Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2016 - Página 105
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, INFORMANTE, RICARDO LODI RIBEIRO, ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Muito obrigado, Presidente Lewandowski.

    Quero cumprimentar V. Exª pela condução sempre muito equilibrada neste processo todo - isso nós temos que reconhecer aqui -, e quero cumprimentar o Prof. Ricardo Lodi, que está aqui na condição de especialista. Ele é professor de Direito Financeiro e talvez seja a pessoa que mais conheça em detalhes tudo isso que estamos discutindo, é o diretor da faculdade de Direito da UERJ, do Rio de Janeiro, inclusive.

    Estamos aqui quase encerrando a última fase dessa produção probatória antes do interrogatório da Presidenta Dilma.

    Nós tivemos aqui duas testemunhas de acusação: a primeira, o Dr. Júlio Marcelo, que, na verdade, não foi ouvido como testemunha, por ter participado de um ato chamado Pra Frente Tribunal de Contas da União, foi escutado como informante; depois nós tivemos o auditor Antonio Carlos D'Ávila, que confessou aqui uma fraude, porque ele diz atuou na representação, foi autor da representação, e, depois da representação, ele mesmo decidiu o encaminhamento, quando, na verdade, era para ter ido para uma outra secretaria. Inclusive feriu o Código de Ética do TCU, e nós, inclusive, vamos tomar as medidas cabíveis nesse caso.

    Depois escutamos o Prof. Belluzzo, o Prof. Geraldo Prado, o Dr. Luiz Cláudio, Ministro Nelson Barbosa e agora V. Sª, Dr. Ricardo Lodi. A minha sensação aqui é de que quem assistiu de fato tudo isso sabe que não há crime de responsabilidade algum, sabe que não foi cometido nenhum crime pela Presidenta da República, mas a minha preocupação é de que a gente tenha aqui um mero processo formal, em que, mesmo sem provas, a gente esteja caminhando para um processo para afastar uma Presidenta da República e condená-la.

    Ontem, citei aqui um autor Michele Taruffo, que foi, na verdade, citado pelo Prof. Geraldo Prado...

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - ...em que ele tinha a preocupação de que o processo fosse usado como mero pretexto.

    Diz ele o seguinte: "nesse tipo de processo, as provas são absolutamente irrelevantes. " Penso ser essa a situação que vivemos aqui.

    Vamos às perguntas diretas, Dr. Ricardo Lodi: queria que o senhor fosse muito didático, explicasse às pessoas aqui no Senado e fora, primeiro, em relação à autoria da Presidenta da República. Está aqui o documento do Banco do Brasil dizendo que não tem autoria da Presidente da República, está aqui documento do Ministério da Fazenda dizendo que não tem autoria da Presidente da República. Existe crime sem autoria? Que falasse sobre o Plano Safra, que foi criado por uma lei de 1992, que é gerido pelo Ministério da Fazenda.

    Queria que V. Sª falasse também sobre a decisão do Ministério Público Federal, porque independentemente de ser uma ação criminal ou aqui, no caso, crime de responsabilidade, ele diz que não era operação...

(Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Agora vou chamá-lo de professor, porque fiquei sabendo que V. Sª é diretor da Faculdade de Direito da UERJ.

    Portanto, quero cumprimentá-lo nessa qualidade. Sou acadêmico também e respeito muito aqueles que se dedicam a esse sacerdócio que é o magistério.

    De qualquer maneira, Prof. Lodi, vejo que existem algumas questões que podem eventualmente resvalar para algum tema que V. Sª tenha eventualmente adentrado como perito.

    Então, peço que evite e responda as questões do ponto de vista jurídico em tese.

    Por gentileza.

    O SR. RICARDO LODI - Muito obrigado, Sr. Presidente. Fico honrado com a saudação.

    Os três pontos que o Senador Lindbergh indaga, a questão da autoria das pedaladas. Foi constado que não há participação, nenhum documento assinado pela Presidenta, mas se diz, por outro lado que, com base no art. 85 da Constituição, ela teria o dever geral de administração, de supervisão de toda administração pública federal. E aí junto, se o Senador me permitir, a primeira e a segunda pergunta.

    A legislação do Plano Safra vem desde o ano de 92, prevendo competências que são outorgadas legalmente a diversas autoridades: ao Conselho Monetário Nacional, ao Ministério da Fazenda. No que tange aos pagamentos, essa competência pertence ao Ministro da Fazenda. Quer dizer, então, que independentemente de estarmos convencidos de que o inadimplemento de uma obrigação ex lege não se traduz em operação de crédito, é preciso deixar claro que o regramento normativo não prevê competências da Presidente da República.

    Portanto, não há que se falar em omissão, não há que se falar em delegação, há sim uma competência originariamente conferida pelo legislador ao Ministro da Fazenda. Nesse caso, o poder geral de administração não tem o condão de gerar autoria para essas condutas.

    Em relação ao parecer do Ministério Público Federal, é importante voltar a esse ponto porque esse parecer é mais uma manifestação no sentido de que inadimplemento de obrigação ex lege não se traduz em operação de crédito. A rigor, essa analogia que se faz...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO LODI - ... ela só foi feita no âmbito do Tribunal de Contas da União e do consequente processo de impeachment. Não há fora desse universo qualquer manifestação doutrinária, jurisprudencial que faça essa analogia. Não conheço nenhuma dissertação de mestrado, nenhuma tese de doutorado, nenhuma contribuição doutrinária, nenhuma manifestação jurisprudencial anterior aos fatos que possa fazer essa analogia entre inadimplemento de obrigação ex lege e operação de crédito.

    Portanto, não só não há materialidade como não há autoria, portanto, não há crime.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Agradeço, Prof. Lodi.

