Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 41
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, Excelentíssima Senhora Presidente Dilma Rousseff, é uma honra recebê-la, e receba a minha admiração por sua coragem, pela coragem de sua presença e pela paciência de responder, em detalhes, a todos que perguntaram. Mas isso tudo não nos afasta da tristeza deste momento. Como diria o poeta: "página infeliz da nossa história".

    Como a senhora sabe, sou uma Senadora que não integrava a Base do seu segundo Governo e inicio a contextualização das minhas perguntas.

    Temos todos, cidadãos e cidadãs do Brasil, vivido dias difíceis e de intensa luta política e ideológica, desde o dia seguinte de sua vitória eleitoral. Para qualquer observador mais atento aos fatos, nesses dias, é como se nós estivéssemos assistindo ao derretimento espetacular de uma geleira. A cada dia, a cada sessão, a cada testemunha, assistimos à insustentabilidade das frágeis teses da Acusação e confirmamos que não há crime de responsabilidade. A autorização legislativa aos decretos foi dada pelo Congresso. Não houve aumento de despesas. Especialistas afirmam: não houve operação de crédito no Plano Safra.

    A condição para a condenação em um processo de impeachment exige a caracterização cabal de um crime de responsabilidade a ser imputado contra Presidente da República; um grave atentado à Constituição. Daí a necessidade da Acusação dizer que seu impedimento seria pelo conjunto da obra.

    Ao que temos assistido, desde então, é a rigorosa observação dos ritos, das formalidades da lei, das regras do processo, enquanto dissolve-se a materialidade das denúncias. Mas uma suposta maioria parlamentar parece determinada a abstrair da Justiça e assenhorar-se do Governo.

    É nessa circunstância que se baseia a afirmação do golpe parlamentar, quando se refutam as supostas provas do crime, e é por isso que o golpe não é contra a senhora e, sim, contra a democracia, porque é resultado, desde o início, de uma trama, uma conspiração, unida a um alto grau de traição de parte de seus ex-aliados.

    E o mais grave é que, no regime parlamentarista, o voto de desconfiança leva diretamente a novas eleições. No nosso caso, praticamente transforma este Senado num colégio eleitoral, resultante das negociações e interesses os mais diversos.

    Usa-se a crise econômica como pretexto para impor um novo programa de governo ao povo, por meio do qual direitos são suprimidos e o patrimônio nacional, entregue.

    Gostaria de ouvi-la sobre dois aspectos: qual a contribuição que tiveram para o agravamento da crise as ações protagonizadas pelo Sr. Eduardo Cunha, até hoje não cassado, e sua base parlamentar, na Câmara dos Deputados, com a aprovação das chamadas pautas-bomba?

    Em segundo lugar, durante os entendimentos que envolveram a definição de sua chapa, o PMDB defendeu profundos cortes nos programas sociais, agora anunciados? E, ainda, a liquidação do Sistema Único de Saúde, que agora já não cabe no Orçamento?

    (Soa a campainha.)

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Presidente, um segundo para que eu possa finalizar.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª ainda tem mais um minuto.

    A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - BA) - Pois não.

    A redução de verbas para a educação, como anunciado? A entrega do patrimônio nacional? Mudanças das regras da previdência pública? Críticas à sua política econômica foram feitas durante a existência dessa aliança, durante o seu governo, antes do seu afastamento? Quais as consequências para o nosso povo dessas medidas?

    Parece-me, Senhora Presidente, que a Ponte para o Futuro foi menos uma ponte para o futuro do povo brasileiro e mais uma ponte para chegar-se rapidamente, e de forma ilegítima, a um governo.

    Muito obrigada.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Senadora Lídice, é de fato um prazer respondê-la e escutar as suas ponderações.

    Eu acredito que nós estamos aqui, todos, para evitar, conforme também disse o poeta, que o nosso povo hoje não olhe de lado nem fale para o chão - uma homenagem a um grande músico deste País, aqui presente.

    Por isso, Senadora, quero dizer à senhora que o voto de desconfiança no parlamentarismo, de fato, leva a eleições diretas de todos os Parlamentares para a escolha de um novo Primeiro-Ministro. No presidencialismo, como não há voto de desconfiança e como o Presidente não pode ficar alheio à sua responsabilidade, há o processo de impeachment. Mas esse processo de impeachment, como eu já disse, requer, exige o crime de responsabilidade. Não cabe um processo só político. Não cabe um processo só político, justamente porque o governante, o Chefe de Estado e o de Governo são a mesma pessoa. E, portanto, para a estabilidade do País, é necessária também uma outra característica: que se cometa um crime para se poder tirar um Chefe de Estado e um Chefe de Governo.

