Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Inquirição do Sr. Ricardo Lodi sobre o cometimento de crime de responsabilidade pela Presidente Dilma Rousseff.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2016 - Página 107
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, INFORMANTE, RICARDO LODI RIBEIRO, ASSUNTO, CRIME DE RESPONSABILIDADE, AUTORIA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Sr. Presidente.

    Queria aqui cumprimentar o Professor Lodi, pedir desculpas a V. Sª pela forma como foi tratado por alguns Senadores aqui. Acho desrespeitosa, mas infelizmente a gente presencia alguns fatos aqui que lamenta.

    E queria aproveitar, Sr. Presidente, para fazer um desabafo, antes de fazer uma pergunta ao professor Lodi.

    Estou me sentindo, nessas sessões, muito incomodada, muito desconfortável, porque, sequer nos é dado o direito de exercermos a indignação. Todas as vezes que um de nós aqui faz uma afirmação mais contundente, pede pela ordem, coloca um tema que nos incomoda, logo surgem os apupos, as reprimendas, as pessoas querendo que tenhamos mais equilíbrio, cortesia, que sejamos ponderados.

    Não estamos numa sessão normal do Senado da República, não estamos discutindo um projeto de lei em que divergências podem ser superadas. Nós estamos num processo para tirar uma Presidenta que foi eleita por 54 milhões de pessoas, num processo que está ferindo a nossa democracia, mas, mais do que isso, um processo que muda a ideia de país. Temos que ter o direito de estarmos indignados.

    Por muito menos, o Senador Cássio, agora, por uma fala da Senadora Vanessa, veio aqui demonstrar sua indignação. E, quando nós colocamos temas que remetem a esse processo da forma como o entendemos, um processo farsesco, um processo que não tem base constitucional, um processo que vai ser um golpe na nossa democracia, temos logo a reprimenda do Plenário. Não é possível. Esse é um processo muito doloroso.

    Não sei se vamos sair daqui com as mesmas formas de relacionamento, de convivência - não sei mesmo -, porque ele é diferente do que vivemos até agora. E estou profundamente indignada com o que está acontecendo. Então, não podem exigir que participemos desse processo de forma mansa, Sr. Presidente...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - ... porque não vamos encarar isso de forma mansa.

    Queria aproveitar, Professor Lodi, para só esclarecer um pouco melhor a situação do processo do ex-presidente Fernando Collor, que foi colocado aqui.

    O Collor foi absolvido, em 24 de abril de 2014, na Ação Penal nº 465. Foram 22 anos para tramitar a sua ação. Ele obteve a prescrição nos crimes de falsidade ideológica e corrupção passiva. Somente no crime de peculato ele foi absolvido por falta de provas.

    Mas, no Congresso, aqui pelo processo de impeachment, ele foi condenado por crime de corrupção passiva e não pelos outros que foram prescritos, ainda porque o Supremo não chegou a apreciar o mérito do crime pelo qual ele foi condenado aqui.

    Portanto, há uma diferença enorme entre Collor e Dilma. E eu queria que o senhor explorasse mais isso.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Professor Lodi com a palavra.

    O SR. RICARDO LODI - Obrigado.

    Na verdade, como a Senadora bem lembrou, o que ocorreu no julgamento do Presidente Collor pelo Supremo Tribunal Federal não foi um reconhecimento de que aquelas condutas que lhe foram imputadas não se traduziu nos ilícitos penais. O que houve, em relação ao que o Congresso Nacional julgou, foi a prescrição. Portanto, o Supremo Tribunal Federal não se debruçou sobre a conduta, não se debruçou sobre a atipicidade; simplesmente reconheceu a prescrição, enquanto o Congresso Nacional entendeu que houve o crime de corrupção passiva.

    No caso atual, entre esse paralelismo da esfera judicial com a esfera congressual, o que há é uma identidade dos elementos normativos do tipo. Quer dizer, nós temos aqui a necessidade de identificar se uma conduta é ou não operação de crédito. E o Ministério Público arquivou o inquérito que daria margem a uma ação penal para punir a conduta, entendendo que inadimplemento de obrigação ex lege não configura operação de crédito. E é exatamente isto o que está sendo discutido aqui neste processo de impeachment: se inadimplemento de obrigação ex lege se traduz em operação de crédito ou não.

