Discurso durante a 131ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Leitura de artigo publicado no jornal Folha de São Paulo sobre o julgamento da Presidente Dilma Rousseff.

Preocupação com a possibilidade de não extensão do Programa Mais Médicos.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Leitura de artigo publicado no jornal Folha de São Paulo sobre o julgamento da Presidente Dilma Rousseff.
SAUDE:
  • Preocupação com a possibilidade de não extensão do Programa Mais Médicos.
Publicação
Publicação no DSF de 23/08/2016 - Página 25
Assuntos
Outros > GOVERNO FEDERAL
Outros > SAUDE
Indexação
  • LEITURA, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO, JULGAMENTO, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, DEFESA, REJEIÇÃO, MOTIVO, INEXISTENCIA, CRIME DE RESPONSABILIDADE, ILEGALIDADE, AFASTAMENTO, GOLPE DE ESTADO.
  • APREENSÃO, FALTA, PRORROGAÇÃO, PRAZO, CONVENIO, PROGRAMA MAIS MEDICOS, ATRASO, VOTAÇÃO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PREJUIZO, POPULAÇÃO CARENTE, PERIFERIA URBANA, COMUNIDADE INDIGENA, INEXISTENCIA, ASSISTENCIA MEDICA, CRITICA, GOVERNO, INTERINO, MICHEL TEMER, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MINISTRO DE ESTADO, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MOTIVO, EXCLUSÃO, PROGRAMA ASSISTENCIAL, REDUÇÃO, INVESTIMENTO, SAUDE, EDUCAÇÃO.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senador Paim. Uma bonita homenagem a que V. Exª fez. Meus sentimentos a V. Exª e à família dele também.

    Senador Paim, que preside esta sessão, Senadores e Senadoras, quem nos ouve pela Rádio Senado e nos assiste pela TV Senado, nós iniciamos uma semana histórica para a democracia brasileira. Nós podemos fortalecê-la ou podemos golpeá-la.

    Nesta semana, vamos iniciar o julgamento definitivo da Senhora Presidenta da República por um processo de Impeachment que, desde o início, nós temos dito que é um golpe, por não encontrar base na Constituição e na legislação brasileira. É um teste esta semana, porque vamos julgar uma Presidenta que não cometeu crime algum, eleita legitimamente por 54 milhões de brasileiros. Por isso, para mim, Senador Paim - acredito que para V. Exª e também para muitos Senadores e Senadoras colegas nossos, para muitos brasileiros e brasileiras -, é uma semana muito triste, não só pelo teste que nós vamos fazer a nossa jovem democracia, mas também pelo significado que tem esse atentado que se quer fazer à Constituição Federal para usurpar o poder. O que verdadeiramente está por trás desse processo de processo de Impeachment, que foi fraudado, que foi pensado para afastar a Presidenta e para que o poder pudesse cair em mãos daqueles que, sem voto popular, querem impor ao País um programa e ações que jamais passariam pelo crivo das urnas?

    Mas eu não quero falar com as minhas palavras. Eu quero hoje ler um artigo publicado no jornal Folha de S.Paulo, da jornalista que é repórter especial desse jornal, Eleonora de Lucena, que, para mim, ilustra muito bem o que está por trás deste processo que nós estamos vivenciando e que vai ter seu ápice esta semana e no início da semana que vem.

    O texto chama-se Truculência e começa assim:

O Brasil entrou no centro da disputa geopolítíca mundial. Tem riquezas naturais, mercado interno, posição estratégica. Construiu uma economia diversificada e complexa, terreno para grandes empresas nacionais e ambiente potencial para o desenvolvimento de tecnologias de ponta. 

Os Estados Unidos, acostumados a nadar de braçada no continente, começaram a ver o avanço chinês no que consideram seu quintal. Investimentos, comércio, parcerias com os orientais cresceram de forma exponencial.

Não parece ser coincidência a intenção norte-americana de voltar a ter bases militares na América do Sul, na sempre sensível tríplice fronteira, no meu Estado do Paraná, e na Patagônia, que vigia o estreito de Magalhães, curva entre dois mundos. Nem parece ser ao acaso a escolha dos alvos do momento: a Petrobras, as grandes empresas e até o programa nuclear.

