Discurso durante a 11ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha.
Publicação
Publicação no DCN de 18/08/2016 - Página 33
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, CONGRESSO NACIONAL, ASSUNTO, COMEMORAÇÃO, ANIVERSARIO, VIGENCIA, LEI MARIA DA PENHA, REFERENCIA, DADOS, INSTITUTO DE PESQUISA ECONOMICA APLICADA (IPEA), REDUÇÃO, HOMICIDIO, VITIMA, VIOLENCIA DOMESTICA, POSIÇÃO, BRASIL, PESQUISA, AMBITO INTERNACIONAL, ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAUDE (OMS), VIOLENCIA, MULHER, NECESSIDADE, EFETIVAÇÃO, LEI FEDERAL, CRITICA, AUSENCIA, DISCUSSÃO, PROJETO DE LEI, MEDIDAS ADMINISTRATIVAS, OBJETIVO, REGRESSÃO, EFICIENCIA, LEGISLAÇÃO, COMBATE, CRIME.

     A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB-BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem

revisão da oradora.) - Sra. Presidente, Sras. e Srs. Senadores e Senadoras, Deputadas e Deputados, queridos se- nhoras e senhores que vieram participar desta sessão e todos aqueles que nos assistem através dos meios de comunicação da Casa, eu quero iniciar parabenizando o Senado e a Câmara dos Deputados. As nossas duas bancadas femininas se organizaram para realizar esta sessão de hoje e, mais do que ela, uma série de progra- mações que constarão deste mês de comemoração dos 10 anos da Lei Maria da Penha.

    Quero parabenizar a Senadora Vanessa Grazziotin, nossa Procuradora, que nos ajudou na organização da sessão, definindo, desta feita, um tema para cada uma de nós abordar, para evitar a repetição.

    Parabenizo a Senadora Simone Tebet, que tem tido papel fundamental na Comissão Permanente Mista de Combate à Violência contra a Mulher e que lançou, hoje aqui, o portal que nos levará a ter, no Senado, um observatório permanente da violência contra a mulher.

    Eu quero também me desculpar -- pedindo licença a S.Exas. --, por mim, pela Senadora Vanessa Gra- zziotin e pela Senadora Gleisi Hoffmann, porque tivemos que sair para participar de uma reunião de Líderes com o Presidente do Supremo Tribunal Federal, definindo o rito do processo do julgamento do impeachment que vai acontecer a partir da próxima semana, aqui na Casa. Infelizmente não tivemos de dividir com vocês todo o período -- sem dúvida nenhuma, muito produtivo -- de realização desta sessão. Não é o nosso cos- tume estarmos ausentes. Nós geralmente ficamos aqui durante todo o tempo de realização das sessões que dizem respeito à mulher

    Celebramos os 10 anos da Lei Maria da Penha, que representou, de fato, um grande avanço no comba- te, na punição e na conscientização sobre violência de gênero. Quero reafirmar que, apesar disso, a violência persiste. As raízes de uma cultura machista não se apagam nem mudam apenas em 1 década.

    Dados de 2015, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada -- IPEA mostram que, a partir da regula- mentação da Lei nº 11.340, de 2006, diminuiu em apenas 10% a taxa de homicídios contra mulheres praticados nas residências das vítimas.

    Um dos aspectos dessa diminuição está relacionado ao fato de que as mulheres passaram a denunciar mais. No entanto, muitas ainda se calam por medo e até por desinformação. Prova disso é que a Central de Atendimento à Mulher, o Ligue 180, registrou, no ano passado, diminuição no número de denúncias feitas pe- las próprias vítimas. Ainda assim, são as mulheres -- 80% -- quem mais denunciam situações de violência de gênero. E eu vou dispor alguns dados sobre isso para as senhoras e os senhores.

    O Brasil ainda ocupa a quinta posição mundial em assassinatos de mulheres, segundo a Organização Mundial da Saúde. Temos uma taxa de feminicídios de 4,8 para cada 100 mil. Somente em 2015, o Ligue 180 registrou mais de 65 mil denúncias relacionadas à violência de gênero. Em comparação a 2014, a Central cons- tatou que aumentou em 44,7% o total de relatos de violência.

    Outros indicadores chamam também a atenção. Houve 325% a mais de denúncias de cárcere privado; aumento de 151% dos casos de tráfico de pessoas; crescimento de 129% no total de relatos de violências se- xuais, como estupro, assédio, exploração sexual, numa média, portanto, de 9,53 registros por dia.

