Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Lúcia Vânia (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 45
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - Sr. Presidente, Ricardo Lewandowski, que comanda esta sessão; Sr. Presidente do Senado, Renan Calheiros; Senhora Presidente. Não me move aqui, Senhora Presidente, nenhuma motivação política, partidária ou ideológica.

    Reconheço as conquistas do governo de Vossa Excelência, como também não posso deixar de reconhecer que Vossa Excelência não hesitou em atropelar os limites da legalidade, no tocante à administração financeira e à legislação orçamentária.

    Cumprimento Vossa Excelência pela força e dignidade com que tem enfrentado o duro embate sobre as contas do seu governo. Reitero aqui, como fiz ao longo de toda a discussão sobre o impeachment, o devido respeito ao processo legal.

    Senhora Presidente, o Ministro Nelson Barbosa, no último sábado, citou o decreto que Vossa Excelência assinou em outubro de 2015. Esse decreto estabelece uma nova regra sobre a contratação de instituições financeiras com o Poder Executivo. Fixou em cinco dias o prazo para o pagamento de débitos devidos pela União junto a essas instituições. O prazo de cinco dias estabelecido no decreto é significativamente diferente do tempo gasto anteriormente pelo Governo Federal para quitar as suas obrigações no Plano Safra, junto ao Banco do Brasil. Vale dizer que, em 2015, o Governo Federal ainda devia ao Banco do Brasil valores referentes a 2008.

    Deixando o passado de lado e falando apenas de 2015, observamos que obrigações devidas a partir de janeiro daquele ano só foram pagas em dezembro, ou seja, passaram-se 11 meses entre a data em que a equalização se tornou devida e o seu pagamento. Esse novo prazo de 5 dias mostra, de forma clara, como os atrasos anteriores eram inconcebíveis. Os atrasos nos pagamentos aos bancos públicos ampliaram, de forma enganosa, o espaço fiscal, pois inflaram, indevidamente, o resultado primário. E esse espaço fictício permitiu a expansão dos gastos primários sem sustentação, mediante a utilização ilegal dos bancos públicos como fonte de financiamento de despesas primárias.

    A maquiagem das contas públicas resultou em um aumento acentuado do endividamento público, causou perda de credibilidade ao País, perda do grau de investimento e crise fiscal e econômica sem precedentes.

    A não compatibilização dos passivos referente à equalização nos bancos públicos e os créditos suplementares se combinam - um para deixar o orçamento mais livre, e outro para conseguir verbas necessárias para executar mais gastos.

    A queda da arrecadação, que reconheço, não foi prevista por grande parte dos agentes econômicos, combinada com o pagamento intempestivo das dívidas com os bancos públicos...

    (Soa a campainha.)

    A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - ... após decisão do TCU, levou a um contingenciamento rigoroso que paralisou programas sociais, interrompeu investimentos e obras de infraestrutura.

    A sociedade brasileira sofre as consequências. Fala-se que a recessão é consequência do cenário externo, da crise política, da Operação Lava Jato, da queda do preço do barril do petróleo. Não tenho dúvidas de que esses elementos tenham contribuído, mas, certamente, a ocultação de uma dívida de R$50 bilhões, que, acumulada, chegou a 1% do PIB, assim como a concessão de subsídios e desonerações fiscais à larga, em um cenário adverso, foram os responsáveis pelo desequilíbrio das contas públicas.

    Diante disso, Senhora Presidente, eu pergunto: Vossa Excelência tinha ciência do comportamento...

    (Interrupção do som.)

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - A senhora tem mais alguns segundos para terminar.

    A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - Vossa Excelência tinha ciência do comportamento dos passivos do Tesouro Nacional...

    (Soa a campainha.)

    A SRª LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - GO) - ... junto ao Banco do Brasil relativos ao Plano Safra em 2015?

    O acúmulo das Obrigações do Tesouro Nacional junto ao Banco do Brasil afetava a capacidade de o governo alcançar a meta de resultado primário?

    Eram essas as minhas perguntas, Senhora Presidente.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - A primeira pergunta, Srª Senadora Lúcia Vânia - também para mim é um prazer responder à senhora -, da senhora é se eu tinha ciência dos passivos do Banco do Brasil junto ao Tesouro Nacional. Então, Senadora, é importante que a gente tenha uma posição. Faço uma preliminar à senhora. Não dá para ter duas atitudes. Se eu contingencio, acabei com o programa fiscal; se eu não contingencio, cometi crime de responsabilidade. Nós temos de acertar o que é para fazer: se é para contingenciar ou não. Essa é uma pergunta preliminar, que deixo a todos os Senadores. Mas se eu tinha ciência dos passivos do STN junto ao BB: jamais, Senadora - veja bem que isso data de 2008 -, em nenhum momento, de 2008 até o dia do pagamento, que foi em dezembro de 2015, houve qualquer obstáculo a essa situação. E aí eu vou explicar como foram os obstáculos que surgiram ao longo do ano de 2015.

