Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Geraldo Luiz Mascarenhas Prado sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Geraldo Luiz Mascarenhas Prado sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 27/08/2016 - Página 82
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, TESTEMUNHA, GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO, ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Sr. Presidente.

    Faço uma saudação ao Prof. Geraldo Prado, é um prazer tê-lo novamente nesta Casa.

    Professor, V. Sª fez uma afirmação aqui que é essencial para a democracia: que nós tenhamos respeito às regras do jogo, que a oposição tenha respeito às regras do jogo. Quero lhe dizer que o que nós menos temos hoje aqui é respeito às regras do jogo, por isso temos insistido muito que esse processo é um golpe e que o processo é uma farsa.

    Aqui não estamos colocando em questionamento a posição do Ministro Lewandowski, que preside. É, na realidade, um processo político montado para que nós cheguemos a essa farsa porque nós não temos crime de responsabilidade. O Senado da República está discutindo e julgando uma Presidenta da República sem ter um crime objetivo, e aí eu queria lhe fazer uma pergunta, que vem bem ao que eu estou aqui expondo.

    Nós tivemos uma decisão do Ministério Público Federal pelo arquivamento de um procedimento penal dizendo que as pedaladas não configuram crime de responsabilidade porque não são operação de crédito, não são semelhantes à operação de crédito. Portanto, não há crime de responsabilidade.

    Eu quero perguntar a V. Sª: o que não é considerado crime pelo Ministério Público Federal pode ser considerado pelo Senado? A independência das instâncias autoriza que se modifique a definição de crime para efeito legal? É possível que um crime inexistente possa embasar um pedido de impeachment, ainda que o Ministério Público, por ser de primeira instância, não se referisse à Presidência da República porque não poderia fazê-lo? Ele teve uma decisão importante dizendo que não era operação de crédito.

    Portanto, me parece que não dá para mudar a opinião em relação à natureza do fato. Por isso, é muito importante a sua resposta, até pela sua especialização.

    (Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - A outra questão que quero perguntar é que o Tribunal de Contas da União afirmou que havia operação de crédito e fez isso com base na opinião de um auditor que mentiu para nós ontem aqui. Esse auditor disse que ajudou a redigir a peça do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, que serviu para embasar o seu parecer, e esse parecer serviu para ter o acórdão do Tribunal de Contas da União que pediu a rejeição das contas da Presidenta, e desencadeou todo esse processo de Impeachment.

    Processualmente, na sua opinião, isso compromete o julgamento da representação?

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - A testemunha, com a palavra.

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - Muito obrigado, Senadora. Também minha admiração por V. Exª.

    Eu vou me dedicar a responder mais a primeira pergunta do que a segunda, porque eu não assisti. Eu só posso responder a segunda hipoteticamente. Eu já dei a minha opinião sobre a nulidade: em se tendo realizado esse comportamento assim, estaria caracterizada.

    Há um sistema de garantias. A independência de instâncias não significa que cada juiz, independente do outro, possa ser caprichoso. Não! Existe um sistema de garantias. Se o crime de responsabilidade é um crime político, se o crime de responsabilidade é uma infração político-administrativa, ele, primeiro, antes de ser responsabilidade, tem que ser crime. Se ele não é crime, não há... Crime é o substantivo; responsabilidade, o adjetivo. O adjetivo não cola no vazio. O adjetivo não cola no vazio. Daí que não há uma independência de instância. Ela funcionaria, ela só pode funcionar em sentido contrário. Se o Ministério Público entendesse que havia ali algum comportamento criminoso e resolvesse denunciar quem quer que seja pela prática desse comportamento criminoso, isso não vincularia o Senado da República, exatamente porque o crime de responsabilidade tem um grau de exigência muito maior do que qualquer outra infração penal, e efetivamente não foi o que ocorreu. Ocorreu exatamente o contrário. Não há o substantivo. Não há crime. Se não há crime, eu não vou sequer discutir a questão da responsabilidade política.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Senadora Gleisi, para a repergunta.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Ou seja, nós estamos fazendo aqui um processo iter criminis. É um rito à procura de conteúdo. É isso o que nós estamos fazendo aqui, Professor. Por isso, sinto muito que os acusadores da Presidenta Dilma, que vão julgá-la, não estejam não estejam aqui para ouvir as respostas. Poderiam até nem perguntar, porque não querem perguntar. Há uma ânsia de fazer tudo tão rápido, tão rápido que nem perguntar querem. Mas poderiam estar aqui ouvindo. Temos alguns acusadores juízes, mas a maioria dos acusadores juízes não está aqui para saber que nós não temos crime. Se nós não temos crime, não tem como ter crime de responsabilidade.

