Discussão durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do não cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discussão
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Defesa da rejeição do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do não cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2016 - Página 117
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, LEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, REGULARIDADE, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Para discutir. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, meus caros brasileiros e brasileiras que acompanham esta sessão histórica em que o Senado da República se transforma em corte de Justiça presidida pelo Exmo Sr. Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Ricardo Lewandowski, para julgar, por crime de responsabilidade, a Excelentíssima Senhora Presidente da República Dilma Vana Rousseff.

    Pergunto-me: o que somos nós neste momento? Juízes ou políticos? Ou juízes e políticos? Respondo por mim: não me cabe a toga da Justiça. Neste momento sou o que sou: político. Um político profundamente engajado na construção da democracia, o que me impede de arredar o pé dessa condição. Assumir-se como político é o primeiro passo de uma longa caminhada, para reconstruir a credibilidade dessa atividade essencial à vida em sociedade. A política é o amálgama das demais atividades humanas. Sem o mínimo de coesão a sociedade se desencontra, desintegra-se.

    Reconheço nossa carência de uma ideia ampla de Nação, que coloque brasileiros e brasileiras no mesmo cesto da felicidade, que não deixe os mais pobres nem os que moram longe do lado de fora. Vale lembrar que a história se repete: coloco na roda do presente o Marechal Deodoro da Fonseca, que, no dia 15 de novembro de 1889, liderou uma quartelada e destronou o amigo, o Imperador do Brasil D. Pedro II. 

    Dizem os historiadores que isso aconteceu porque a Princesa Isabel, filha de D. Pedro II, contrariando a turma do agronegócio daquela época, assinou a Lei Áurea, que pôs fim à escravidão no Brasil. Esse episódio marcou a fundação da República.

    Desde lá, esses poucos homens brancos e letrados, com direito a votar e ser votados, zelosamente organizaram a governança da nação brasileira para si e para os seus, excluindo os demais. Infelizmente, até hoje se sentem senhores absolutos dos anéis. Vira e mexe, comenta-se aqui neste plenário sobre a república da Avenida Paulista, dos patinhos amarelos.

    O impeachment da Presidente Dilma Rousseff é similar à quartelada do Marechal Deodoro, só que com mais sofisticação. Em vez de fuzis e baionetas, usam a Constituição para apeá-la da Presidência. Mudam-se os personagens e a correlação de forças, mas o transe político é semelhante. Refiro-me a um outro episódio, o impeachment do ex-Presidente Fernando Collor de Mello, em 1992, que, julgado e condenado por esta Casa, mais tarde foi declarado inocente pelo Supremo Tribunal Federal.

    Eu, naquele momento, era Prefeito de Macapá e achava o que todo mundo achava, que era a decisão mais acertada para aquela conjuntura. Não refletíamos sobre as complicações futuras daquele acontecimento. E não poderia ter sido diferente. De um lado, havíamos recém saído de uma prolongada ditadura que mergulhara o País nas trevas do analfabetismo político; de outro, tínhamos uma esquerda remanescente da guerra fria, ainda fortemente influenciada pela reduzida cultura política da ditadura da ex-União Soviética, a do partido único e do centralismo democrático. Pergunto-lhes: que cultura democrática tínhamos, na época, para prever o impacto daquela decisão para o futuro? Difícil avaliar, não é? Mas a verdade é que o futuro chegou e está em nossas mãos: repetir ou não o gesto de 1992?

    A acusação de que a Presidente incorreu em crime de responsabilidade é frágil, quase ingênua, num País como o nosso. No meu ponto de vista não se sustenta. E concluo pela sua inocência. Na verdade, a acusação que deu origem ao processo carece de comprovação. Mas nada disso importa neste momento. O julgamento é político; o formalismo processual funciona como uma espécie de cortina de fumaça, para tentar justificar a rebelião política que poderá levar, no final desta sessão histórica, ao afastamento definitivo da Presidente Dilma Rousseff.

