Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Tasso Jereissati (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/CE)
Nome completo: Tasso Ribeiro Jereissati
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 68
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Sr. Presidente Lewandowski, Senhora Presidente Dilma Rousseff, Srªs Senadoras, Srs. Senadores.

    Presidente Lewandowski, eu primeiro queria confessar aqui que acabei de fazer uma descoberta para mim absolutamente surpreendente: Émile Zola não nasceu na França; nasceu na Paraíba e mudou-se para Nova Iguaçu, o que foi uma grande surpresa para todos nós.

    O Brasil todo reconhece, e não há nenhum Senador nesse plenário, Presidente, que não a respeite por seu histórico de vida. Ocorre que quem está aqui em julgamento não é aquela mulher que enfrentou a ditadura com bravura. Hoje, nesse momento a quem ninguém felicita, quem está sob julgamento é a Presidente da República Dilma Rousseff.

    Vossa Excelência vem hoje a este plenário apresentar a sua defesa e se diz injustiçada, defensora da democracia e, mais ainda, como portadora da verdade.

    Vossa Excelência trouxe ainda a imagem de uma árvore frondosa que está definhando, comparando-a com a economia brasileira, que foi atacada por uma peste daninha, a crise internacional. Vossa Excelência a invoca como causa da nossa tragédia econômica.

    Esse argumento, no entanto, desaba diante dos fatos. Olhando o ano de 2014 por exemplo, o Brasil cresceu zero, o mundo cresceu 3,4, a América Latina cresceu 1,3%. Os emergentes como nós cresceram 4,6%. Pegando um vizinho nosso, que depende também das commodities, cresceu 5,2%. Portanto, não há qualquer correlação entre a crise internacional e a nossa tragédia econômica.

    Voltando à figura da árvore trazida por Vossa Excelência, a sua raiz, a base sobre a qual se sustenta é a credibilidade. E não pode haver credibilidade quando o governo não é transparente sobre os números. Sem esse fertilizante não há como vicejar. Além disso, nossa árvore foi sendo carcomida aos poucos por fungos e bactérias das mais malfazejas: o fungo da corrupção, que se espalhou pelo tronco e quase destruiu galhos robustos como a Petrobras e a Eletrobras; a bactéria da incompetência, que contaminou a seiva daquela antes frondosa árvore, espalhando-se pelos diversos ramos da administração pública.

    A verdadeira gênese da crise brasileira reside, portanto, na falta de credibilidade do governo brasileiro diante da população e do mercado nacional e internacional.

    Vossa Excelência diz também que será um crime se este Senado condenar uma pessoa inocente, que seria uma injustiça o impeachment de uma Presidente da República por tão pouco, minimizando a gravidade dos atos praticados.

    É preciso que os brasileiros compreendam que a verdade é que as chamadas pedaladas, os decretos de créditos suplementares ou o financiamento da dívida por bancos públicos em 2015, prática que se estendeu por anos nos governos petistas, são apenas a ponta do iceberg, aquilo que surge acima da superfície, são apenas parte de um processo que se inicia com a chamada "contabilidade criativa", que foi o instrumento de enganação, um premeditado e ardiloso esquema para mascarar...

    (Soa a campainha.)

    O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - ...os reais dados da economia, escondendo a todos os brasileiros a sua debilidade às vésperas das eleições de 2014.

    Aqui confessou o ex-Ministro Nelson Barbosa, que compartilhou com Vossa Excelência a verdade dos números aqui neste mesmo plenário, entre constrangido e desconfortável, que teve de fazer em 2015 o maior ajuste fiscal da história deste País. Ora, por que impor tanto sacrifício aos brasileiros se a economia brasileira estava em ordem?

    Indo agora objetivamente à minha pergunta, eu gostaria que Vossa Excelência me esclarecesse. Não há notícias de atrasos no pagamento de bancos privados, como o Bradesco, o BTG Pactual, Citibank, que operam linhas de crédito subsidiadas com subvenções econômicas custeadas pelo Tesouro Nacional, pelos documentos...

    (Interrupção do som.)

    O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE. Fora do microfone.) - ...do Ministério da Fazenda.

    Peço-lhe mais 30 segundos, por favor.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - V. Exª quer complementar, não é? V. Exª, por gentileza, complemente.

    O SR. TASSO JEREISSATI (Bloco Social Democrata/PSDB - CE) - Informo que os pagamentos eram feitos religiosamente a esses bancos privados todos os meses. Por que essa diferença de tratamento? Ou Vossa Excelência privilegiava a banca privada, contradizendo todo o seu discurso, ou a Senhora Presidente da República se valeu premeditadamente do seu poder de controle sobre bancos para financiar a dívida do seu Governo, infringindo a legislação, incorrendo, assim, em crime de responsabilidade.

    Muito obrigado, Presidente.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Sr. Senador Tasso Jereissati, vou responder com grande interesse às suas considerações.

