Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Aécio Neves (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/MG)
Nome completo: Aécio Neves da Cunha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 35
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. AÉCIO NEVES (Bloco Social Democrata/PSDB - MG) - Ilustre Presidente Ricardo Lewandowski; Sr. Presidente do Senado, Renan Calheiros; Senhora Presidente afastada Dilma Rousseff, eu não poderia imaginar - acredito tampouco Vossa Excelência - que, depois de nos despedirmos no último debate presidencial, nos encontraríamos aqui, hoje, no Senado Federal, nessa condição.

    Digo isso porque, acredite, não ajo hoje com nenhum sentimento de alegria ao questioná-la, mas ajo com sentimento da mais absoluta responsabilidade que a minha função de Senador me obriga a manter.

    É exatamente por esse sentimento que começo por fazer algumas referências ao pronunciamento inicial de Vossa Excelência, que, por mais de uma vez, remonta às eleições de 2014, apontando, como causa, talvez, das dificuldades ou do momento delicado por que passa Vossa Excelência, o inconformismo daquele que Vossa Excelência chamou de derrotado nas eleições presidenciais.

    Em primeiro lugar, quero dizer, Senhora Presidente, que não é desonra alguma perder as eleições, sobretudo quando se defendem ideias e se cumpre a lei. Eu não diria o mesmo de quando se vencem as eleições faltando com a verdade e cometendo ilegalidades.

    Vossa Excelência aponta para o Partido que eu presido, ao culpá-lo pela ação iniciada no Tribunal Superior Eleitoral, mas Vossa Excelência se esquece de dizer ao País que foi o Pleno daquele Tribunal, a mais alta corte eleitoral do Brasil, que, por maioria dos seus membros, abriu uma ação investigativa em relação às contas de campanha de Vossa Excelência, por encontrar ali, segundo perícias mais atuais, inúmeras ilegalidades. Portanto, é àquela corte, e não ao PSDB, que, acredito eu, Vossa Excelência deve responder, aliás, como já vem fazendo o seu Partido.

    Por outro lado, vejo que Vossa Excelência recorre permanentemente aos votos que recebeu como justificativa para todas as atitudes que tomou. O voto, sabemos todos, Senhora Presidente, não é um salvo-conduto. Ele é uma delegação que pressupõe deveres e direitos, e o maior dos deveres de quem recebe votos é exatamente o respeito às leis, o respeito à Constituição.

    Mas eu me permito, rapidamente, até nesse passeio pelo retrovisor da história, lembrar-me de dois ou três fatos que possam, de alguma forma, nos trazer ao momento atual. No dia 1º de setembro, há exatos dois anos, em debate em uma rede de televisão, perguntei a Vossa Excelência quais medidas Vossa Excelência tomaria para controlar a inflação, já renitente naquele instante, apesar dos preços controlados artificialmente pelo Governo. Abro aspas para a resposta de Vossa Excelência: "A inflação está próxima de zero, mas sempre tem os pessimistas de plantão." E o que ocorreu? Inflação, em 2015, de 10,6% e, nos últimos dois meses, a de alimento, de 16%, retirando, aí, sim, da mesa do trabalhador aqueles pratos de comida que tão competentemente o seu marqueteiro, João Santana, apresentou ao Brasil.

    Em outro debate, no dia 20 de outubro, questionei Vossa Excelência sobre os baixos índices de crescimento da economia e a necessidade de ações que pudessem revitalizá-la. E citava dados do FMI que apontavam para o crescimento de 0,3%. Vossa Excelência respondeu: "Candidato, eu não sei por que, mas o senhor é muito pessimista em relação ao crescimento do País. Eu não concordo que o Brasil vai crescer 0,3%, candidato. Acho melhor o senhor rever as suas contas."

    Fomos obrigados a rever as nossas contas. O Brasil cresceu 0,1% e mergulhou, nos anos seguintes, na mais profunda recessão da nossa história, trazendo consigo um exército de cinco milhões de desempregados.