    Essa é uma questão discutida tanto no caso do Brasil como no de todos os países que adotam o sistema parlamentarista, notadamente nos Estados Unidos, de onde tiramos as principais referências para a nossa legislação constitucional.

    V. Exª me pergunta qual a contribuição do Deputado Eduardo Cunha, então Presidente da Câmara. A Contribuição foi a mais danosa possível, Senadora. E era a mais danosa possível, porque vinha sendo já bem danosa quando tentamos aprovar, ainda antes, em 2014, a Lei dos Portos, com todas as dificuldades possíveis, porque o Deputado não queria a aprovação sem contemplar alguns interesses estranhos.

    Além disso, agradeço a este Senado, porque, se essa lei está aprovada, isso se deve à condução desse processo por esta Casa, que a aprovou rapidamente. Obviamente, o Senador Presidente Renan Calheiros teve um papel decisivo.

    Quando o Deputado Eduardo Cunha é eleito Presidente da Câmara, em fevereiro de 2015, o processo de desestabilização parlamentar do meu Governo tem início de forma acelerada. Muito se tem dito, tanto pela imprensa, por vários jornalistas que não primam por apoiar o meu Governo, como também por pessoas integrantes do sistema judiciário, enfim, por várias pessoas, que o Sr. Eduardo Cunha tinha uma relação não muito republicana, quando se tratava de aprovação de projetos.

    No caso do meu Governo, enviamos tanto propostas que implicavam melhoria da execução dos nossos gastos, como uma reavaliação deles e, em outros momentos, uma redução da desoneração que fizemos. Somado ao que nós fizemos, tivemos um corte fiscal, um esforço fiscal, de R$130 bilhões, mas faltou, porque esse corte era feito, sobretudo, por corte de despesa, quando todos os países do mundo, para sair da crise, usam aumentos na arrecadação.

    Não há um único país que não usou aumento de arrecadação ou aumento de dívida para sair da crise. Não houve, nos últimos tempos, repito, nem na Europa, nem em nenhum outro continente do mundo um país que enfrentasse uma crise grave, a não ser, é claro, a Grécia, que teve e sofreu imposições desmedidas.

    Mas continuando, Senadora, o Deputado Eduardo Cunha, de fato, promoveu um grande rombo na nossa capacidade de superação da crise.

    Além disso, outra situação emergiu, repito, no início de 2016, quando a Câmara dos Deputados não funcionou; não houve aprovação de nenhuma medida de fevereiro até dois dias antes da minha saída. Se isso não é um dos maiores boicotes de que se tem notícia na história do Brasil, eu não sei o que é.

    Finalmente, eu quero dizer que nós nos esforçamos por manter os projetos sociais. Todas as medidas que nós tomamos eram de radicalização de uma atitude. E qual era essa atitude? Preservar os projetos. Como? Fazendo uma revisão deles e buscando, de forma sistemática, mantê-los e torná-los mais eficientes. Foi isso que nós fizemos.

    Então, eu quero dizer aos senhores o seguinte: nós enviamos, em fevereiro deste ano, para o Congresso Nacional, uma proposta que, se autorizada, dar-nos-ia condições de completar não só investimentos estratégicos, como é esse investimento na integração do São Francisco, com todas as questões nele envolvidas, que dizem respeito também à recuperação do São Francisco do ponto de vista ambiental e social, mas levou a uma série de atitudes que também seriam, no caso, a questão da saúde.

    Em momento algum nós propusemos cortes, por vinte anos, na saúde nem na educação. Isso é uma temeridade em um País jovem, que precisa, por exemplo, da educação para assegurar ao povo brasileiro, primeiramente, que os ganhos relativos à distribuição de renda, à redução da desigualdade, que nós conquistamos nesses 13 anos, não voltem atrás, sejam permanentes, e é a educação que faz isso. E o segundo fator: é a educação que garante também que nós geremos ciência, tecnologia e inovação. Sem educação de qualidade, nós não vamos assegurar ciência, tecnologia e inovação. Então, acabar com o Fies, acabar com o Prouni, ou reduzi-los - no caso do Pronatec é acabar -, diminuir as dotações para as universidades, tudo isso vai provocar uma decorrência muito grave nas próximas décadas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 41