Discussão durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Fernando Collor (PTC - Partido Trabalhista Cristão/AL)
Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da aprovação do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2016 - Página 54
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, ILEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, IRREGULARIDADE, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Exmo Sr. Presidente desta sessão de julgamento, Ministro Ricardo Lewandowski, Srªs e Srs. Senadores, há exatos 190 anos, Bernardo Pereira Vasconcelos sentenciava que "sem responsabilidade efetiva, não há Constituição, senão em papel." Com apenas dois anos de vigência da nossa primeira Carta Magna, a de 1824, o Parlamentar já trazia à tona a importância da responsabilização constitucional de autoridades públicas.

    Cerca de um século depois, o ex-Presidente Epitácio Pessoa dava luz a novo conceito. Para ele, "a chamada pena de destituição também não é rigorosamente uma pena, mas uma medida de governo". De fato, a depender da condução, das condições e conclusões de uma gestão, a destituição do chefe do Executivo torna-se, oportunamente, medida de governo. E isso ocorre, lembre-se, por iniciativa da cidadania e por decisão parlamentar.

    É o remédio constitucional de urgência no presidencialismo quando o governo, além de cometer crime de responsabilidade, perde as rédeas do comando político e da direção econômica do País.

    Mesmo sendo um conceito do parlamentarismo, a verdade é que a história brasileira passa a mostrar que a real política, com suas forças embutidas e seus caminhos tortuosos, leva inescapavelmente ao uso do impeachment como solução de crises. Disso não haveremos de fugir.

    Por isso, o jurista Paulo Nogueira dizia que aquele é um processo judicial, dependente da engrenagem dos fatos e da entrosagem das provas. Ou seja, uma demanda jurídica que se efetiva ao talante do ambiente político e da comprovação de infrações.

    Os fatos que adornam o presente julgamento são provas dessa reflexão, o que nos remete de volta ao fator da governabilidade. Em parecer de 1992, a hoje Ministra Cármen Lúcia já esclarecia: "O impedimento da continuidade do exercício do cargo ou do acesso da pessoa responsabilizada a outro cargo público por determinado período não objetiva a condição política desse agente, mas a condição política intacta do governo." E conclui ela: "O objetivo do processo de impeachment é político, sua institucionalização é constitucional, seu processamento é jurídico, mas não penal."

    Em 1992, tentaram me imputar corresponsabilidade por suposta infração penal na seara do crime comum, cuja apuração e julgamento caberiam somente ao Supremo Tribunal Federal. A partir de ocorrências pessoais e não institucionais, forças conjugadas simularam uma crise política, uma crise política de governabilidade; forjaram uma estabilidade econômica que não existia; e, mais, transformaram hipotética infração comum de um agente privado em crime de responsabilidade do Presidente.

    Mesmo eleito democraticamente, justo no pleito que consolidou a redemocratização, me condenaram politicamente em meio a tramas e ardis de uma aliança de vários vértices. Mas, penalmente, da correta instância, me absolveu a Suprema Corte.

    Hoje a situação é completamente diversa. Além de infração às normas orçamentárias e fiscais com textual previsão na Constituição como crime de responsabilidade, o governo afastado transformou sua gestão numa tragédia anunciada. É o desfecho típico de governo que faz da cegueira econômica o seu calvário, e da surdez política, o seu cadafalso.

    Esse é um contexto que outrora até poderia ensejar um golpe de Estado clássico para solucionar em curto prazo uma aguda crise política. Não foi o caso. O golpe poderia ainda ser usado, na acepção do historiador Charles Kieling, para quem os golpes surgem para travar as revoluções. Também não é o caso, já que, para ele, revolução produz transformações, mudanças na economia, na política, na sociedade, quebra paradigmas e agrega novos conceitos. É só perceptível quando analisamos o processo histórico.

    No livro O Golpe de 1992, o mesmo historiador esclarece:

O presidente Fernando Collor [...] com singular coragem criou ao redor de si uma legião de inimigos. Como em política se fazem aliados para se manter no poder, parece que Collor entrou mudando tal paradigma. [...] Seu único aliado era o povo [...]. Seu objetivo foi o de destruir instituições que se serviram das benesses do Estado. Num olhar atento se percebe que o propósito era acabar com um Estado sexagenário para criar um novo Estado.

    Já no artigo "Impeachment do Collor - o golpe completa dez anos", o mesmo autor assinala:

[As] primeiras medidas tomadas pelo governo Collor estavam em descompasso com os dez pontos do Consenso de Washington e com os interesses dos empresários. [...] Tais medidas desagradaram sacralidades políticas, tecnocratas e burocratas, acentuando seu isolamento na presidência. O ano de 1991 começou com comentários entre políticos, empresários e funcionários públicos do alto escalão de que era necessário afastar Collor da presidência. [...] A opinião pública novamente teve seu juízo trabalhado e manipulado pela mídia.

    E conclui:

Tem muito para ser pesquisado sobre o período do impeachment do Collor. Porém o cientista e pesquisador que se aventurar em tal empreitada nos documentos da CPI encontrará várias lacunas, sequências documentais e processuais que não correspondem e a falta de outros. Parlamentares que organizaram os mesmos dizem que muitos documentos foram incinerados para não comprometerem sacralidades políticas e grupos hegemônicos.

    Sr. Presidente, essa abordagem é comprovada por inúmeras matérias de jornais da época. Uma é a do jornal Zero Hora, de 3 de novembro de 1991 - portanto, bem antes dos fatos de 1992 que culminaram com minha renúncia. Em entrevista com um ex-presidente de partido, Orestes Quércia, a então jornalista e hoje Senadora Ana Amélia questionou: "Fala-se muito na possibilidade de impeachment. Isso é viável ou apenas especulação?" Respondeu Quércia: "Bom, eu acho que por enquanto não há condições [...]. Tem muita gente que pensa nisso [...]. Não acho que se deva excluir a possibilidade de fazer isso." Isso, Sr. Presidente, é uma comprovação, não uma versão.

    Encerro, fazendo minhas, hoje, as palavras de dois documentos daquele período. O primeiro diz:

A constatação de que a crise que abala a Nação não é, como se pretende insinuar, nem fantasiosa, nem orquestrada, porém originada do próprio Poder Executivo, que se torna, assim, o único responsável pela ingovernabilidade que ele mesmo criou e que tenta transferir para outros setores da sociedade.

    Trecho de nota assinada por várias entidades, entre elas, MST, CUT, CGT, UNE, Inesc, em 1º de julho de 1992.

    Como disse, faço minhas, hoje, as palavras acima.

    O segundo documento diz:

(Soa a campainha.)

    O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco Moderador/PTC - AL) -

Em todo o País [...] arautos do caos e da intranquilidade apregoam fórmulas construídas à margem da constitucionalidade e do Estado de Direito. [...] O País não vive, como alardeiam setores mais radicais, qualquer clima de golpe até porque a Nação não suporta mais tal prática. O que o povo brasileiro deseja, e tem manifestado seguidamente, é a decência e a firmeza traduzidas na transparência e probidade no trato da coisa pública.

    Trecho de Nota da OAB, em 7 de agosto de 1992. Como disse, faço minhas, hoje, essas palavras.

    Ontem, Sr. Presidente, eram inúmeras as simulações. Hoje, inúmeras são as dissimulações.

    Era o que tinha a dizer. Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2016 - Página 54