    Ainda nesse debate, questionei Vossa Excelência sobre o fato de os bancos públicos não estarem sendo remunerados pelas ações que fazia, em especial o Banco do Brasil, onde já existia um débito de cerca de R$8 bilhões do Tesouro. Vossa Excelência desdenhou e sequer respondeu à minha indagação.

    Portanto, Vossa Excelência está aqui, hoje, respondendo ao Congresso Nacional por ter editado decretos sem autorização do Congresso Nacional e por ter transferido aos bancos privados as responsabilidades que são do Tesouro, em afronta à Lei de Responsabilidade Fiscal.

    Digo a Vossa Excelência, e é o questionamento, Senhora Presidente afastada Dilma Rousseff, que faço: em que dimensão Vossa Excelência e o seu Governo se sentem, sinceramente, responsáveis por essa recessão, pelos 12 milhões de desempregados do Brasil, por 60 milhões de brasileiros com suas contas atrasadas e por uma perda média de 5% da renda dos trabalhadores brasileiros?

    Era isso o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Senador Aécio Neves, eu também jamais imaginaria que depois dos nossos debates todos, durante essa campanha eleitoral, que envolveu o voto de 110 milhões de brasileiros e brasileiras, nós nos encontrássemos aqui, hoje. Tenho certeza, Senador, de que, ao longo de todo o processo eleitoral, nós debatemos e nos respeitamos.

    O que eu tenho dito, afirmei no meu discurso e reafirmo aqui para o senhor, é que, a partir do dia seguinte da minha eleição, uma série de medidas políticas para desestabilizar o meu Governo foram tomadas, infelizmente. Primeiro, pediu-se a recontagem dos votos; depois, pediu-se auditoria nas urnas. Nos dois casos, após um ano, verificou-se que isso não tinha nenhuma irregularidade. Na sequência, Senador, antes da minha diplomação, arguiu-se no TSE e levantou-se a necessidade de auditar as minhas contas. E isso foi feito, Senador. Está em processo.

    Não sei se o senhor se lembra, mas o TSE permitiu a minha diplomação porque não encontrou nenhuma irregularidade no meu processo. Mas essa foi uma questão sistematicamente tornada objeto da disputa política que ocorre no Brasil após a minha posse no segundo mandato.

    Além disso, Senador, quero lembrar ao senhor que também foi aberta contra as suas contas investigação pela Maria Thereza, juíza do TSE.

    Portanto, Senador, não é essa a questão. A partir daí, Senador, sistematicamente, o senhor vem me acusando.

    Eu queria lembrar ao senhor que nós tivemos um ano específico e muito diferente em 2014.

    Só para a gente lembrar alguns fatos. Em 2014, apenas a partir de outubro, acentuando-se depois de dezembro de 2014, mas começa em outubro, há uma grande queda, a primeira grande queda no preço das commodities. Isso vale para o petróleo, para o minério de ferro, vale também para todas as commodities. Impacta a arrecadação na medida em que é através da tributação de lucros que nós temos essa contaminação, no Brasil, pela queda do preço do petróleo e do minério de ferro.

    Além disso, no dia 29, três dias, portanto, da saída... Aliás, da nossa eleição no segundo turno, quando ganhei a eleição do senhor, o que ocorreu? Não tem nada de mal ganhar ou perder a eleição, não tem de mal ganhar e não tem mal perder. Aliás, eu saúdo todos aqueles que participam de eleições diretas, e o senhor é um, e tem o meu maior respeito por isso. Mas, continuando, três dias após a minha vitória nas eleições, portanto, eu tive o segundo turno no dia 26, no dia 29 começa o que se chamou tapering, ou seja, a saída dos Estados Unidos da política de expansão fiscal.

    Qual é a consequência? A consequência é elevação dos juros americanos e desvalorização generalizada das moedas.

    Esse é um processo extremamente comprovável, por quê? Porque não foi só o real, foram todas as moedas atingidas, provocando um efeito na inflação via o câmbio desvalorizado.

