Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.

Autor
Reguffe (S/Partido - Sem Partido/DF)
Nome completo: José Antônio Machado Reguffe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Interrogatório da Presidente Dilma Rousseff sobre o cometimento de crime de responsabilidade.
Publicação
Publicação no DSF de 30/08/2016 - Página 80
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • INQUIRIÇÃO, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, PROCESSO, IMPEACHMENT, CRIME DE RESPONSABILIDADE, REFERENCIA, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.

    O SR. REGUFFE (S/Partido - DF) - Obrigado, Sr. Presidente.

    Senhora Presidente, Vossa Excelência falou muito em democracia. No Estado democrático de direito, quem ganha a eleição assume o governo, mas isso não dá a esse governante uma carta em branco. No Estado democrático de direito, ele tem que cumprir a legislação vigente do país. Ele tem que respeitar a Constituição Federal, que está aqui, a Lei de Responsabilidade Fiscal, a Lei Orçamentária Anual.

    Eu não posso concordar ou aceitar que seja tratado como coisa menor o descumprimento da legislação vigente no País pela Presidência da República e o descumprimento da Lei de Responsabilidade Fiscal, da Lei Orçamentária Anual. "Ah, mas muitos não concordam com a Lei de Responsabilidade Fiscal!". Mas não é uma questão de concordar ou discordar. É a legislação vigente do País.

    O art. 167, inciso V, da Constituição Federal, é claro. Ele diz: "São vedados: (...) V - a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes;". Volto a dizer: são vedados a abertura de crédito suplementar ou especial sem prévia autorização legislativa e sem indicação dos recursos correspondentes. É o art. 167, inciso V, da Constituição Federal.

    Um Presidente da República pode muito, pode muita coisa, mas não pode mudar o significado da Língua Portuguesa. A palavra prévia significa a priori, significa antes do fato, não depois do fato. Então, precisa de uma autorização legislativa antes da edição do decreto, não a posteriori.

    Mudando a meta no final do ano, isso não muda o fato de naquele momento ter tido ali uma edição de um decreto, e um decreto, e alguns decretos que foram feitos sem conformidade com a meta. Mas a Defesa colocou: "se mudar a meta no fim do ano, aquilo passa a estar legalizado, legitimado".

    Ora, então, para que ter meta fiscal na Lei de Diretrizes Orçamentárias? Porque o fato de na LDO ter uma meta fiscal é porque ela precisa ser cumprida, senão não precisava ter meta fiscal, porque, se chegar no fim do ano e não se cumprir a meta, então, chega ali, vê qual é o resultado fiscal e coloca o resultado fiscal. Não precisa ter uma meta fiscal a priori.

    Então, se existe a meta, ela consta da LDO, que é uma lei, essa meta precisa ser cumprida. Não é sério isso de chegar todo final do ano e, aí, se mudar a meta. E eu posso dizer que eu votei contra esse PLN nº 5, que alterou a meta fiscal, como Senador no ano passado. Fizeram até um acordo do governo com uma parte da oposição, mas eu votei contra, porque eu penso que meta é para ser cumprida, e a Lei de Responsabilidade Fiscal precisa ser cumprida. Um governo não pode gastar mais do que arrecada.

    Ou seja, mudou-se uma meta de um superávit de R$55,3 bilhões para um déficit de R$119,9 bilhões. Uma diferença...

    (Soa a campainha.)

    O SR. REGUFFE (S/Partido - DF) - ... de R$175 bilhões do dinheiro do contribuinte brasileiro, e é esse que eu represento aqui, no meu mandato.

    Eu vi aqui alguns falarem com relação ao Governo interino. Eu não faço parte da Base do Governo interino; eu não votei em Vossa Excelência, nem no Vice-Presidente; não tive cargos no governo de Vossa Excelência e não tenho cargos no Governo atual; não fui Base de Vossa Excelência, nem sou Base do Governo interino; eu sou base da sociedade, do que eu acho que é justo, do que eu acho que é certo; não sou o dono da verdade, mas tento fazer o melhor, pensando naquele que eu represento aqui nesta Casa.

    Diante disso, eu queria fazer duas perguntas objetivas para Vossa Excelência. A primeira: Vossa Excelência, ao assinar esses decretos, sabia o que Vossa Excelência estava fazendo?

    (Interrupção do som.)

    O SR. REGUFFE (S/Partido - DF. Fora do microfone.) - Vossa Excelência...

    Só para concluir...

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski. Fazendo soar a campainha.) - V. Exª conclua, por favor.

    O SR. REGUFFE (S/Partido - DF) - Vossa Excelência tinha consciência do que estava assinando ou assinou sem saber?

    E o segundo questionamento: pode um Presidente da República, qualquer que seja ele, desrespeitar a Constituição Federal, a Lei Maior do País? E, se pode, como exigir que um cidadão comum tenha que cumprir as demais leis do País?

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Obrigada pela pergunta, Senador Reguffe.