    As denúncias de estupros aumentaram 154%: foram 7,5 casos de estupro por dia no ano passado. Ou seja, a cada 3 horas, um estupro é relatado ao Ligue 180.

    Em 72% dos relatos que chegam ao Ligue 180, as violências foram cometidas por homens com quem as vítimas tinham ou tiveram algum vínculo afetivo, mantendo-se o mesmo padrão já estudado e denunciado

pelos movimentos de mulheres há tantos anos.

Dentre os relatos de violência, as mulheres negras -- pretas e pardas -- representam a maioria das ví-

timas: 58,86%.

    Outro aspecto terrível desses números é o fato de que os atendimentos registrados pelo Ligue 180 reve- laram que quase 78% das vítimas possuem filhos e que 80% desses filhos presenciaram ou sofreram violência junto com as mães.

    Em relação aos homicídios de mulheres em 2015, o Mapa da Violência revelou que, de 2003 a 2013, cres- ceu em 54% o número de assassinatos de mulheres negras, que passou de 1.864 para 2.875. Desde 1980, foram 106 mil assassinatos de mulheres no País, e as negras são o principal alvo.

    Mas Sra. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, companheiras e companheiros aqui presentes, além dos sempre tristes números, é importante destacar os avanços e elencar os desafios que ainda temos pela frente.

    Eu quero destacar que foram e são os movimentos sociais feministas e de mulheres historicamente preponderantes nas iniciativas para as conquistas obtidas, desde a retirada da invisibilidade da violência de gênero até a construção dos conceitos e meios para desnaturalizá-la, qualificar ações de prevenção, atenção e coibição e superar o caráter exclusivamente punitivo para se enfrentarem violências sociais e institucionais.

    Houve alguns avanços em medidas legislativas e normativas; na implantação de organismos governa- mentais nos Estados e Municípios; na ampliação da quantidade de serviços de atenção, ainda que insuficien- tes; na criação de órgãos dentro de instituições como Tribunais de Justiça, Ministério Público e Defensorias; no Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, assumido desde 2007, por todos os Es- tados; no Programa Mulher, Viver sem Violência, com veículos equipados para a atenção multidisciplinar em áreas mais afastadas dos centros urbanos; e em campanhas, como a Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha: A lei é mais forte, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, da Presidência da República, em parceria com os demais Poderes.

    A Lei Maria da Penha é reconhecida, nacional e internacionalmente, como uma evolução no enfrenta- mento à violência contra a mulher. Mas ainda vivemos o desafio permanente de lutar pela sua efetivação. Tes- temunhamos a precariedade de sua implementação, evidenciada no relatório da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, de 2013, que apontava a insuficiência na quantidade de serviços de atenção; despreparo das equipes de atendimento; carência de recursos materiais e humanos; e resistências institucionais para adequar e qualificar a aplicação da lei, torná-la abrangente e, especialmente, interiorizá-Ia.

    Hoje o Brasil dispõe de 497 Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher e 235 Centros de Refe- rência de Atendimento à Mulher em Situação de Violência, a maioria nas capitais. Até 2015, foram implantadas apenas 91 varas de Justiça especializadas em causas de violência doméstica e 72 casas-abrigo.

    Somente 10% dos Municípios brasileiros têm atendimento específico para a mulher. Faltam veículos, equipe em número suficiente e qualificada, privacidade na atenção e até rigor no cumprimento de protocolos em perícias e investigações, o que dificulta o julgamento adequado e pode, inclusive, gerar impunidade, por ausência de elementos comprobatários confiáveis.

    Outro obstáculo é a insuficiência de informações. Vários especialistas ressaltam esse aspecto. Faltam dados principalmente sobre a violência letal. Acreditamos que, com a Lei nº 13.104, de 2015, a Lei do Femini- cídio, que tipifica o homicídio de mulheres, seguramente será possível dar mais eficiência e confiabilidade aos registros desse tipo de informação.

    Há risco de retrocesso. No atual cenário brasileiro, vivemos um período de ameaças e retrocessos, a co- meçar pela supressão da condição de Ministério às Secretarias de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e de Políticas para as Mulheres.