    A segunda ação, Senador, foi - não sei se o senhor sabe - o período úmido no setor de energia elétrica no nosso País. Ele começa entre outubro e vai até abril, em geral.

    No caso do Brasil, nós vínhamos de uma situação razoavelmente sob controle. E o que enfrentamos no final deste período úmido, no Sudeste? Nós enfrentamos uma das maiores secas que provocou, como eu já disse antes, por exemplo, a necessidade do contingenciamento da água lá em São Paulo, por meio inclusive do fato de que chegou-se a um volume menor que o volume mínimo necessário para o abastecimento de água.

    Esse fato levou, no caso do setor de energia elétrica, a uma situação gravíssima: os reservatórios que estavam em 42%, um ano antes, caíram para 9%, mas só acelerou essa queda também a partir de novembro, dezembro, e, fundamentalmente, a partir de janeiro. Enfim, todas essas três questões são acentuadas gravemente no final de 2014, início de 2015, para não falar na questão relativa à desaceleração da China, que compromete todos os países emergentes. Enfim, naquele momento, a crise que tinha sido contornada pelos países emergentes ao longo de 2011, 2012, 2013, 2014, inclusive a partir de 2009 e 2010, atinge fortemente os países emergentes.

    Vou lembrar de uma fala do prêmio Nobel, Stiglitz, que diz o seguinte: "A crise no Brasil estava precificada, a crise econômica iria ocorrer, o que não estava no cômputo era uma crise política das dimensões que o Brasil enfrentou". E essa crise política se caracteriza pelo seguinte fato: dois meses após a minha eleição, é pautada a questão do impeachment, é pautada não só pela pauta política da oposição de então, mas também pela pauta jornalística. E essa crise aprofunda de forma acentuada a situação econômica do País também. Ademais, elege-se o Sr. Eduardo Cunha, Presidente da Câmara dos Deputados, com o apoio da atual situação.

    Essa eleição do Sr. Eduardo Cunha a Presidente da Câmara, em fevereiro, produz uma situação complexa para o meu governo. Essa situação complexa se caracteriza pelo fato de que os projetos que nós enviamos para buscar uma saída fiscal para a nossa situação, e lembrando que prevíamos - nós e o mercado, não fomos só nós -, nós e o mercado prevíamos que isso, no final de 2014, íamos ter um crescimento do PIB de 0,8 - nós e o mercado.

    Bom, diante da ação sistemática de praticamente uma ação negativa no sentido de não aprovar as medidas que nós mandamos, ou elas são aprovadas parcialmente ou são rejeitadas.

    Soma-se a isso algo que se chamou pautas bombas. Não fui eu que botei esse nome pautas bombas; pautas bombas é algo que a imprensa criou, o nome que se caracterizava pelo fato de que, ao invés de a gente ter medidas para sanar a questão fiscal, uma vez que caía vertiginosamente a receita, o que se faz é o contrário: aumenta-se a receita.

    Além disso, quero lembrar que agora, no ano de 2016, isso atinge o clímax. De janeiro de 2016 - obviamente o Congresso não estava funcionando -, mas a partir de fevereiro é obrigação do Congresso funcionar. No caso específico da Câmara... Não estou falando aqui do Senado, estou falando da Câmara.

    No caso específico da Câmara, entre a abertura do Congresso até cinco dias antes de eu ser tirada do exercício da Presidência - não da Presidência, mas do exercício - o Congresso não funcionou - o Congresso não, desculpa - a Câmara não funcionou. Quem não funcionou na Câmara? Não funcionou a Comissão de Constituição e Justiça, a Comissão de Orçamento, a Comissão de Fiscalização e Controle. Enfim, todas aquelas Comissões, que os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras sabem que impactam, impactam diretamente a questão fiscal, não funcionaram.

    Algo incrível acontece neste País quando é possível um Congresso ser atingido, porque o Congresso foi atingido. Ao não aprovar na Câmara, não tem como aprovar no Senado. Ao não ser objeto sequer de consideração, porque não tinha comissão funcionando, é algo que mostra uma artificial conduta no sentido de inviabilizar o meu governo. Isso é extremamente grave. E não vi ninguém, principalmente na mídia, ficar estarrecido diante desse fato; esse fato que é, na verdade - isso sim - um descompromisso com a coisa pública.

