Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Antonio Anastasia (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Antonio Augusto Junho Anastasia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 23
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. ANTONIO ANASTASIA (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Senhora Presidente Dilma Rousseff, o presente processo de impeachment tem como fundamento dois fatos que configuram, a meu juízo, o crime de responsabilidade pelo qual V. Exª está sendo julgada pelo Senado Federal. O primeiro refere-se à abertura de créditos suplementares do orçamento de 2015 por meio de decretos em desacordo com a Lei Orçamentária, violando o art. 167, V, da Constituição Federal. O segundo refere-se à realização de operações de crédito entre a União e o Banco do Brasil, no âmbito do Plano Safra, também em 2015, violando o art. 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal.

    Durante esse processo, na qualidade de ser o Relator na Comissão Especial, estudei e analisei inúmeros documentos, ouvi dezenas de depoimentos, acompanhei as alegações da Acusação de da Defesa. Por tudo o que vi e avaliei, concluí, no parecer de pronúncia, pela ocorrência do mencionado crime de responsabilidade com amparo nas provas coligidas no curso do procedimento.

    Muitos são os aspectos fáticos e jurídicos do processo, a par de sua natureza igualmente política. Diante desses diversos aspectos analisados e expostos no relatório, selecionei alguns para formular minhas questões, limitado pelo prazo estipulado de cinco minutos.

    A primeira delas é pertinente à edição dos decretos de crédito suplementar. Nestes decretos, insisto em repetir, o que se discute não é a sua execução, ou a realização ou não de seu respectivo gasto, ou mesmo os aspectos relativos ao seu eventual contingenciamento, mas sim a sua simples abertura, como explicitamente reza o inciso V, do art.167: abrir crédito por decreto em desacordo com a autorização legislativa é crime de responsabilidade por ferir a Lei Orçamentária.

    A autorização para a abertura dos decretos consta, em caráter excepcional, do art. 4º da Lei Orçamentária de 2015, mas condicionada à compatibilidade com a meta estabelecida para o exercício, e cuja trajetória deve ser avaliada periodicamente. Assim, abrindo o crédito nesse modelo, o primeiro passo é indagar se existe essa compatibilidade.

    Bem, tomo por exemplo o decreto de 27 de julho, no valor de 1,7 bilhão. Sua exposição de motivos foi assinada em 9 de julho pelo então Ministro Nelson Barbosa, encaminhada à Presidência da República, lá aportando no dia seguinte, 10 de julho. Naquela data, a meta de resultado primário era de 55 bilhões. O decreto foi publicado em 27 de julho. E o que ocorreu entre 10 e 27 de julho, enquanto a minuta do decreto estava na Presidência da República sob direta responsabilidade de Vossa Excelência? Foi enviado ao Congresso Nacional o PLN 5, alterando a meta de 55 bilhões para 5 bilhões. Portanto, a partir de 22 de julho, Vossa Excelência já tinha plena consciência de que a meta fixada pelo exercício de 55 bilhões não seria mais cumprida. Desse modo, não mais procedia a conclusão constante da minuta de decreto de crédito suplementar, que este seria compatível com a obtenção da meta, e, ainda assim, em 27 de julho, o crédito foi aberto em flagrante violação da Constituição Federal.

    Indago, portanto, por que esse decreto foi assinado por Vossa Excelência, em evidente confronto com a meta, tendo em vista que Vossa Excelência já conhecia, por meio do PLN 5, que a meta não seria alcançada?

    Ainda na esfera dos decretos, temos que a defesa insiste na tese de que o sistema parametrizado existente torna a edição dos decretos de crédito suplementar um ato praticamente automático, pelo que, a despeito da notória autoria do ato, não haveria responsabilidade de Vossa Excelência por sua edição. Mas, se é assim, indago por que motivo Vossa Excelência baixou o Decreto 8.555, de 6 de novembro de 2015, delegando expressamente ao Ministro do Planejamento...

