômica da nossa História republicana, a Instrução Normativa nº 1599 representa tirar dinheiro dos Municípios.

    São perdas milionárias. A FAMURS (Federação das Associações de Municípios do Estado do Rio Grande do Sul) estima que, apenas para os Municípios gaúchos, haverá uma perda de R$40 milhões anuais - R$40 milhões, apenas para os municípios rio-grandenses!

    A Consultoria Legislativa da Casa, em brilhante trabalho, fez uma estimativa mais abrangente, que envolve todos os Municípios brasileiros. Aí serão perdas - decorrência dessa instrução normativa - anuais de pelo menos R$1 bilhão.

    O segundo efeito é a possibilidade de cobrança retroativa dos valores não arrecadados. Considerando-se que podem ser exigidos os últimos cinco anos, a Receita Federal criou, do nada, uma conta de R$5 bilhões para os Municípios brasileiros.

    Trago o exemplo de duas cidades gaúchas que procuraram o meu gabinete ontem - entre outras -, por seus secretários municipais de fazenda: os Municípios gaúchos de Lajeado e Farroupilha. São Municípios de porte médio, mas muito produtivos. O primeiro Município, a cidade de Lajeado, deixaria de arrecadar R$500 mil; e a segunda, R$600 mil por ano. Além disso, poderiam ser cobradas, respectivamente, por passivos, no valor de R$2,5 milhões e R$3 milhões - a segunda cidade. Como diria o ex-Ministro da Fazenda Pedro Malan: "No Brasil, até o passado é imprevisível."

    Um terceiro efeito dessa instrução normativa, que agora querem impingir, é a incerteza que se criaria para milhares de prefeitos e secretários de fazenda, em todo o País, com a possibilidade de serem processados pelo não recolhimento de impostos. A Receita Federal, enfim, inventou um "jabuti" legislativo, que não apenas estraçalha as finanças dos Municípios, como também cria um ambiente de insegurança jurídica permanente. Na terra dos absurdos que virou o Brasil, a Receita Federal se superou.

    Sr. Presidente Randolfe Rodrigues, nessa série de problemas criados por essa instrução normativa, um quarto efeito, enfim, é a possibilidade de os Municípios sofrerem restrições na emissão de certidões negativas fiscais - indispensáveis para celebração de convênios com qualquer esfera governamental -, caso optem por não fazer o recolhimento do imposto nos moldes agora exigidos pela União.

    Além de ter legislado o que não pode fazer, a medida pôs em pânico prefeitos e secretários de fazenda Brasil afora.

    Então, Sr. Presidente, Sr. Senador Antônio Reguffe - sempre muito preocupado e conhecedor da matéria fiscal -, essa estapafúrdia Instrução Normativa nº 1.599, que precisamos atacar o tempo todo, também vai contra a decisão do Tribunal de Contas da União.

    No ano de 2002, o TCU proferiu a Decisão nº 125, favorável aos Municípios em relação ao citado art. 158, §1º, da Constituição Federal. Aqui cito um pequeno trecho do que disse o TCU - abro aspas -:

A Constituição de 1988, ao tratar do assunto, atribuiu a essas pessoas [Estados, Municípios e Distrito Federal] o produto da arrecadação desse imposto incidente na fonte, sobre os rendimentos por elas pagos, a qualquer título.

Logo, sempre que houver retenção na fonte, inclusive relativa aos pagamentos efetuados à pessoa jurídica, o produto dessa arrecadação pertence ao Estado, ao Distrito Federal ou ao Município no qual se originou o pagamento.

    Enfim, a decisão do TCU é de uma clareza solar: o dinheiro não é da União e não pode ser da União, que está agora querendo surrupiá-lo. É dos entes subnacionais, ou seja, Estados, Municípios e Distrito Federal.

    E mais: os arts. 157 e 158 da Constituição, que tratam dos tributos que pertencem aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, são evidentemente autoaplicáveis. Ou seja, dispensam qualquer norma infralegal. E não pode haver ato normativo - como esta Instrução nº 1.599 - que restrinja o seu alcance.

    Então, Sr. Presidente, o que a Receita Federal fez não foi pouca coisa. Na prática, fere, mais uma vez, o Pacto Federativo. É uma contradição o que ora se discute. Mais uma vez, por décadas, o Pacto Federativo está sendo atacado. Mais uma vez, os burocratas das planilhas de Excel não se importam com as pessoas comuns, com o posto de saúde que não pode ser reformado, com a escola que não pode receber investimento, com as ruas esburacadas que não podem ser consertadas e com todos os demais serviços que as prefeituras vão deixar de prestar, em razão de mais esse equívoco. Mais do que um simples equívoco, é uma voracidade fiscal. Mais uma vez, os burocratas das planilhas de Excel sequer se preocupam com a constitucionalidade dos atos.

    Por tudo isso, as minhas palavras podem parecer duras, mas não podem ser de outro modo. Não posso ficar calado, como municipalista que sou e, como sei, é a maioria dos nossos Senadores, diante dessa medida arbitrária da Receita.

    Por isso, em conclusão, estou apresentando - e já foi protocolado ontem - o projeto de decreto legislativo que susta, nos termos do art. 49, inciso V, da Constituição Federal, o § 7º do art. 6º dessa malfadada Instrução Normativa nº 1.599, de 2015, da Receita Federal.

    Enfim, espero contar com o apoio dos meus pares, para que possamos sustar os efeitos desse ato deletério da Receita e, assim, evitar que o abuso prevaleça. É isso que milhares de Municípios brasileiros esperam de nós.

    Muito obrigado, Sr. Presidente Randolfe Rodrigues.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/07/2016 - Página 36