Discurso durante a 116ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Assassinato de Jovens, que apresentou recomendações para orientar a formulação de políticas públicas sobre o tema.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Considerações acerca do relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito do Assassinato de Jovens, que apresentou recomendações para orientar a formulação de políticas públicas sobre o tema.
Publicação
Publicação no DSF de 14/07/2016 - Página 130
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • COMENTARIO, RELATORIO, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), OBJETO, HOMICIDIO, ADOLESCENTE, APRESENTAÇÃO, RECOMENDAÇÃO, ELABORAÇÃO, POLITICA PUBLICA, ENFASE, REDUÇÃO, OCORRENCIA, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, HOMOFOBIA.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - BA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srs. e Srªs Senadoras, essa semana, duas frases tiveram amplo destaque na imprensa. A primeira dizia: "Séculos de discriminação racial, escravidão e segregação não se apagam com uma lei ou um discurso". A segunda afirmação complementava. "Somos uma sociedade que investe pouco em educação, permite a pobreza e inunda as ruas de armas".

    Essas afirmativas poderiam tranqüilamente resumir aspectos da tragédia brasileira e terem sido proferidas por quaisquer de nossas autoridades públicas. Mas foram proferidas por Barack Obama, presidente da Nação mais rica e poderosa do planeta.

    A violência policial que se abate sobre a população negra norte-americana gerou tensões e reações que deixou assombrado o mundo, evocando passagens marcantes da história daquele País, quando das lutas pelos direitos civis dos anos sessenta.

    Entre tantas semelhanças, uma diferença merece nosso registro: enquanto as maiores autoridades governamentais dos Estados Unidos se manifestam e propõem reflexão e debate sobre o tema, nossa tragédia cotidiana permanece intocada pelas nossas maiores autoridades.

    Recentemente, finalizamos os trabalhos da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Assassinato de Jovens nesse Senado Federal. Iniciada em junho de 2015, durante 13 meses de atuação tivemos a realização de 31 encontros - entre reuniões e 22 audiências públicas, no Senado e nos estados. Foram quase 250 convidados, entre pesquisadores, especialistas em segurança pública, representantes de entidades da sociedade civil e de organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, além de familiares e mães de vítimas.

    O Brasil é o país com o maior número de homicídios no mundo: 56 mil em 2012. Desse total, anualmente são assassinados cerca de 31 mil jovens entre 15 e 29 anos de idade. E, destes, 23 mil são negros e, em sua grande maioria, moradores de periferias. Como constatou o relatório da CPI: são, 63 assassinatos de jovens por dia, ou um a cada 23minutos. A maioria das vítimas era pobre, negra, do sexo masculino e foi atingida por disparo de arma de fogo.

    O relatório final, apresentado pelo senador Lindbergh Farias (PT-RJ), apoiado no depoimento de praticamente todos os especialistas ouvidos pela Comissão, convergiu para a constatação de que há, sim, no Brasil, mais do que um racismo institucionalizado: vivemos um verdadeiro GENOCÍDIO de nossa juventude negra brasileira, resultado de um racismo institucionalizado e da falta de estrutura adequada do Estado para investigar os homicídios, principalmente aqueles causados durante procedimentos a cargo da própria estrutura do Estado.

    Não é possível assistirmos passivamente ao fato de um universitário como Júlio César Espinoza, morrer em São Paulo após seu carro ser alvejado por 16 tiros. Ou como ocorreu com o jovem Diego Vieira Machado: cotista da Universidade Federal do Rio de Janeiro, negro e homossexual, foi assassinado esta semana.

    Tivemos também, Sr. Presidente, nos últimos dias, o registro de alguns casos de violência no Rio Vermelho, em Salvador, inclusive com a morte do produtor e estudante Leonardo Moura, de 29 anos, homossexual, espancando após sair de uma boate, entre outros casos de violência.

    Aliás, além do racismo, outro viés da violência que cresce de forma alarmante e assombra nossa juventude são os crimes por homofobia.

    Nem a etnia, nem a condição social, nem a orientação sexual podem motivar quaisquer atos de violência. Precisamos dar um basta à essa onda de discriminação e preconceitos que vitimam nossa juventude, principalmente negra e pobre!