    (Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO ANASTASIA (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - ...essa responsabilidade até então exclusiva de Vossa Excelência? Não seria esse decreto a confissão expressa da responsabilidade plena de Vossa Excelência sobre esses decretos?

    Agora, centro-me na questão relativa da operação de crédito com o Banco do Brasil, no âmbito do Plano Safra. Vários aspectos dessa operação foram discutidos nesse processo. Um dos mais debatidos foi o tema relativo ao prazo devido de pagamento da equalização pelo Tesouro ao banco. Aliás, sobre esse item foi acalorada a discussão com o derradeiro depoente, na noite do último sábado.

    Em seis de julho último, Vossa Excelência encaminhou à Comissão Especial do Impeachment, por escrito, o vosso depoimento pessoal, que lá foi lido por vosso Advogado, o competente e combativo Dr. José Eduardo Cardozo.

    Sobre essa questão do prazo, assim se manifestou Vossa Excelência, à folha 18 do citado documento, que é assinado por Vossa Excelência: "Não há prazo para o pagamento." Mas, três linhas depois, no mesmo parágrafo, Vossa Excelência afirma: "Há apenas um mero atraso no pagamento."

    Gostaria que Vossa Excelência pudesse nos explicar como seria possível...

    (Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª encerrou, não é?

    Nós compreendemos a formulação das questões.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Três segundos?

    O Senador Cássio pede, em prol de V. Exª, mais três segundos, e eu concedo.

    (Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO ANASTASIA (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Gostaria que Vossa Excelência pudesse nos explicar como seria possível, conforme o vosso dizer, haver atraso, se não há prazo para o pagamento.

    Muito obrigado.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Bom, Senador Anastasia, é um prazer aqui respondê-lo, dadas as características bastante aprofundadas das suas análises.

    Queria dizer, Senador, que eu discordo que a Constituição proíbe. Aliás, que a Constituição proíbe abertura de créditos suplementares, mas atribui, nesse mesmo momento em que ela proíbe, ao Congresso Nacional a autorização.

    Quando ela atribui ao Congresso Nacional a autorização, eu quero crer que, quando ela atribui, ela prevê que o Congresso possa fazer uma lei para autorizar abertura de créditos suplementares pelo Executivo.

    E assim é, Senador. A Constituição proíbe. Então, o Legislativo vai ter de autorizar. O que acontece na peça orçamentária que anualmente é editada? Essa peça que é anualmente editada, no seu art. 4º, portanto, a LOA, ela autoriza o Executivo a abrir os créditos.

    Veja bem, a Constituição proíbe e diz: "Lei vai prever a abertura." A lei previu a abertura, e não é uma lei que transcorre anos, é uma lei anual. A cada ano ela é feita e é reiterada a autorização.

    Então, a primeira questão, Senador, me desculpa, mas não há como mudar também os termos da acusação.

    O que está sendo dito na acusação não é isso. A lei autoriza, Senador, e não há nenhum descumprimento pelo Executivo de uma autorização legislativa.

    Nós abrimos crédito suplementar por decreto porque a LOA de 2015 assim autorizou.

    E mais, ela fala uma outra coisa. Ela diz que a abertura desses créditos deve ocorrer, eles têm de ser compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário.

    Ora, Senador, a meta de resultado primário é uma meta que quem regula a forma pela qual a programação financeira e orçamentária é feita é a Lei de Responsabilidade Fiscal. A não ser que nós, nessa etapa da vida política do País, rejeitemos a Lei de Responsabilidade Fiscal, o que seria o maior absurdo, nós deixaremos de reconhecer que é ela, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a central na execução orçamentária.

    E aí, o que acontece? A Lei de Responsabilidade Fiscal exige a compatibilidade. Como é que nós fazemos a compatibilidade? Nós colocamos na própria LOA, em 2014, que: "Nenhum decreto de crédito suplementar poderá ser aplicado sem respeitar os limites da meta orçamentária - desculpa -, da meta fiscal e a meta expressa na Lei de Responsabilidade Fiscal". Não pode, não se pode fazer.