    Além disso, quero deixar claro, Senador, que respeito o voto direto neste País. Acho que o voto direto é uma grande conquista nossa. Sempre disse que prefiro o barulho das ruas, o barulho das disputas eleitorais, as divergências eleitorais, e, por isso, respeito todos aqueles que concorreram comigo nas eleições.

    Agora, não respeito, Senador, a eleição indireta, que é produto de um processo de impeachment sem crime de responsabilidade. Isso não posso respeitar.

    Posso, Senador, ao longo do meu mandato, ter cometido erros, não ter cumprido tudo aquilo que era esperado de mim. Muitos acreditam que eu não poderia ter ampliado a redução do gasto fiscal, muitos acreditam nisso. Vimos aqui um economista, como Luiz Gonzaga de Mello Belluzzo, que falou em despedalada.

    Essa é uma discussão, Senador, que sinto que é necessário informar aqui que não é uma pauta minha, é uma discussão que emerge da constatação feita por vários técnicos do Fundo Monetário no sentido de que não é possível supor que, pura e simplesmente, a política de forçar a redução do gasto público leva necessariamente à saída da crise.

    Quem discute isso hoje é o Fundo Monetário Internacional, que diz o seguinte: faça-se uma mudança mais flexível no curto prazo e uma mudança olhando mais a reforma no longo prazo. Foi isso, Senador, que pretendíamos fazer. Podemos ter desconhecido o fato de que, naquelas circunstâncias, com aquela forçação política, não conseguiríamos aprovar as medidas necessárias. Mas, as medidas que propusemos, Senador, são aquelas necessárias para este País sair da crise. E mais, falaram aqui que o Brasil é um canteiro de obras.

    É um canteiro de obras que nós nos dispusemos a concluir quando mandamos para o Congresso, no início de 2016, as nossas propostas de alteração do resultado primário de 2016. Por quê? Nós achávamos que se tratava de pagar todas as dívidas. Foi isso o que nós propusemos. Nós não propusemos gastar esse dinheiro, no momento de crise, em outras coisas. Nós propusemos gastar no pagamento dos orçamentos, que nós já tínhamos comprometido, e que, portanto, tinham sido reduzidos, porque a receita tinha caído, o que tornava impossível a execução do orçamento naqueles padrões. Além disso, nós propusemos também um aporte à saúde.

    Então, tudo isso configura uma situação que eu queria dizer ao senhor, não acho - de maneira alguma - que a situação que eu enfrentei, a situação que qualquer Presidente da República enfrentará diante de crises, que são cíclicas, no mundo atual em relação à economia internacional e não só ao Brasil. Que essas flutuações cíclicas podem ser encaradas sem uma cooperação entre os diferentes órgãos do Poder. Não podem, Senador. E, caso se tentem, certamente, o 0,8 que nós e mercado esperávamos no final de 2014, quando começa a queda do petróleo, quando começa a saída dos Estados Unidos, a elevação do Dólar e a redução do valor do Real, nós não podemos aceitar, Senador, que se insista e que se faça a política do "quanto pior melhor". Por quê? Porque eu acredito no direito sagrado da oposição defender uma política contrária à da situação. Ela deve fazer isso, porque isso faz parte da riqueza democrática. O que ela não pode fazer é que, em nome do "quanto pior melhor", impeça, impeça o País, com graves consequências para a população de sair da crise. Isso não é possível.

    Eu tenho clareza, Senador, que se uniram duas forças diferentes, uma força que - não sou eu que digo -, foram gravados falando isso, uma força que queria impedir que a sangria continuasse, com uma força que queria impedir que nós saíssemos da crise. É essa? É essa a grave situação em que estamos, não estamos só à frente dos olhos da população brasileira. Estamos à frente dos olhos de todo o mundo.

    Muito obrigada, Senador.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 35