    Senador Reguffe, ninguém pode descumprir a Constituição do País, muito menos um Presidente da República. E também nenhum Senador da República pode fazê-lo. Nenhum de nós pode descumprir a Constituição. É ela que garante que nós tenhamos uma vida democrática e, ao mesmo tempo, civilizada.

    De fato, Senador, o art. 167, V, veda, sem prévia - e o senhor chamou muito bem a atenção - autorização legislativa, a abertura de quaisquer créditos adicionais suplementares. Ele veda, é proibido sem prévia autorização legislativa. Ocorre, Senador, que, a cada ano, o Congresso aprova uma Lei Orçamentária. Essa Lei Orçamentária diz o seguinte, no seu art. 4º:

Fica autorizada a abertura de créditos suplementares, restritos aos valores constantes desta Lei, excluídas as alterações decorrentes de créditos adicionais, desde que as alterações promovidas na programação orçamentária sejam compatíveis com a obtenção da meta de resultado primário [...]

    Portanto, ela autoriza a abertura.

    Nessa lei, existem, precisamente, 29 incisos - em média, 3 alíneas por inciso. Ela autoriza, então, a abertura de certos créditos - certos créditos! - suplementares que, a cada ano, o legislador - o Deputado e o Senador - define quais são.

    E, ao mesmo tempo, remetem esse controle para a LRF, a Lei de Responsabilidade Fiscal, que eu considero, Senador, a grande peça para assegurar que a Constituição seja cumprida.

    Então, o que é que acontece com essa Lei Orçamentária, essa de 2015? Ela estipula onde o Executivo, em que lugar o Executivo pode abrir créditos suplementares. E diz o seguinte esta lei: que ele pode abrir, em um desses 29 incisos, ou em três, ou em quatro, ou em cinco, e isso tem de respeitar um limite, que também a Lei Orçamentária define. Por exemplo, no caso da educação, esse limite é o seguinte: dado o que a educação tem para gastar, pode suplementar até 100% da dotação específica. Aonde estão essas dotações, Senador? É interessante que os três créditos, os três decretos de crédito suplementar, abrangiam as seguintes questões: 71,8 dos recursos destes decretos destinavam-se ao MEC, que os utilizou principalmente para: aplicação do Enem a cerca de 9,2 milhões de participantes e do Enade a cerca de 500 mil participantes.

    2. Eu vou dar algumas: continuidade da implantação das universidades federais - Unila, Unifesspa, Sul e Sudeste do Pará, e a UFCA, do Cariri; manutenção das universidades federais e dos Ifetes; funcionamento e gestão dos hospitais universitários federais; bolsa assistente estudantil das universidades federais. Os demais 17% foram destinados para vários ministérios, para o Poder Judiciário, para o Ministério da Justiça, para vários outros pequenos gastos.

    Aí o senhor me diria: mas isso impactou, isso é um absurdo, porque mostra o descontrole, editar os decretos de crédito suplementar, e ele vai e impacta, aumenta o gasto. Não, Senador. Porque esse art. 4º submete qualquer abertura de crédito suplementar neste País a ser, desde que compatível com a obtenção da meta de resultado primário. Quem é que assegura a obtenção da meta de resultado primário pela Lei de Responsabilidade Fiscal? Os decretos de contingenciamento.

    Portanto, se alguém aumentou o seu, através de crédito suplementar, um gasto na educação, ele teve de reduzir em alguma outra área da educação. Porque o que o art. 4º de fato permite é uma alteração dentro da rubrica de onde o senhor gastará. Não altera o montante. Tem um jeito de alterar o montante, Senador, se descontingenciar. Porque, se descontingenciar, o limite foi superado. Aí, que é que acontece? É possível supor que o limite, ao ser ampliado, a pessoa vai gastar mais.

    Neste caso dos três decretos, não houve nenhum gasto a maior, não houve. E isso está comprovado pele perícia do próprio Senado. Não sou eu quem está dizendo. Eles comprovam isso. Aí, Senador, quero dizer ao senhor que acredito que a Lei de Responsabilidade Fiscal é o maior instrumento que a gestão do País tem para controlar gastos, para pegar o Orçamento e garantir que esse Orçamento não signifique a ampliação da despesa para além daquilo que foi autorizado. Por que, Senador? Porque só vira, pela Lei de Responsabilidade, gasto quando você coloca dinheiro, quando você paga. Por isso que se diz que se trata de uma meta financeira. É despesa financeira, despesa concreta que é controlada e que não é possível ser ampliada.

    Eu tenho certeza de que uma das piores consequências de tentar colocar a responsabilidade numa hipotética meta orçamentária que ninguém nunca viu é algo extremamente danoso porque a força do decreto de contingenciamento impõe a higidez, a correção do gasto fiscal.

    Além disso, Senador, por mais uma razão: se criminalizarem dessa forma incorreta como a que estão conduzindo em relação à execução orçamentária, asseguro ao senhor que há uma consequência direta que já está aparecendo. O gestor, em vez de colocar a meta que ele deve perseguir, o esforço que ele deve fazer, não vai fazer isso. Ele vai fazer uma meta frouxa, uma meta que não seja uma meta correta, ele vai dar uma folguinha, porque, ao fazer isso, ele não precisa recorrer ao Parlamento e pedir autorização para mudar o decreto. Aí, Senador, o que nós vamos ver é a necessidade de 126 milhões se transmutar em uma necessidade de 170 milhões. Aí, Senador, o que vai imperar é a frouxidão fiscal e não a estabilidade, a responsabilidade fiscal.