    É essa restrição que permite que eu diga ao senhor que não só a Constituição proíbe, mas a LOA especifica em que condições é possível abrir, e a execução orçamentária cuida para que, ao executar os decretos respectivos, você não estoure os limites definidos. Então, nada mais regulado do que Constituição; LDO também, que explicita a meta; LOA; e, sobretudo, quem faz a grande regulação, o grande controle é a Lei de Responsabilidade Fiscal.

    E queria acrescentar que o art. 4º autoriza uma coisa fundamental: ele autoriza que o Executivo possa flexibilizar não o montante do gasto, mas onde você vai gastar. O que o art. 4º permite - ele tem 29 itens e três alíneas, em média, por inciso -, o que ele autoriza? Ele autoriza que nós possamos, que nós possamos em alguns casos executar - só em alguns casos, não em todos -, e ele define os limites. O limite, por exemplo, para gasto, para utilizar a suplementação, através de decreto de crédito suplementar, no caso da educação, é 100%. Isso significa o quê? Que eu aumentei R$20. Se eu aumentei R$20 por decreto de crédito suplementar, vou cortar R$20 em outro lugar. Não há como, porque há um teto que é dado pelo contingenciamento, que é o grande instrumento da LRF para impedir que você estoure limites, que você crie um descontrole de despesa.

    Então, quero dizer o seguinte: discordo assim rigorosamente dessa afirmação de que nós desrespeitamos o Legislativo na medida em que desrespeitamos a legislação. Por aí, não é possível caracterizar esse processo, porque há um sistema de leis que permite e que regula essa questão.

    E, quando falo em parametrizado, é porque essa parametrização é dada por pareceres técnicos e jurídicos que respeitam integralmente isso. Ao chegar para o Governo assinar, ainda passa pela Subchefia de Assuntos Jurídicos, e, ainda, pela avaliação e compatibilização de todos esses decretos com a leis vigentes. Então, esse é um processo cercado de todos os controles.

    O que aconteceu? A partir de um momento que é posterior ao último decreto... O último decreto que nós editamos é de 20 de agosto e a decisão oficial - a decisão do Plenário que é a única que conta, nenhuma outra decisão conta -, a decisão do Plenário é de outubro, ela não é de agosto, ela é de outubro, o último decreto, porque são dois decretos de julho e um decreto de agosto.

    A decisão final é de outubro. Então, a não ser que a gente passe a aceitar que há retroatividade da lei, fica muito difícil dizer que por aí há um crime de responsabilidade.

    Além disso, tem outra questão, que é a do PLN, que o senhor levantou. O PLN 5 foi editado em abril - não, ele foi editado em julho não é?

    O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO - Foi o que a senhora mandou?

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Foi o que mandei. É, julho. Foi editado em julho e ele foi aprovado em dezembro. Entre julho e dezembro, tínhamos metade do ano em curso. Qual foi a prática que o Congresso e o TCU adotaram em 2009? Que você poderia editar o PLN, porque era queda de receita em níveis expressivos, e você poderia, então, aguardar até a aprovação.

    Como há um tempo entre a edição da medida, a urgência da economia, porque ela não espera, ela não fica esperando, julho, agosto, setembro, outubro, novembro, dezembro. É preciso que você tome medidas imediatas, que vão comprometer quem? O interesse econômico, mas também vão comprometer interesses sociais, direitos sociais.

    Então, perfeitamente, se fizéssemos, além do que já vínhamos fazendo, de contingenciamento, que já estava R$79,6 bilhões mais os 55, teríamos encerrado o ano fiscal em julho de 2015. Então, não haveria nenhum gasto, no Brasil, de julho de 2015 até dezembro de 2015. Era isso que aconteceria, Senador.