Nos últimos anos, o País mostrou zelar por sua autonomia e buscou alianças fora da influência dos Estados Unidos. Com China, Rússia, Índia e África do Sul, o Brasil ergueu os BRICS e um banco de desenvolvimento inovador. Aqui, reforçou o Mercosul, alvo imediato de ataque feroz do interino, afoito em mostrar serviço para o Norte e ressuscitar relações subalternas.

Esse contexto maior escapa da verborragia conservadora, ansiosa em reduzir a crise atual, Senador Paim, a um confronto raso entre supostos corruptos e hipotéticos éticos. Bastaram poucas semanas para deixar evidente a trama hipócrita e podre do bando que tenta abocanhar o poder.

O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país. O que está em jogo é muito mais do que uma simples troca de governo. É a própria ideia de país.

Falar de luta de classes e de projeto nacional deixou alguns leitores ouriçados. Mas, apesar da operação de marketing em curso, os objetivos do atropelo à Constituição são claros: concentrar riqueza, liberar mercados, desnacionalizar a economia e desmantelar o Estado, coisa já dita por V. Exª muitas vezes desta tribuna.

O discurso dos sem-voto que se aboletaram no Planalto tenta editar um macarthismo tosco, elegendo um inimigo interno. Agridem os de vermelho - sempre eles -, citados como os culpados de todo o mal, numa manobra conhecida dos movimentos fascistas desde o início dos anos 20. Quem se atreve a discordar do rolo compressor elitista é logo tachado de "maluco" pelos replicantes da direita raivosa. Dizem que os que apontam as contradições atuais são saudosos do Século XIX.

Viúvos do Século XIX são os que querem agora surrupiar direitos e restabelecer condições de exploração do trabalho daqueles tempos. Com a retórica de uma suposta modernidade, atacam conquistas sociais e pregam o desmonte da corajosa Constituição de 1988.

Alegam que a matemática não permite que o Estado cumpra as suas funções perante os cidadãos. Para eles, a matemática deve servir apenas aos mais ricos e a seus juros maravilhosos. Num giro chinfrim, mandam às favas o tal controle do déficit público.

Gastam tudo para atender corporações, amigos e ganhar votos.

Com uma cortina de fumaça, arriscam confundir esquerda com autoritarismo. Projetam assim no adversário os seus desejos ocultos. Afinal o programa dos não eleitos só poderá ser implantado integralmente num regime de força que censure e elimine a voz dos mais fracos.

As exibições de truculência absurda nos estádios da Olimpíada, proibindo manifestações de "fora Temer" e rasgando os direitos constitucionais de livre manifestação e opinião, parecem ser uma terrível amostra de tempos sombrios pela frente. O Senado vai enfrentar o julgamento da história.

    Esse texto, Senador Paim, representa muito bem o momento que nós estamos vivendo, o que está em jogo e como isso tudo está sendo construído. Infelizmente, talvez este Senado não tenha grandeza para dar a resposta a este momento. Eu espero que tenha. Até aqui não teve. Até aqui continuou com um processo que é maculado pelo vício, maculado pela desonra de não ter um crime a cobrar da Presidenta da República. Mas mesmo assim vai julgá-la.

    E eu queria, Senador Paim, para complementar a minha fala, externar uma preocupação muito grande. Já externei a preocupação, na fala da Senadora Ana Amélia, do desmonte do programa dos atletas, que nós fizemos desde o início do governo do Presidente Lula e que deu condições para esses meninos e meninas disputarem as Olimpíadas e ser medalhistas. E mesmo os que não ganharam medalha ter boas colocações e se prepararem assim para outras Olimpíadas e outros eventos esportivos.

    Hoje eu fiquei muito preocupada com uma notícia que saiu na imprensa nacional, e nós já havíamos falado dessa situação aqui no plenário da Casa, em relação à extensão do Programa Mais Médicos.

