Discussão durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do não cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da rejeição do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do não cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2016 - Página 56
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, LEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REGULARIDADE, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Para discutir. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Ricardo Lewandowski, a quem admiro e respeito muito, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quem nos acompanha pela TV Senado, pela Rádio Senado e outros meios de comunicação, mais do que um pronunciamento, hoje, mais do que a defesa da Senhora Presidenta Dilma, que fiz insistentemente nesses últimos três meses, quero deixar aqui registrada a minha indignação com este momento pífio do Parlamento brasileiro e fazer um desabafo; um desabafo, Presidente, que começa pelo destino.

    Quis o destino, conspiraram as circunstâncias para que a primeira Presidenta da República brasileira fosse uma mulher com a história de vida de Dilma Rousseff. Depois que um retirante, um sobrevivente das seculares dificuldades nordestinas, um pau-de-arara, contra todas as probabilidades, ascendeu à Presidência, tivemos a improvável ascensão de uma mulher ao cargo. Menos talvez por sua condição de gênero, mais por suas origens políticas e culturais.

    De fato, Dilma não veio da política tradicional ou de uma família com ligações partidárias, sociais e econômicas com as elites brasileiras, berço de todos os 34 presidentes que antecederam Lula. O nordestino marcado para morrer, pelo simples fato de ter nascido nordestino, é substituído pela mulher marcada para morrer, pelo simples fato de, como os de sua geração, se opor a um regime de exceção. Mas ambos, ainda que torturados, venceram a morte encomendada pela miséria e pela repressão.

    De fato, quando Lula nasceu, a mortalidade infantil no Nordeste superava os 23% e a expectativa de vida pouco ultrapassava os 40 anos de idade. Quando Dilma foi presa, em 1970, também nada garantia a sua vida, afinal mais de três centenas de jovens brasileiros não sobreviveram à tortura e maus tratos. A prisão naquelas circunstâncias, Senadores e Senadoras, e as acusações a ela imputadas equivaliam a uma sentença prévia de morte. Esse o encontro histórico de destinos entre os dois últimos Presidentes do Brasil, e que a história me deu a honra de vivenciar.

    Aqui também estão as raízes da poderosíssima campanha desencadeada contra eles. Ao mesmo tempo, não há como negar a forte dose de misoginia que perpassa a oposição à Presidenta.

    Sentimentos machistas não suficientemente domados afloram e engrossam o coro contra Dilma. É mais uma frente do obscurantismo que se forma. Ao longo dessas sessões de julgamento, todas as teses que sustentavam haver crimes em ações e decisões da Presidenta foram pulverizadas, estilhaçadas, dissolveram-se no ar. Ainda assim, irritantemente, essas argumentações, já esmigalhadas, foram repetidas uma, duas, mil vezes. Falas às vezes agressivas, deselegantes, irônicas ou até mesmo cínicas. Não teria sido diferente o comportamento da maioria se, em vez de uma Presidenta, estivéssemos julgando um Presidente? Como mulher, Senadora e ex-ministra de Dilma, sou tentada a responder que sim, seria diferente.

    Temos, então, dois fatos: uma Presidente fora do círculo dominante, de esquerda - portanto, desajustada à normalidade que vem desde 1889 - e, ainda por cima, mulher e sem marido. O enorme significado da eleição da primeira mulher à Presidência, em um país como o nosso, ainda não foi avaliado, mas são indispensáveis estudos sociológicos, teses e pesquisas para se saber do impacto profundo que isso teve e terá entre as mulheres e os brasileiros mais pobres.

    Nos últimos anos, avançamos a galope em legislações e iniciativas de proteção e promoção à mulher brasileira. As estruturas criadas no Governo Federal, particularmente por Dilma, para esse fim, foram largamente reproduzidas pelos Estados e Municípios brasileiros. Mesmo que não confessem, é claro que isso incomoda muita gente, e a tentativa de derrubada da Presidenta tem, então, esse ingrediente: mandar a mulher de volta para casa, de preferência para a cozinha. Ou não é expressivo e revelador o ministério 100% masculino do interino Michel Temer e o rebaixamento das estruturas ministeriais de promoção das mulheres, e a pauta midiática "bela, recatada e do lar"?