    Eu sou, Tasso, Sr. Tasso Jereissati, Senador, a mesma mulher que resistiu à ditadura. Só cheguei aqui por que essa foi a minha trajetória política, como também tenho a certeza de que a trajetória política do senhor é uma trajetória de luta e também de resistência à ditadura. Não sou duas mulheres, sou uma mulher. Por isso, referi-me à minha vida e dela tenho muito orgulho.

    Não falei, Senador, em nenhum momento, que a árvore frondosa era a da economia. Falei, Senador, que a árvore frondosa foi a das conquistas que nós tivemos em 1988, quando estabelecemos o Estado democrático de direito e a Constituição cidadã. Essa árvore frondosa é que pode ser ceifada pelo machado, que foi a imagem e a metáfora que eu fiz, quando se trata de golpe militar, porque você derruba a árvore e, ao mesmo tempo, os galhos das árvores, partes das árvores. O machado ceifa tudo, acaba com o Governo e com o regime democrático. Considero, Senador, que o que caracteriza um golpe parlamentar é o fato que não há esse machado ceifando a árvore. O que há, Senador, é um ataque às instituições, comprometendo as instituições com espécies de fungos e de parasitas que podem corroer as instituições. Por quê? Nós sabemos que, nessa questão, qualquer, qualquer... O mais grave, aliás, dos crimes é condenar uma inocente por um crime que não cometeu, principalmente sendo uma Presidenta da República, e romper a Constituição. Por isso, a literatura chama esses golpes de golpes parlamentares.

    Não há, Senador, em toda a teoria política, em nenhum momento... Golpe de Estado é igual a golpe militar. Golpe de Estado é a substituição de um governo legítimo sem razão, por quaisquer razões que aleguem, tendo em vista a substituição indevida. É nesse sentido que a árvore frondosa é corroída por parasitas. Mesmo não acabando com as instituições, mesmo não impedindo, por exemplo, como nós vivemos, Senador, o direito à liberdade de opinião, à liberdade de expressão, à liberdade de imprensa, enfim, mesmo mantendo os direitos, esse é um processo que, mais cedo ou mais tarde, cobra o seu preço, cobra as suas consequências. E, muitas vezes, ele leva a algumas restrições democráticas, para impedir que os opositores protestem.

    Agora, eu acho, Senador, que nós temos de voltar um pouquinho atrás. Em 2008, como o senhor sabe, dado que o senhor é uma pessoa que tem grande conhecimento nessa área de economia... O senhor sabe que o mundo, a partir de 2008 e de 2009 e se arrastando por um longo período, teve quedas de menos 3%, de menos 4% e até de menos 5% em um ano. Quando, Senador? Quando a crise se abateu de forma muito incisiva sobre os países desenvolvidos. Isso envolveu os Estados Unidos, envolveu a França, a Espanha, Portugal, a Itália, envolveu todo o euro. E esse processo de queda ocorreu de forma defasada. Enquanto isso, o que acontecia? No Brasil, nós fizemos as políticas anticíclicas. E aí, no ano de 2010, quando o mundo caia de forma vertiginosa, nós crescemos 7%, se não me engano. Crescemos também em 2011, 2012, 2013 e 2014. Só que, Senador, a crise atingiu os países emergentes todos. Na China, que tinha uma trajetória de crescimento acima de 10%, caiu para menos de 7%. O único país que teve um desempenho melhor foi a Índia, porque a Índia tinha um problema externo, um problema nas suas contas externas muito sério, que era o petróleo. Quando o preço do petróleo cai, melhora a situação fiscal chinesa. Nós teríamos também uma crise que não passaria dessas proporções que os outros passaram. Nós teríamos uma queda, sim, só que não seria uma queda tão profunda.

    O que nós pensamos, Senador, diante de 2015? Vamos fazer um ajuste. Vamos fazer um ajuste e recuperar. Não podemos mais continuar fazendo política anticíclica. Vamos fazer um ajuste, vamos ultrapassar esse período e sairemos da crise.

    Como eu disse aqui, Senador, nenhuma das nossas propostas foi aprovada integralmente pelo Congresso. Pelo contrário, foi tudo minimizado. Todas as propostas de ajuste que nós enviamos ao Congresso não foram aprovadas na sua integralidade. Pelo contrário, nós tivemos pautas bombas, que, ao invés de nos ajudar a superar a dificuldade fiscal, acentuavam a dificuldade fiscal. A gente pode fazer um levantamento das pautas bombas: elas, se eu não me engano, montam a mais de R$100 bilhões. Junto com as pautas bombas, Senador, há uma instabilidade política de dimensões gigantescas.