    V. Exª sabe da importância desse programa, que tem mais de 12 mil médicos do exterior aqui no Brasil, atendendo a população, atendendo comunidades indígenas. Os distritos indígenas têm os médicos que nunca tiveram, assim como as comunidades mais pobres do interior, das periferias das grandes cidades. Mudou a relação dos pacientes com os médicos, com a assistência básica, depois da chegada desses médicos majoritariamente cubanos, que no início foram vítimas de preconceito, inclusive preconceito político-ideológico, e hoje a população os adora, tem como os melhores profissionais.

    Esses médicos podem estar com os dias contados no Brasil. Antes de ser afastada, a Presidenta Dilma publicou uma medida provisória prorrogando por mais três anos o Programa Mais Médicos. O vencimento dos contratos, dos convênios dos médicos aqui no Brasil não é um vencimento único. Conforme trazíamos os médicos, contava o prazo dos três primeiros anos.

    Daqui a 50 dias vai vencer o contrato de dois mil médicos cubanos.

    A Presidenta mandou a medida provisória, prorrogando por mais três anos esse convênio, antes de ser afastada, o que aconteceu em maio. Até agora, Senador Paim, a Câmara dos Deputados não votou a medida provisória. E sabe quando vence a medida provisória? Dia 29 de agosto, no dia em que a Presidenta estará nesta Casa, falando para os Senadores sobre o seu processo indevido. Dia 29.

    V. Exª, que conhece tão bem o trâmite regimental daqui, do Congresso Nacional, acha que é viável a Câmara votar uma medida provisória esta semana, vir para cá - e olhe que vamos iniciar o processo de julgamento definitivo da Presidente na quinta-feira, desse golpe - e votarmos?

    É óbvio que não. Isso foi corpo mole deste Governo interino, desse Ministro da Saúde que não tem decência, que, aliás, fala muita besteira. O problema maior dele não é falar besteira, mas a ação, ou a sua inação, porque ele podia, sim, como Ministro da Saúde, como membro do Governo - e o Governo podia, sim -, ter vindo para esta Casa articular a aprovação da medida provisória. Afinal, não tem a base mais leal que se poderia ter? Não foi essa base que retirou a Presidente Dilma e o colocou na Presidência da República? Pois é, este mesmo Governo, que foi tão esperto, tão eficiente, tão eficaz para articular o impeachment não articulou a aprovação da medida provisória que prorroga por mais três anos o Programa Mais Médicos.

    Isso significa que dois mil médicos serão desligados daqui a 50 dias, sete mil médicos serão desligados em janeiro e assim por diante, até chegarmos aos 12 mil médicos que estão à disposição do Brasil.

    É lamentável termos que fazer essa discussão, esse debate, trazer isso à tribuna hoje, Senador Paim. Um programa tão importante, tão vital para a saúde das pessoas, um programa tão bem elaborado, tão bem costurado pelo Ministério da Saúde, pela Presidenta Dilma, auxiliado pelas Forças Armadas, pelo Ministério das Relações Exteriores, pelo Ministério da Educação, que abriu cursos de Medicina em vários lugares, no interior deste país, como complemento ao programa. Isso tudo vai ser simplesmente deixado de lado, porque, para refazer esse convênio, Senador Paim, haverá muito trabalho. Não é de um dia para o outro. Deve-se negociar com os governos estrangeiros, negociar com Cuba, negociar com os médicos. Eles têm que vir para cá, têm que fazer uma iniciação da Língua Portuguesa, têm que se preparar por algum tempo na unidade básica de saúde.

    O que vamos dizer para essas pessoas que estavam acostumadas a ter um médico do Mais Médicos que mora inclusive no lugar aonde trabalha, mora na vila onde está o posto de saúde? Vamos dizer: acabou? Acabou porque o Governo interino, este Presidente interino de quinta, o que é verdade, é isso o que ele é, de quinta, golpista, não se preocupa com os programas que atendem a população; preocupa-se em se manter no poder, em vir para esta Casa articular para que o impeachment passe. Com isso ele se preocupa, por isso ele vem. Fica pressionando Senador, chamando Senador no Palácio. Preocupa-se em preservar a figura dele. Não vai à abertura das Olimpíadas para não levar vaia. Foi à abertura das Olimpíadas, mas não foi anunciado para não levar vaia. Quando falou levou vaia. Não foi agora ao encerramento das Olimpíadas, para não levar vaia. Deixou o Premier japonês, que vai realizar as Olimpíadas em 2020, sem a sua presença.

