Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Geraldo Luiz Mascarenhas Prado sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Geraldo Luiz Mascarenhas Prado sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2016 - Página 64
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, TESTEMUNHA, GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO, ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, Prof. Geraldo Prado, quero lhe fazer uma saudação especial. Eu reli todo o depoimento que V. Sª fez na Comissão Especial do Impeachment. Eu quero parabenizá-lo pela erudição, o senhor cita vários autores, e eu quero começar pelo primeiro, o autor italiano Michele Taruffo, que o senhor cita e que diz o seguinte:

    No âmbito de uma função social mais geral, tomando o rito como um marco de referência, as provas não servem para nada. Constituem ritos análogos àquelas representações sacras lá do século XVI, destinadas a reforçar a opinião pública um convencimento de que o sistema processual não permitiria ver reconhecido.

    Aí continua V. Sª:

    Em outras palavras, o que ele está dizendo [...]? Não se pode usar processo como pretexto. Não é porque há um processo que ele é um processo. Isso ele não está dizendo associando a este processo em curso, porque ele escreveu há dez anos. Ele está associando a todo e qualquer tipo de processo para o qual as provas são absolutamente irrelevantes.

    É a situação que nós estamos vivendo: os Senadores aqui sabem que não há crime de responsabilidade, estão votando pelo impeachment, mas sabem que não há crime de responsabilidade na edição dos decretos ou mesmo no Plano Safra. Eu queria que o senhor desenvolvesse mais esse tema.

    E o senhor cita outro autor, Juan Linz, que é autor do clássico Autoritarismo e Democracia. Disse V. Sª que:

    [Juan Linz] chama de lealdade à Constituição, referindo-se à oposição. Ele diz que o que garante a estabilidade dos governos é a lealdade que a oposição tem à Constituição. Se [...] [a oposição] não tem lealdade à Constituição, ela não garante processos justos e ela não garante a soberania popular.

    (Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - E o senhor vai mais além. Juan Linz diz: "Oposições que não respeitam o princípio da lealdade colocam em risco a institucionalidade democrática".

    É o caso que nós vivemos no País. Aqui, antes de acabar o segundo turno, Fernando Henrique disse que os nordestinos não tinham qualificação e votavam pelo Bolsa Família. Cinco dias depois do resultado eleitoral - a Presidente ganhou a eleição com 54 milhões de votos -, o PSDB pediu auditoria nas urnas eletrônicas. A auditoria foi feita e mostrou que as urnas estavam certas. Pediram que o Aécio - olhem que coisa ridícula - fosse diplomado no lugar da Presidenta Dilma. Depois, pararam o País, fizeram aliança com Eduardo Cunha, começou-se essa campanha pelo impeachment e começou-se essa crise política de um ano e meio.

    Eu queria que o senhor desenvolvesse mais a tese de Juan Linz, autor do clássico...

    (Interrupção do som.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ. Fora do microfone.) - ... Autoritarismo e Democracia.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Pois não.

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - Obrigado, Presidente; obrigado, Senador.

    Eu diria o seguinte, começando pelo final. Sem que Juan Linz... Juan Linz foi um azarado, porque nasceu na Alemanha e teve que fugir para a Espanha e da Espanha fugiu para os Estados Unidos, onde ele desenvolveu toda a sua carreira acadêmica em torno do tema do autoritarismo, por razões óbvias. Mas, sem que ele tenha conhecido Carlos Lacerda, Senador, é de Carlos Lacerda uma afirmação que confirma a tese de Juan Linz. Quando Getúlio Vargas se candidata à Presidência da República em 1949, para desagrado das forças conservadoras daquela época, o jornalista Carlos Lacerda diz que a candidatura de Getúlio Vargas não poderia ser registrada, não poderia ser aceita; se fosse aceita, ele não poderia ser eleito; se fosse eleito, ele não poderia tomar posse; se tomasse posse, ele não poderia governar. Essa expressão de Carlos Lacerda diz tudo, com a diferença entre as oposições autoritárias e democráticas. Uma oposição autoritária se preocupa muito com aquele prazo que eu falei lá dos quatro anos do aluguel; ela se preocupa muito em não deixar aquele prazo se consumar. Ela quer o poder pelo poder e não pela importância que o exercício do poder - e até a mudança de governantes da oposição para a situação - tem para uma democracia. Ela simplesmente quer o poder. E isso, numa democracia, é inaceitável. Uma oposição democrática se orienta... E esta é a lição de Juan Linz, e Juan Linz fez inúmeros seguidores. Alguns deles importantes interlocutores, por exemplo, do Presidente Fernando Henrique, que é o caso do Guillermo O'Donnell. A lição do Juan Linz é: na democracia, mais do que a situação, a oposição tem que ter lealdade; a oposição tem que ter lealdade. Essa lealdade não é uma lealdade à pessoa do governante, não é gostar do governante; é a lealdade às regras do jogo. É a lealdade às regras do jogo, porque...

    (Soa a campainha.)