    No entanto, mais do que as origens da Presidenta e a sua condição de mulher, mãe e avó, me aperta o coração o retrocesso que este País terá, que será o maior desastre da nossa história, se o interino se transformar em efetivo. É impressionante a capacidade das nossas classes dominantes de fazer girar a roda da história para trás. É assombrosa essa tendência inelutável de recuar, de voltar no tempo, de não aceitar qualquer avanço que possa significar um arranhãozinho que seja, insignificante, em seus privilégios.

    Assim é a história brasileira, secularmente: cada vez que os deserdados afloram, por uma ou outra concessão, há um recuo, seja na clássica forma de golpe de Estado, como estamos vivendo agora, seja na tomada de medidas governamentais de cortes de investimento público, de arrocho salarial, de reforma da Previdência, como o que está anunciado pelo interino.

    Toda vez que avançamos em conquistas sociais em décadas passadas, com Vargas ou Goulart, ou nos anos recentes, com Lula e Dilma, sob os mais cínicos e despudorados pretextos, marretam o povo e suas tímidas conquistas. Ontem, era o espectro do comunismo; agora, essa ridicularia de pedaladas e irresponsabilidade fiscal, devidamente fulminadas neste plenário - ontem pela Presidenta Dilma e, hoje, pela brilhante defesa que fez o ex-Ministro e Advogado José Eduardo Cardozo.

    Os golpistas tentam com o mais poderoso instrumento de propaganda, de intrujice e burla da opinião pública, de fraude da verdade e da realidade que é a mídia monopolista.

    Uns poucos órgãos de comunicação deformam o entendimento popular, corrompem a capacidade do brasileiro de discernir, envenenam mentes, disseminam ódio e rancor.

    Acredito que, tirantes os clássicos regimes de exceção, Senador Requião, nada se compara com o que a mídia brasileira produz nos dias de hoje em termos de distorção, mentira, trapaça, escravização de opiniões. Isso, inevitavelmente, terá um preço - não por meu desejo, não por minha vontade ou pela ação de quem quer que seja -; terá um preço porque essa submissão da opinião pública, essa ditadura dos meios de comunicação não dura para sempre, e o despertar do povo brasileiro pode representar um enorme pesadelo para quem a promoveu e instalou.

    Pacificamente, ordeiramente, legalmente, iniciamos um grande processo de mudança neste País. Tiramos da miséria dezenas de milhões de pessoas, irmãos e irmãs nossas; introduzimos outros tantos milhões de pessoas no maravilhoso mundo das três refeições por dia; erradicamos uma das mais vergonhosas, humilhantes e repugnáveis endemias, a endemia da fome. É inacreditável, mas em um País tão rico como o nosso, até outro dia brasileiros morriam de fome. E assim foi, impiedosamente, por séculos e séculos.

    A maioria que está nesta Casa vem de classe abastada, vem de famílias políticas que governaram Estados e Municípios, que já governaram este País. Eu desafio os senhores a dizer se houve outro momento na história em que enfrentamos a miséria da forma eloquente como enfrentamos com Lula e Dilma. Esses governos instituíram bolsas compensatórias e as cotas, melhoraram a saúde e a educação, colocaram um anel de doutor no dedo do filho do pobre; para horror da burguesia pretensiosa, encheram os aeroportos e os aviões de pobres.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Não apenas respeitamos os direitos dos trabalhadores, como os ampliamos e garantimos. Fizemos da Previdência Social o maior instrumento de distribuição de renda, ao transferir para as aposentadorias e pensões o aumento real do salário mínimo; demos, ao salário mínimo, aumentos reais de mais de 70% - o que será retirado agora, por esse Presidente interino. Preservamos a soberania brasileira sobre o petróleo, os minérios, as águas, as terras; rejeitamos a submissão à globalização imperial; fortalecemos os nossos laços com os países vizinhos e buscamos, com a China, com a Rússia, a África do Sul e a Índia, a construção de um mundo multipolar, desenvolvido, pacífico, soberano, tudo também em risco pelo Governo interino.

    Pela primeira vez em nossa história de mais de 500 anos, elegemos o povo brasileiro e os interesses nacionais como protagonistas da República.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª termina, por favor; conclui.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É contra isso que as forças do obscurantismo, os escravocratas, sempre se insurgiram. Podem até passar momentaneamente, mas estão com os seus dias contados. O povo, que provou o gosto de ser sujeito da sua história, não vai voltar ao chicote!

    Por isso, nós somos contra esse golpe!

    Viva a democracia brasileira! Viva a soberania popular! (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2016 - Página 56