    É lamentável! Nós não podemos ter como Presidente da República uma pessoa que pensa desse jeito, que conspira, que articula desse jeito, que não teve eleição legítima, Senador Elmano! E não adianta dizer que ele foi eleito com a Presidenta Dilma. Foi eleito como Vice-Presidente, mas é ilegítimo enquanto operador de um programa que não passou pelas urnas deste País. Este País votou no Mais Médicos, porque votou na continuidade da Presidenta Dilma. Este País votou no Minha Casa Minha Vida, este País votou no Bolsa Atleta, este País votou em todos os programas que melhoraram a vida do povo brasileiro. Esse Presidente interino, este Vice conspirador está tirando esses programas! Com que direito? Com que legitimidade? Não pode fazer isso! Agora vir para esta Casa operar para afastar a Presidente Dilma ele vem.

    Isto aqui é apenas o início do que vai acontecer no Brasil. O resto, aliás, nós já sabemos. A PEC do limite dos gastos já está aqui. Educação e saúde vão ter realmente redução de gastos. Talvez, seja por isso que não quiseram renovar o Mais Médicos, porque o Mais Médicos custa, mas não custa tanto quanto os juros, Senador Elmano. Não! Os juros custam muito mais. A taxa de juros que nós temos hoje, o que nós pagamos para o banco, para o sistema financeiro, é infinitamente maior. São R$500 bilhões! Um programa desses não custa 10%, nem isso, nem isso. Mas vão tirar esse programa. Por quê? Porque têm de economizar para pagar juros, porque têm de economizar para reduzir dívida. Não sou contra pagar a dívida, não sou contra pagar juros. Mas lhe pergunto, Senador Paim: se V. Exª precisa socorrer um filho seu que está no hospital e que precisa daquele hospital, que, portanto, precisa ser pago, se V. Exª precisa de dinheiro, V. Exª vai deixar de aportar esse dinheiro para pagar sua dívida no banco ou vai lá fazer uma negociação? É óbvio que V. Exª vai fazer uma negociação! O valor da vida é maior do que o valor do capital, do que o valor do financeiro. Mas não é isso que nós estamos vendo.

    Então, infelizmente, nós vamos entrar em tempos muito difíceis neste País. Se este Senado da República não se der o valor que tem e não valorizar a Constituição Federal, se não cumprir o seu papel de acabar com essa farsa do impeachment, nós viveremos tempos muito sombrios neste País, a começar rasgando a Constituição, relativizando os direitos trabalhistas e acabando com programas sociais tão importantes como esse.

    Quero deixar aqui, Senador Paim, meu repúdio, repúdio ao Ministério da Saúde, ao Ministro Ricardo Barros, mas meu repúdio principalmente ao Presidente interino Michel Temer, que não tem condições de governar este País. Um Presidente que está mais preocupado em defender ficar no poder do que cuidar de programas que são importantes não merece governar o povo brasileiro. Aliás, alguém que traiu sua companheira de chapa trairá o povo brasileiro, com toda a certeza.

    Obrigada, Senador Paim.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) - Muito bem, Senadora Gleisi Hoffmann, pelo seu pronunciamento, que vem, inclusive, com um artigo que não foi V. Exª que escreveu, para não dizer que somos sempre nós que usamos os mesmos argumentos. O que diz o artigo é aquilo que a senhora vem falando há muito tempo: o que está por trás desse golpe? Crime de responsabilidade todos eles dizem e reconhecem que não existe. Eles o reconhecem. Eles reconhecem: "Ah, é o conjunto da obra". Parabéns a V. Exª!

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/08/2016 - Página 25