    E preciso que enfrentemos essa triste realidade sem meias palavras, de forma firme e efetiva, e para isso a CPI ofereceu alguns rumos e propôs ações urgentes e inadiáveis.

    Como parte das suas conclusões, a CPI apresentou três proposições:

    1) a criação de um Plano Nacional de Redução de Homicídios de Jovens;

    2) garantia de transparência total dos dados sobre segurança pública, e violência;

    3) e o fim dos chamados autos de resistência - que são os registros de mortes ocorridas em supostos confrontos nos quais o policial alega ter atirado para se defender, - com a comunicação imediata da ocorrência de crime aos órgãos periciais.

    Para traçar um perfil, o mais preciso possível, dos assassinados ocorridos no Brasil, a CPI solicitou aos Governos Estaduais, Ministério Público e Poder Judiciário dados sobre a investigação, a persecução penal e o processamento das ações penais relacionados aos crimes de homicídio de jovens de 12 a 29 anos de idade, com a estratificação das informações por gênero, idade e cor das vítimas.

    E, nesse ponto, foi constatada ausência absoluta de dados confiáveis sobre a segurança pública em diversos aspectos: ou porque os dados existentes apresentam diferenças de tratamento; ou por falta de informações detalhadas.

    Daí a CPI propor tanto a criação de um banco nacional de dados com informações consolidadas e sistematizadas sobre a violência em todo o País, como o estabelecimento de um protocolo de padronização das informações a ser utilizado por todas as unidades da Federação e pelo Governo Federal, de forma a uniformizar os procedimentos de coleta e para que esses dados possam servir de subsídios para a formulação de políticas direcionadas com a segurança pública.

    Finalizando, Senhor Presidente, acreditamos que as recomendações que foram apresentadas pela CPI do Assassinato de Jovens servirão para orientar os eixos centrais de atuação das futuras políticas públicas, como a ampla reformulação da política de combate às drogas e a reforma do sistema de segurança pública.

    Também verificamos a urgência da necessidade de uma nova formação e da reestruturação das nossas polícias, além da revisão do sistema de encarceramento amplo e indiscriminado hoje praticado, que nos faz ter a terceira população carcerária do planeta.

    A CPÍ sinalizou, também, a exigência por uma aplicação efetiva do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), com recursos que assegurem, de fato, as medidas socioeducativas nele previstas. E propôs, ainda, a criação do Observatório Nacional sobre Violência no âmbito do Congresso Nacional.

    Por fim, como presidente da CPI quero homenagear aqui as mães que participaram com seus depoimentos e histórias repletas de dor e de luta, e reafirmar, como senadora, mãe e mulher, que o combate a este verdadeiro genocídio da juventude negra brasileira não terminou com a conclusão dos trabalhos da Comissão.

    Assumimos, eu e o relator senador Lindbergh Farias, juntamente com os demais membros da CPI, o compromisso de continuar lutando para acabar com a violência, o genocídio e o racismo no Brasil.

    Gostaria de nomear e agradecer a todos os senadores e senadoras que compuseram a CPI: em especial ao nosso relator senador Lindbergh Faria; ao vice-presidente da Comissão, Paulo Paim; e o demais membros Ângela Portela, Fátima Bezerra, Humberto Costa, José Medeiros, Simone Tebet, Telmário Mota, Vanessa Grazziotin, Eduardo Amorim e Maria do Carmo Alves.

    Em nome de todos os membros da CPI, agradeço às mães que participaram com seus depoimentos e histórias repletas de dor e de luta: Ana Lúcia, Ana Paula, Antônia, Débora, Deize, Eleonora, Evani, Fátima, Graça, Irone, Jucelia, Lúcia, Márcia, Maria de Fátima, Maria Lorena, Mônica, Odilza, Soely, Terezinha, Vera Lúcia Andrade, Vera Lúcia Gonzaga e milhares de outras mães de jovens assassinados.

    A dignidade e a persistência delas na luta por justiça para seus filhos assassinados foi a fonte de inspiração para todos nós.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/07/2016 - Página 130