    Quando esteve aqui, em uma palestra, o Sr. Stiglitz, que foi um dos prêmios Nobel de Economia, ele disse: "Era inexorável que a crise chegasse ao Brasil." Só que não era necessária essa profundidade. O que explica essa profundidade é a conjugação de crise econômica com crise política. Essa instabilidade é inquestionável, Senador, diante do fato de que a Câmara Federal não funciona. De fevereiro até 5 de maio, não há uma comissão indicada. Se isso não é boicote, eu não sei o que é boicote político.

    Além disso, Senador, junto com esse processo, começa a Lava Jato, investigando de forma forte alguns integrantes da classe política brasileira. Essa investigação leva a um recrudescimento das ameaças a nós. Esse recrudescimento passava pela exigência do Sr. Eduardo Cunha de que nós controlássemos as investigações que recaíam sobre ele. Isso está claro, Senador, não por mim, mas pelas notícias que a imprensa, de forma profusa, colocou, informou e avisou o País.

    Sem sombra de dúvida, eu acredito, Senador, que, se certas medidas tivessem sido tomadas no início de 2015, não é que nós não teríamos crise política, crise econômica. Nós teríamos uma crise econômica menor e dela teríamos saído mais rápido.

    Para o senhor ter uma ideia, Senador, quando na passagem de 1998 para 1999, após as eleições, quando o câmbio fixo é substituído pelo câmbio flexível, móvel, e provoca uma perda de 10% do PIB, o que acontece, Senador? Acontece que o governo do Fernando Henrique Cardoso tinha uma maioria parlamentar que possibilitou que ele, em seis meses, aprovasse um ajuste. Foi isso o que aconteceu, Senador. Comigo, o processo foi de interrupção sistemática do meu Governo. Para o senhor ter uma ideia, dois meses depois da minha posse, o impeachment era tratado em todas as circunstâncias, e a crise não tinha se aprofundado de forma avassaladora ainda. O mercado e nós supúnhamos um crescimento de 0,8%, compatível com o ajuste do País.

    Então, eu não estou querendo, Senador, deixar de lado as minhas responsabilidades. Eu estou falando, Senador, que eu fiz todo o possível e o impossível para impedir que o País tivesse uma crise tão profunda - o possível e o impossível. E o que eu enfrentei, Senador? Eu enfrentei duas coisas: uma sistemática disposição a construir um clima, um meio ambiente propício ao impeachment, um meio ambiente em que, inclusive, chantagens explícitas, como reconhecido pela Acusação, por parte do então Presidente da Câmara, Sr. Eduardo Cunha, tiveram espaço em toda a mídia brasileira, que não prima por ser muito favorável ao meu Governo. Não somos nós que colocamos essas notícias no jornal. Foram os próprios conspiradores que o fizeram.

    Então, Senador, eu quero dizer ao senhor que a perda da credibilidade é responsável, tem na sua responsabilidade também o fato de tentar inverter a relação de causa e efeito. Acham que são os três decretos e o Plano Safra os responsáveis pelo aprofundamento da crise, e não o inverso, quando o inverso... Em qualquer lugar do mundo, a crise econômica provoca queda vertiginosa de receita. Nós tivemos uma perda de R$180 bilhões, e não havia por parte dos Srs. Parlamentares da Câmara nenhuma sensibilidade para aprovar as medidas necessárias para o País sair da crise.

    Se nós continuarmos nessa batida, a crise este ano vai se aprofundar ainda mais, e, no ano que vem, não vai haver recuperação. O que não é possível é essa política do quanto pior, melhor, em que a oposição perde completamente a dimensão dos seus atos e em que pessoas que, um dia antes, eram contra certos tipos de proposta votam as propostas que elas negavam até então.

    Então, quero dar ao senhor uma última informação. O Plano Safra é fundamentalmente financiado pelo Banco do Brasil. Mais de 85% -- eu acho que são mais de 90% - dos recursos são recursos operados pelo Banco do Brasil desde que o plano começou. Dois bancos privados atuam no custeio, dois bancos cooperativos, com valores bem pequenos. No Plano Safra, Senador, há outro banco, o BNDES. O que ele faz? O Finame Rural, o financiamento de máquinas e equipamentos, o financiamento de, por exemplo, pequenos tratores, pequenos equipamentos para a agricultura familiar. O BNDES não é um participante forte no programa chamado Plano Safra. Então, Senador, não é verdade que isso aconteceu nem com o Bradesco, nem com o Banco Pactual. Pode ter acontecido em outros programas, mas, quanto ao que está aqui na pauta sendo julgado, eu informo ao senhor que, sobretudo, substantivamente, quem era o grande financiador e quem é o grande financiador é o BB (Banco do Brasil) e o BNDES Lateral. Os dois bancos cooperativos têm uma parcela muito pequena do financiamento. É a única relação direta que a União tem com um banco privado, no caso do Plano Safra da Agricultura Comercial e Familiar.

    Então, espero, Senador, que eu tenha esclarecido as dúvidas que o senhor externou.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 68