    Eu lamento muito a situação que estamos vivendo hoje no Senado da República: essa farsa que é esse processo de impeachment, a necessidade de imputar à Presidenta da República um crime para retirá-la do processo. O que foi feito no Tribunal de Contas da União foi um conluio, uma vergonha! Quem assistiu ontem ao depoimento aqui do Sr. D’Ávila, do Sr. Júlio Marcelo viu. Eles criaram um crime para processar a Presidenta. A tese das pedaladas fiscais foi gestada por um auditor do Tribunal de Contas, em parceria com um Procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, e fizeram com que o Tribunal de Contas aprovasse um parecer, um acórdão dizendo que as contas de 2014 não podiam ser aprovadas e, com isso, tiveram base para 2015 tentar acusar a Presidenta Dilma. É vergonhoso o que estamos vivendo aqui.

    E, quando a gente diz isso, as pessoas ficam sentidas, ficam ofendidas, não querem, sequer, que nós tenhamos o direito à indignação. E, quando nós temos uma injustiça, talvez a única coisa que nos reste seja exatamente o direito à indignação. Porque é indignados que nós temos que ficar com isso, porque isso é um atentado à democracia, à Constituição. Eu me pergunto aqui: depois de tirarem a Presidenta por um processo farsante como esse, quem mais vão tirar? Onde nós vamos recorrer? Será que nós vamos poder recorrer ao Supremo Tribunal Federal,...

    (Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - ...com base no conteúdo do que foi julgado aqui, porque é ilegal, porque o Ministério Público diz que não é crime? A quem vamos recorrer quando a nossa Constituição é vilipendiada?

    Eu sinto muito o que está acontecendo aqui. Eu sinto muito que os Senadores não tenham a noção da responsabilidade deste momento histórico e que a gente esteja deixando registrado na história deste País um golpe à nossa Constituição, um golpe à nossa democracia.

    E eu queria, para encerrar, Prof. Geraldo Prado, que o senhor falasse um pouquinho sobre um texto que o senhor construiu - O Processo de Impeachment no Estado de Direito: encontros e desencontros entre o jurídico e o político - dizendo que os golpes hoje não são os golpes clássicos que se fazem pela via militar, mas esses golpes aqui, sinuosos, que não se mostram muito, mas que ferem extremamente o direito e a Constituição.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - A testemunha com a palavra.

    O SR. GERALDO LUIZ MASCARENHAS PRADO - Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Muito rapidamente, isso já foi também objeto da indagação do Senador Lindbergh. Professores dos Estados Unidos, desde a redemocratização na América Latina, colocaram os olhos sobre a América Latina. Portanto, não somos nós e não sou eu apenas, Senadora, mas são pessoas de fora, pessoas desinteressadas - um dos professores é de Pittsburgh. E começaram a olhar o que estava acontecendo na América Latina, que, durante mais de cem anos, nas suas repúblicas, nunca teve um impeachment e, de 1985 para cá, vivenciou 24 processos de impeachment. E começaram a ver que havia processos de impeachment com uma característica e com outra. Uma das situações que, infelizmente, eles constataram é o uso do processo de impeachment de presidentes na América Latina como substituto do voto de desconfiança do parlamentarismo. E são esses professores de fora, norte-americanos, que cunharam a expressão "golpe brando" ou "golpe parlamentar". Eles disseram que não há base para se remover os presidentes. Eles chamam de presidências interrompidas, democracias frágeis: não há base constitucional nas constituições desses países para interromper a democracia, mas se usa o Parlamento de forma indevida para isso. Dois exemplos clássicos: Honduras e Paraguai, que já fazem parte da literatura da ciência política.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/08/2016 - Página 82