    Estou a cavalheiro para votar contra o impeachment, pois não tive qualquer participação nos governos do PT e do PMDB liderados pela Presidente Dilma. Muito pelo contrário: fui um crítico ácido, principalmente no que tange à política indígena, ao meio ambiente e à reforma agrária. Em contrapartida, reconheci seus acertos.

    Decido em nome da soberania do voto popular; decido pelo que é melhor para a democracia.

    Adianto que, independentemente do resultado do impeachment, daqui a dois ou três meses vamos continuar mergulhados na crise. Talvez mais profunda.

    Essa é uma briga pelo poder, um arranca-rabo entre o PMDB e o PT, que governaram juntos o País nos últimos anos. Andavam de mãos dadas pela Explanada dos Ministérios, ocupando os espaços de poder. De repente, confrontam-se e levam-nos a essa situação sem esperança.

    Repito, eu não tenho esperança em sair da crise pela condução que nós estamos dando nesse momento. Pelo contrário, hoje vivemos um quadro extremamente preocupante. Todos nós presenciamos o acirramento político, o sectarismo que se alastra nas escolas, nas ruas, nos ambientes de trabalho, aqui mesmo no plenário do Senado e até em nossas relações familiares e de amizades.

    Lembro neste momento da crise política que levou à transição da ditadura para a democracia. No dia 25 de abril de 1984, com a rejeição da Emenda Dante de Oliveira pela Câmara Federal, que propunha eleições diretas, o povo ficou fora do acordo de bastidores das elites, que levou à formação da Aliança Democrática, reunindo a Frente Liberal, que apoiava a ditadura, e o PMDB, que lutava pela democracia.

    Essa estranha aliança, sustentada no loteamento de cargos públicos, atravessou o tempo e chegou aos nossos dias. E tudo indica que vai continuar. Esse presidencialismo franciscano do "é dando que se recebe", inaugurado na transição, apodreceu nas mãos da Presidente Dilma. E ela não se deu conta.

    E o Vice-Presidente Michel Temer, tudo indica, não aprendeu a lição.

    Não posso deixar de lhes falar de uma doença congênita das instituições públicas brasileiras, a corrupção. Sobretudo, quero falar de como combatê-la. Temos leis que nos permitem acompanhar e controlar os gastos públicos com muita eficiência. Entre outras, cito a Lei Complementar nº 131, de 2009, de minha autoria.

    Portanto, temos à nossa disposição um verdadeiro antídoto contra a corrupção. Mas não basta a lei. É preciso que você, cidadão, você que nos acompanha nesse momento dramático da vida política brasileira; é preciso que você, cidadão, se mobilize e se organize para exercer o controle social.

    A criação dos portais de transparência de todos os entes federados foi o primeiro passo. Vivemos hoje a era da tecnologia da informação e da comunicação, em que toda a informação, sobre os mais diversos assuntos...

(Soa a campainha.)

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - ...está à distancia de um clique, disponível em qualquer hora e em qualquer lugar.

    Hoje, graças às redes sociais, essa ferramenta digital começa a ser utilizada pelos cidadãos, para o acompanhamento e controle social da execução dos orçamentos públicos. Vivemos os novos tempos da participação popular.

    Por fim, repito o que venho falando desde março: o impeachment, na verdade, não resolve a crise. Insisto na construção de uma saída negociada e pactuada, e essa saída é chamar um plebiscito, para que o povo decida se quer uma eleição para eleger um Presidente transitório, com mandato até 2018.

    Precisamos do povo como juiz, mediador e arbitro definitivo dessa crise, por uma simples razão: estamos em uma sinuca de bico. Mesmo atingida e maculada por denúncia de corrupção, a maioria dos políticos não desapega dos cargos públicos. A Lava Jato comprova isso.

    E, neste episódio em tela, o "toma lá...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª conclui.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP) - A Lava jato comprova isso. E, neste episódio em tela, o "toma lá, dá cá" continua de vento em polpa.

    Pelas razões expostas e pela democracia, declaro o meu voto contra o impeachment.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2016 - Página 117