    Nunca se considerou, em qualquer cenário, essa analogia. Nunca se considerou, porque está fora dos sentidos possíveis oferecidos pela literalidade do inciso III do art. 29. O inciso III do art. 29 da Lei de Responsabilidade Fiscal, embora preveja vários tipos...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO LODI - ... de operação de crédito e, no final, coloque uma expressão que parece abrir uma interpretação extensiva - "e assemelhadas" -, só prevê situações que têm origem na vontade - vontade de credor e devedor - e transferência de recurso do patrimônio do credor para o devedor, que se compromete a restituir em determinado prazo. Todas aquelas condutas previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal não há como se extrair dali, senão pela analogia. Ainda que se aplique um princípio da responsabilidade fiscal de uma forma que atenda o seu peculiar jeito de interpretar a norma, não é possível extrair dali senão pela analogia, e não existe imputação criminal por analogia.

    Portanto, a comparação com o processo de Collor não me parece ser pertinente neste caso.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª continua, Senadora Gleisi Hoffmann.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada (Fora do microfone.). Agradeço, Professor.

    O que fica constatado é que não há crime para julgar a Presidenta Dilma pelas pedaladas fiscais.

    Eu queria fazer um relato aqui para V. Sª sobre a situação do Tribunal de Contas da União. Nós sabemos que o parecer do Tribunal de Contas da União sobre as contas da Presidenta Dilma em relação a 2014 foi indispensável para a denúncia recebida contra a Presidenta Dilma neste processo de impeachment, porque utilizaram aquele parecer com analogia a fatos de 2015.

    A tese da Denúncia, como ficou claro aqui, na quinta-feira, durante o depoimento da Acusação, foi gestada e desenvolvida pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas, mais especificamente pelo Dr. Júlio Marcelo, que aqui, neste plenário, foi desqualificado como testemunha, não porque advogava para alguém, mas porque tinha interesse na causa e fazia militância política.

    S. Sª convocou um ato, na rampa do Tribunal de Contas da União, para rejeitar as contas da Presidenta. Fez um seminário com economistas que eram só opositores da Presidenta Dilma para discutir a política econômica. Ficou tão flagrante a militância que ele foi desqualificado como testemunha.

    Pois bem; em seguida, nós tivemos aqui o Sr. Antônio Carlos D'Ávila. O Sr. Antônio Carlos D'Ávila é auditor fiscal do Tribunal de Contas. Ou seja, ele é responsável por formular o parecer que orienta os Ministros do Tribunal de Contas a fazerem a análise das contas da Presidenta. E o Sr. Antônio Carlos D'Ávila, candidamente aqui, confessou, assumiu que ajudou o Sr. Júlio Marcelo a redigir a reclamação sobre as pedaladas fiscais, a reclamação que ele mesmo iria analisar e despachar para os Ministros analisarem. Ele analisou essa reclamação que ele ajudou a redigir, aceitou-a e despachou-a para os ministros. Foi essa reclamação que deu base ...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - ... ao acórdão.

    O que a gente tira desses fatos? Tira que houve um conluio no Tribunal de Contas da União entre essas pessoas, porque não pode o auditor, que analisa e que prepara o parecer, ajudar o Ministério Público a fazer a denúncia, a fazer a reclamação. É como se o juiz ajudasse o advogado a fazer a petição e depois decidisse.

    Então, eu gostaria de saber, na sua interpretação, no seu entendimento, se essa conduta é legal, se ela caracteriza ilícito; o que pode ser extraído dessa prática que foi desmascarada neste plenário; se isso pode, inclusive, juridicamente anular todo esse processo.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Com a palavra V. Sª.

    O SR. RICARDO LODI - Bom, na verdade, peço desculpas à Exma Senadora, mas eu não tenho conhecimento desses fatos, até porque eu fiquei incomunicável desde quarta-feira à noite. Então, não saberia avaliar como isso se processou.

    Mas o que me chamou a atenção nos autos do processo é que, na tomada de contas de 2014, quando a AGU e a Procuradoria do Banco Central recorrem pedindo reexame das contas, a Secretaria de Recursos fez um parecer considerando que o Plano Safra não era operação de crédito. Essa manifestação da área técnica da Secretaria de Recursos foi confirmada pelo diretor da Secretaria de Recursos, mas reformada pelo Secretário de Recursos sob a alegação de que, sem a caracterização do inadimplemento do Plano Safra como operação de crédito, seria impossível imputar responsabilidade aos gestores. Isso está nos autos do processo do impeachment e me chamou muito a atenção na ocasião em que li esse documento.

    Pode ser que eu esteja equivocado, mas o que eu extraí disso foi uma preocupação não com o Direito, mas com o resultado que aquele processo teria. Quer dizer, isso eu extraio porque está nos autos. Ninguém me disse, eu não ouvi, está nos autos, tanto da tomada de contas de 2014, quanto no processo de impeachment. De fato, pareceu-me uma preocupação acendrada com o resultado sancionatório do processo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2016 - Página 107