    Cito que Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres foi efetivamente uma conquista do movimen- to de mulheres no mundo inteiro. Ter uma secretaria especial que trate da luta da mulher na sociedade é tirar a mulher da invisibilidade. Isso não é uma questão menor, vista como uma ocupação de cargos por mulheres, mas uma questão que tem um conteúdo, um conceito muito mais profundo. É lamentável que nós tenhamos perdido esse status no atual Governo interino do Brasil.

    Cito também outras iniciativas que visam suprimir conquistas e que requerem vigília permanente dos movimentos sociais e das Parlamentares verdadeiramente comprometidas com os direitos humanos. Entre esses exemplos, estão a retirada dos conteúdos de gênero, sexualidade e raça do Plano Nacional de Educação, com fortes repercussões nos planos estaduais e municipais; e o Projeto de Lei nº 5.069, de 2013, que altera o conceito e a forma de atendimento às vítimas da violência sexual, violando a lei e as normas técnicas ao exigir a comprovação de marcas e danos físicos e psicológicos, dificultando o atendimento de meninas e mulheres, além de negar às vítimas de estupro o tratamento preventivo contra a gravidez dele resultante, prevendo pu- nição para profissionais de saúde. Trata-se de um retrocesso indiscutível, contra o qual nós precisamos lutar.

    A resistência pseudomoralista vem ganhando novas roupagens, a exemplo do Projeto de Lei nº 7, de

    2016, da Câmara dos Deputados, que está em tramitação na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania aqui do Senado. Sob o argumento de superar a precariedade do acesso e do funcionamento dos mecanismos de atendimento e a morosidade da Justiça, o art. 12-B do referido projeto retoma uma situação já superada na própria Lei Maria da Penha, ao exagerar o poder policial e enfraquecer a rede de atenção nas varas exclusi- vas. Esse artigo permite que delegados e delegadas decidam sobre o deferimento de medidas protetivas de urgência e retira a competência constitucionalmente atribuída ao Poder Judiciário.

    Queremos a parceria das delegadas e dos delegados, mas queremos que a lei funcione como ela está, como ela foi concebida, como ela foi aprovada. Isso não se dá porque há excesso de vaidade do movimento de mulheres, para dizer que a Lei Maria da Penha não pode ser modificada, mas porque são apenas 10 anos de vigência dessa lei. E é preciso que as correções, se houver e se existirem razões para que sejam feitas, sejam amplamente debatidas, como ocorreu com a Lei Maria da Penha até chegar a ser efetivamente votada na Câ- mara dos Deputados.

    Qualquer modificação na Lei Maria da Penha tem que ser precedida de ampla discussão, para se avançar no fortelecimento e na qualificação da Rede de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. Como verifica- do em depoimentos durante os trabalhos da CPMI da Violência contra a Mulher, o atendimento especializado dos centros multidisciplinares concentra o maior nível de satisfação. Dizem as mulheres: “Aui foio primeiro lugar onde fui bem atendida”.

    Finalizo, Sra. Presidente, dizendo que não é à toa que se preocupam tanto em modificar essa lei. Essa lei nasceu do movimento feminista, nasceu do movimento de mulheres. E é muito difícil para um Parlamento de maioria esmagadora de homens admitir que nós fizemos uma lei amplamente debatida, admitir que uma lei tem a sua origem no movimento de mulheres e que, digamos assim, não nasceu dos homens a ideia. Vem muito daí a resistência e a necessidade que este Paralmento tem de, a todo tempo, tentar modificar a Lei Maria da Penha, que, pela sua origem, é a lei mais conhecida do Brasil e uma das leis mais respeitadas do mundo. A Lei Maria da Penha nasceu do movimento de mulheres.

    Por fim, quero dizer que a Lei Maria da Penha reduziu em muito a imobilidade da sociedade diante da violência de gênero, estimulando as denúncias e a busca de atendimento e forçando o Estado a sair da omissão em relação a esse tipo de violência. É importante registrar que a Lei Maria da Penha, a Lei nº 11.340, de 2006, es- tende sua abrangência a todas as mulheres, incluindo explicitamente as distintas orientações sexuais no art. 2º.

    Vamos continuar lutando por mais avanços! Pelo cumprimento da Lei Maria da Penha!

    Pela ampliação do atendimento em serviços especializados! Pela qualificação das equipes de atendimento!

    Pela garantia de não retrocesso na legislação! Pela garantia das conquistas obtidas!

   Em defesa da dignidade e dos direitos das mulheres! Muito obrigada. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 18/08/2016 - Página 33