    Senador Lindbergh, para repergunta.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Prof. Ricardo Lodi, passamos este período todo aqui, neste julgamento dizendo que o decreto de crédito suplementar não aumentava um centavo. Essa foi a luta. Você dizia: olha, não aumenta um centavo, porque há um decreto de contingenciamento, serve para remanejar verbas internas, mas o fundamental é o decreto de contingenciamento. E diziam que não, não, não, não. Esse era o centro da polêmica. Aí, o que acontece? Michel Temer manda uma mensagem do dia 13 de junho de 2016 para o Congresso Nacional. A mensagem era fazendo o quê? Abrindo crédito suplementar em cima de superávit financeiro e excesso de arrecadação, ou seja, a mesma coisa desse decreto. E o que eles dizem? Olha a argumentação: que os decretos não afetam a obtenção da meta de resultado primário, tendo em vista que as despesas serão executadas de acordo com os limites constantes no Anexo do Decreto 8.670, que é o decreto de contingenciamento. O Temer confessa aqui, eles mandaram da mesma forma, dão razão a toda a nossa argumentação, e foi aprovado pelo Congresso Nacional.

    Eu queria que o senhor falasse sobre isso, porque sei que é uma posição que o senhor tem externado, mas olha a contradição, essa foi a grande polêmica que tivemos aqui. Dizíamos que o decreto de crédito suplementar não significava aumento de gasto porque tinha decreto de contingenciamento. Aí, eles colocam dessa forma, está aqui.

    Não sei se o senhor sabe, mas tem também uma decisão do Tesouro Nacional, de 30 de maio de 2016 - Temer já era Presidente -, dizendo que aquela operação do Plano Safra não era operação de crédito. Documento do Governo Temer! É um escândalo isso aqui.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Fora do microfone.) - Sr. Presidente, Michel Temer não é réu nesse processo.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Presidente, eu quero que preserve o meu tempo.

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu quero que preserve o meu tempo.

    Estou escutando aqui com educação. Que descontasse o meu tempo.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - O Presidente não pode virar as costas um minuto para resolver um problema operacional que o Plenário já desanda.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Presidente, eu queria que voltasse o meu um minuto a mais.

    O SR. JOSÉ MEDEIROS (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PSD - MT. Fora do microfone.) - Ele aproveitou que o senhor virou as costas e desandou.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Não, não desandei.

    Presidente, eu só preciso que acompanhe o meu tempo.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Quanto tempo V. Exª perdeu?

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu acho que um minuto e vinte.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Não. Eu vou cortar pela metade. Metade fica constituída a V. Exª.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Não, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª tem um poder de síntese tão grande que está de bom tamanho.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Sr. Presidente, na verdade o Senador Medeiros no caso atrapalhou a minha fala muito.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Sessenta segundos para o nobre Senador.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Eu não fiz nada demais. O que eu disse aqui foi: documentos do Temer. Ele está usando.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - O tempo está correndo, Senador.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Exatamente, que o decreto de contingenciamento limita os gastos.

    Tem mais, a questão do dolo. Isso é preciso ser explorado.

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Esses decretos foram assinados pela Presidente depois de passarem por mais de 20 órgãos técnicos e de assessorias. Está escrito nos documentos. Consultoria jurídica do Ministério do Planejamento. Esses decretos são compatíveis com a meta. Consultoria jurídica da Casa Civil.

    Cadê o dolo, Professor? É a possibilidade de ter crime na edição desse decreto depois de passar por tantos órgãos. Tem jurisprudência dos tribunais superiores no sentido de que prefeitos e governadores de Estado, depois de assinar alguma coisa que passou pela procuradoria não podem ser responsabilizados.

    Eu queria que o senhor falasse sobre isso também.

    Por fim, está aqui. Agora no Governo Temer, V. Exª que é um especialista de Direito Financeiro, fizeram um decreto de contingenciamento só da União, excluindo Estados e Municípios. Nós vamos entrar com representação no TCU, e temos base para fazer um pedido de impeachment desse Presidente interino Michel Temer.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Prof. Lodi com a palavra.

    O SR. RICARDO LODI - Obrigado, Presidente.

    Senador Lindbergh, respondendo essa questão da preocupação entre os decretos de crédito suplementar e o limite da meta contra decretos de contingenciamento. Eu tenho a impressão de que a única vez, antes e depois dessa história, que nós vamos considerar a compatibilidade esquecendo os decretos de contingenciamento foi aqui nesse processo. Nem antes e nem depois será possível se considerar que o controle não se faz pelos decretos de contingenciamento. Porque obtenção de meta está diretamente relacionada com a despesa, com a execução da despesa e não com a previsão da despesa.

    Ficou demonstrado nos autos do processo que não houve aumento de gasto em relação ao que foi previsto no Orçamento, mesmo antes do PLN nº 5.

    Então, na verdade, é natural que V. Exª encontre atos posteriores em que o Presidente da República em exercício faça em desacordo com o que o Senado Federal está até o momento decidindo em relação à Presidente Dilma. Isso será feito em relação a futuros governos da União dos Estados e dos Municípios.

    Porque o Direito Orçamentário no Brasil sempre foi interpretado dessa forma. Houve uma interpretação especial no que tange a esse processo de impeachment.

    E é por isso que - e aí entro na parte final da pergunta -, quando a Presidente da República confia no parecer das suas assessorias jurídicas, ela o faz com base em pareceres que refletiam o entendimento dominante naquele momento. Quer dizer, não só ela estava escorada nesses pareceres jurídicos, como esses pareceres jurídicos refletiam a jurisprudência vigente naquele momento.

    Então, evidentemente, no lastro da jurisprudência dos tribunais superiores, é evidente a inexistência de dolo do gestor público, porque não havia como se extrair dali a consciência da ilicitude da conduta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2016 - Página 105