    Então, quero dizer que não há um traço, não tem uma observação do Congresso Nacional dizendo: olha, Executivo, vocês não podem fazer isso. Em 2009, não quero dizer nem que foi feito em 2001, em 2001 também foi feito, naquela época que a medida provisória não tinha as mesmas limitações que ela passou a ter, que ela podia ser reeditada. Em 2001, foram quatro reedições de medidas provisórias, que possibilitaram que o decreto fosse sistematicamente reaberto.

    Então, o que digo é o seguinte: neste caso, não vejo fundamento algum. Agora, no caso das subvenções do Plano Safra, o que vocês falam é que vocês enquadram as subvenções do Plano Safra como se fossem operação de crédito. Elas não eram, nunca foram caracterizadas como operação de crédito, nunca. Como elas não eram caracterizadas como operação de crédito, o que as autorizava? O que autorizava as subvenções do Plano Safra era uma lei de 1992. Esta lei de 1992 autorizava que o Executivo tivesse uma política agrícola, tanto para a agricultura comercial quanto para a agricultura familiar.

    Eu sei, Senador, que há muita divergência, em muitos partidos - não tenho certeza do senhor - mas, que não gostam de subvenções, que acham que o governo não pode fazer subvenções, como essas do Plano Safra. Caso o governo não fizesse subvenções do Plano Safra, estaríamos numa situação muito difícil. Por quê?

    O mundo inteiro trata a agricultura com todas as condições para que ela tenha uma situação de apoio, de fomento e de ampliação.

    Ora, as subvenções que nós fazemos... nós não temos, não há a menor dúvida de que nós somos a favor. Como eu disse ao senhor, nossas subvenções estavam acima de 200 bilhões. Obviamente, na época do Governo do PSDB essa subvenção não chegava a mais de 2,5 bilhões. Então, é de 2 bilhões a 200 bilhões. É essa a diferença.

    Bom, nesse processo, houve uma lei, uma lei muito bem feita do governo Fernando Henrique Cardoso, que previu as subvenções. Essa lei do governo Fernando Henrique Cardoso que previu... - do Itamar? Então, é do Itamar, final do Itamar, transição para o Fernando Henrique Cardoso - tem uma característica, ela não trata... Ela não pode, ela é uma autorização, como o senhor sabe, ex lege, ela é uma autorização para que nós possamos exercer a faculdade... De que é a subvenção? A diferença entre o juro de mercado e o juro cobrado do agricultor pequeno, médio e grande.

    Obviamente, pequenos pagam um juro menor; os médios, pagam um juro um pouco maior; e os grandes pagam um juro maior, mas todos eles estão abaixo do juros de mercado. É essa a subvenção.

    Bom, nesse processo, não está prevista a intervenção da Presidência da República, então, se foi no Itamar, não estava previsto no Fernando Henrique, no Lula e no meu. Não está previsto. Isso não mudou com a interpretação do TCU. Eu não estava presente nesse processo não é porque eu queria ou não, é porque não é previsto. Assim sendo, fica muito difícil me condenar por algo em que eu não estava presente. É muito difícil me condenar por algo que não tem fundamento.

    Então, Senador, eu concluo essas minhas palavras dizendo ao senhor: eu acredito que nós temos de ter muito cuidado, porque, a vigorar certas definições que eu vi aqui no processo, por exemplo, o de meta orçamentária, nós vamos ferir talvez o maior instrumento de execução fiscal - eu lamento que o meu Partido não tenha aprovado - a Lei de Responsabilidade Fiscal. Faço, com isso aqui, uma confissão clara e aberta. Nós não podemos ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal e diminuir a importância dela na execução e na programação financeira do nosso País. Ela é fundamental, ela tem um instrumento chamado decreto de contingenciamento, que torna muito forte a capacidade de controle do Executivo dos seus próprios gastos.

    Queria eu que Estados e Municípios tivessem um regramento, a partir da Lei de Responsabilidade Fiscal, que se aplica a eles, tão forte e seguro como tem o Governo Federal.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 23