    Primeiro, em abril, questiona-se esta política a respeito dos passivos e do resultado primário. O que acontece, Senadora? O TCU proclama uma decisão. Nós recorremos dela por entendermos justamente o que a senhora disse: que seria um peso enorme, numa conjuntura de crise, nós, de forma retroativa, tratarmos algo que vinha desde 2008, passando por 2009, 2010, 2011, 2012, 2013 e 2014. No mínimo, Senadora, há que se considerar que é um princípio legal a não retroatividade da lei. Ela não retroage, Senadora. Daí porque nós pedimos o reexame. Nós pedimos o reexame, porque estávamos inconformados com essa súbita mudança do TCU. Inconformados. Por quê? Até então, nem o Senado nem tampouco o TCU tinham, ao longo do tempo, falado nada para essa metodologia do Bacen, porque, repito, Senadora, a metodologia não é minha; essa metodologia é do Bacen, do Banco Central, e foi aplicada pelos governos anteriores. Então, havia uma mudança.

    Aí, o que acontece, Senadora? Durante o período de abril de 2015 até dezembro de 2016, aliás, dezembro de 2015, leva o TCU um tempo para decidir definitivamente sobre a questão. A senhora há de convir que R$55 bilhões é algo que você tem de considerar para ver como paga. A situação: eles decidem que é para pagar e modificar a forma de registro da estatística. Começa uma discussão de se a gente podia pagar parcelado ou não. Nós queríamos pagar parcelado. Chega um momento, Senadora, em que o risco é imenso de tentar fazer um parcelamento. Então, Senadora, a bem da estabilidade das regras em relação a nós, nós pagamos à vista. Caso, Senadora, nós não tivéssemos pago isso, obviamente a situação fiscal seria maior.

    É por isso que eu digo, Senadora, que não se pode, no meio do jogo, principalmente quando o País enfrenta a dificuldade que nós enfrentamos, mudar as regras não para facilitar, mas para dificultar a execução, para impedir sistematicamente que o País saia desse processo de crise. Asseguro à senhora que isso é algo que não está correto. Não considero correto, não acho correto por todos os critérios de responsabilidade fiscal e de exação fiscal. Então, Senadora, não é possível supor que isso seja diferente.

    No caso de como nós resolvemos pagar, quando eles decidem que temos de pagar, nós adotamos um processo. Vimos que eles estavam adotando esse processo e que ia resultar nisso. Então, do ano de 2015 para frente, o que nós acertamos? Paga-se. Paga-se como? Vence de seis em seis meses. O banco apresenta o pagamento e, a partir daí, são cinco dias para pagar. Mas é de seis em seis meses que vence. É importante sinalizar, porque, caso contrário, vão começar a exigir o pagamento diário, o que é inviável, impossível e insustentável.

    Finalmente, eu quero dizer para a senhora que a meta de resultado primário - eu vou insistir. Já falei e espero que eu não esteja incomodando e aborrecendo os Srs. Senadores e as Srªs Senadoras -, Senadora, é financeira; é financeira desde a Lei de Responsabilidade Fiscal. E eu acho surpreendente que aqueles que defenderam a Lei de Responsabilidade Fiscal abandonem esse critério de meta financeira. A meta, Senadora, é financeira. Nisso não há nada que contrarie o Orçamento. A Constituição prevê que não é possível fazer decretos de crédito suplementar sem autorização legislativa. Daí porque a lei, anualmente, todo santo ano, vai lá e fala o seguinte: É possível fazer os decretos de crédito suplementar - isso é o art. 4º da lei, a LOA - desde que seja compatível com a obtenção do resultado primário. E daí, Senadora, quando não é compatível com o resultado primário, porque você sofre uma queda de arrecadação na proporção que nós sofremos, numa crise profunda que aqui ninguém pode ignorar, nós mudamos a meta fiscal. Nós mudamos a meta fiscal. E tem de ser assim, Senadora, porque uma das questões que hoje se discute na questão das contas públicas, das finanças públicas é o seguinte: você, em momentos de crise fiscal profunda, não tente fazer o ajuste de curto prazo, acentuando o caráter pró-cíclico da queda do investimento. Faça um ajuste de longo prazo, reformas fiscais, e não tente colocar um fator de queda maior ainda da arrecadação quando, além da queda do investimento público, cai o investimento privado. Não sou eu, Senadora, que inventei isso. É fruto, Senadora, do que aconteceu no mundo diante da crise. E vamos lembrar, Senadora, que, além disso tudo que eu falei, até hoje, nenhum país do mundo se recuperou da crise de forma sustentável. Até hoje, nenhum.

    Então, é uma preocupação que deve ser compartilhada por todos nós: como fazê-lo, como levar a recuperação? A voltar com o emprego? E eu tenho muito orgulho de ter tido a menor taxa de desemprego. Um dos fatores é a política anticíclica que nós adotamos e da qual eu tenho muito orgulho.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 45