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - ... isso assegura a estabilidade da democracia. Se não há essa lealmente às regras do jogo, não há estabilidade. O oposto da estabilidade é a instabilidade; o oposto da estabilidade é a ruptura; o oposto da estabilidade é uma legitimação pela força, eventualmente pela força de uma maioria no Congresso ou até de uma opinião pública mobilizada, sabe-se lá como, para questionar os atos dos governantes. Então, Juan Linz - concluindo essa passagem - é muito firme e comprova, por experiências históricas, que democracias sólidas têm uma oposição leal às regras do jogo.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Antes de dar a palavra ao Senador Lindbergh, eu reparei que há um certo desconforto, Prof. Geraldo, com - eu diria - um aspecto um tanto quanto teórico das explanações de V. Exª. Na verdade, quando se ouve uma testemunha, é preciso objetivar um pouco mais e, sobretudo, ater-se àquilo que se contém nos autos. A V. Exª, que é e foi um eminente magistrado e que hoje é um ilustre professor, então, peço, tanto quanto ao Senador Lindbergh e aos demais - não é uma crítica pessoal -, que nós mergulhemos um pouco mais verticalmente naquilo que se contém nos autos.

    Senador Lindbergh, para a réplica.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu farei isso, Sr. Presidente. Vou entrar na questão dos decretos.

    Muita gente não sabe, mas 70% dos decretos foram pedidos do Ministério da Educação, principalmente de universidades; 10%, da Justiça do Trabalho; 7% da Defesa; 7% da Justiça. Eu vou começar lendo um trecho do seu depoimento na Comissão Especial do Impeachment. Diz o senhor:

    Então, aqui eu tenho que, no dia 4 de agosto de 2015 [...] reúne-se o Conselho Nacional de Justiça, que, por unanimidade, sob a Presidência do Ministro Ricardo Lewandowski, com a participação da Ministra Nancy Andrighi, decide aprovar o parecer e requerer a suplementação das cotas, a suplementação das verbas [num decreto de crédito suplementar].

    Diz o senhor:

    Então, temos que decidir o seguinte: se fôssemos seguir tudo aquilo que está sendo falado aqui, sobre dolo, culpa, nesse nível mais básico, mais elementar [...], se fôssemos adotar isso, teríamos, enlouquecedoramente, que responsabilizar o Ministro Lewandowski, porque também ministros do Supremo Tribunal Federal estão sujeitos à Lei de Responsabilidade.

    Aí continua:

    Senhores, isso é um delírio! Isso é um delírio! O Ministro Lewandowski agiu corretamente. A Ministra Nancy Andrighi agiu corretamente. A Presidente da República agiu corretamente. [...]

    O que o Ministro Lewandowski fez aqui ele tinha que fazer. Ele tinha respaldo em pareceres técnicos. E esses respaldos são absolutamente corretos, porque esse dinheiro que foi autorizado era para uso da Justiça Militar estava contingenciado.

    E continua o senhor:

    Há uma questão [...] aqui que não tem sido tratada. [...] O Executivo não pode contingenciar verbas do Judiciário. Esses recursos todos foram produzidos com excesso de arrecadação de 2014.

    (Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Aí diz:

    A Presidente da República também não responde de imediato. Ela submete essa questão a vários órgãos técnicos, mas ela não pode contingenciar verba de outro Poder.

    E o senhor acaba dizendo o seguinte:

    Vou explicar para os meus netos: a Presidente da República foi destituída porque acolheu um parecer de mérito do Conselho Nacional de Justiça para reequipar a Justiça Militar. "Não, mas ela deve ter roubado alguém!" Não. Nenhum dos [...] decretos trata disso.

    Eu encerro dizendo o seguinte: esses decretos passaram por mais de 20 órgãos técnicos e de assessoria, pela consultoria jurídica do Ministério do Planejamento. Vários desses diziam o seguinte: "Os decretos são compatíveis com a meta". A Casa Civil também: "Os decretos são compatíveis com a meta".

    Eu pergunto: onde está o dolo? Como pode haver crime sem dolo por parte da Presidenta da República?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Prof. Geraldo Prado, com a palavra.

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - Essa resposta eu vou dar também de maneira bastante sintética e simples.

    Eu me lembro bem desse processo específico do decreto a que V. Exª faz referência. As verbas ali eram de concurso público que a magistratura ia aplicar internamente, devia aplicar internamente.

    Os decretos resultam de um processo complexo, e do processo complexo participam várias pessoas, vários órgãos de assessoramento. Um Presidente da República, o Presidente do Conselho Nacional de Justiça, o Presidente do Tribunal Regional do Trabalho.... Havia um decreto que era para a reforma de um prédio do TRT em Minas Gerais, em Pedro Leopoldo - eu me lembro bastante bem desse. Como o Presidente do Supremo Tribunal Federal ou a Presidente da República vão avaliar uma violação de meta em cima de um decreto com 20 pareceres técnicos anteriores, dizendo que se está na meta, que essa é verba do Poder Judiciário para aplicar na reforma do prédio do Tribunal Regional do Trabalho em Pedro Leopoldo, Minas Gerais? Como dizer que não? Não havia elementos. Portanto, não há conduta... Eu disse que, além de não haver dolo... Só há dolo um comportamento, a ação de alguém. Eu saio daqui e me dirijo àquela porta. Aí vocês vão perguntar: "Há ou não dolo nessa ação do Prof. Geraldo?" Se não há ação alguma, não há onde entrar o dolo. Não houve ação da Presidente da República, como não houve ação - lá no Tribunal de Contas da União vale a mesma coisa; no Ministério da Educação, a mesma coisa - de todas as autoridades que fizeram as avaliações.

    Essa questão dos decretos aqui me parece que se encaixa com a primeira parte da sua primeira pergunta, que é da função ritual do processo. É preciso ter uma acusação de impeachment para uma decisão do impeachment. Só que do ponto de vista da Constituição, é preciso...

    (Soa a campainha.)

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - ... ter um crime de impeachment para fundamentar uma acusação de impeachment e a decisão de impeachment.

    Presidente, é só isso mesmo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2016 - Página 64