    Eu considero muito perigoso não perceber que o grande instrumento de controle, o que se tem de olhar para não ser enganado é o que a Lei de Responsabilidade Fiscal manda: a execução orçamentária e financeira, o gasto, aquele gasto que é real. Não houve, Senador, por conta desses decretos, nenhum aumento a mais. E eu mostrei ao senhor a que eles são destinados. São destinados a isso. É como se o senhor - como deu de exemplo o Ministro Nelson Barbosa - fosse à feira com R$100 para comprar feijão e arroz. No meio do caminho, a sua mulher manda um bilhete: "Compre açúcar porque estou precisando de açúcar". O que o senhor faz? O senhor só tem R$50. O senhor vai reduzir o feijão e o arroz. O senhor não vai comprar mais feijão e arroz. O contingenciamento é isso, é um limite. Você não pode passar de R$50. Se você quer aumentar e colocar em outra coisa, você não pode aumentar o gasto; tem de diminuir em outro lugar.

    É essa a maior eficácia da Lei de Responsabilidade Fiscal. É essa lei que eu acredito que foi - apesar, veja bem, Senador, de o meu Partido não ter votado nela. Foi um equívoco do meu Partido, porque a Lei de Responsabilidade Fiscal criou no Brasil uma forma muito melhor de execução da programação orçamentária e financeira.

    Espero, Senador, que eu tenha respondido a sua pergunta. O senhor me desculpe a ênfase, mas é porque eu acredito nisso.

    Eu quero...

    (Intervenção fora do microfone.)

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Desculpe-me, Senador. O senhor podia repetir? Eu pedi ao Ministro Lewandowski, porque a falha foi minha.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Pois não.

    Eu queria apenas pedir aos ilustres convidados, servidores e demais que se encontram no plenário que, por gentileza, façam o máximo de silêncio possível, porque o som reverbera muito aqui, e a Senhora Presidente está tendo que alterar o tom de voz cada vez. Todos estão percebendo que Sua Excelência está ficando rouca, inclusive. Então, eu peço o máximo de colaboração, mais um pouco de esforço.

    Concedo, novamente, a palavra ao eminente Senador Reguffe para que complete a sua questão rapidamente para que a Senhora Presidente possa responder.

    (Soa a campainha.)

    O SR. REGUFFE (S/Partido - DF) - Não há direito à réplica. É só para repetir a primeira pergunta objetiva que eu fiz: Vossa Excelência assinou esses decretos sabendo o que estava fazendo, tendo consciência do que estava assinando? Ou assinou sem saber?

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - O processo de assinatura de atos da Presidência da República, que são inúmeros, milhares, passa, no caso das questões fiscais, pelo que eles chamam de parametrização do processo. O que é isso? Eles criam uma espécie de protocolo - vou tentar explicar assim, que é como eu entendo. Eu não sou especialista na área, mas é isto. Parametriza. Então, vai passando pelos órgãos jurídicos e técnicos tanto do ministério setorial quanto do Ministério do Planejamento e do Ministério da Fazenda. E aí chega aonde? À Subchefia da Casa Civil da Presidência da República e à Secretaria de Assuntos Governamentais, a Subchefia de Assuntos Governamentais. E, nessas duas áreas, olha-se novamente a compatibilidade, a legalidade e a ocorrência de qualquer irregularidade.

    Todos os decretos chegaram para mim, Senador, com pareceres indicando a absoluta concordância desses decretos com a lei. Eu não assino decretos - e todos aqueles que me assessoram sabem que eu sou extremamente exigente nessa parte - que não tenham esses pareceres. Eu não assino decretos, Senador, para os quais eu não tenha a certeza de que as áreas técnicas que asseguram o funcionamento do governo não deram, de forma clara, de forma explícita, sua concordância.

    E quero sinalizar o seguinte: esses decretos vêm de baixo para cima; eles não vão de cima para baixo. Eles vêm das diferentes áreas técnicas. Então, eles vão passando pela possibilidade do contraditório entre as diferentes áreas técnicas, até que chegam à Casa Civil, e aí a Casa Civil faz uma avaliação detalhada de cada um deles, da sua compatibilidade legal e da sua compatibilidade com outras normas. É assim que acontece.

    Então, a resposta, Senador, é: eu os assinei, e, no momento em que eu o fiz, todos julgavam que eram decretos absolutamente corretos. Por isso, eu os assinei. E não sou eu que digo isso; a própria perícia do Senado diz isso.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Obrigado, Senhora Presidente.

    O SR. JOSÉ EDUARDO CARDOZO (Fora do microfone.) - A senhora quer dar uma paradinha, uma pausa?

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Não, não, eu prefiro continuar, porque daqui a um tempo eu vou perder a voz. É inexorável, mas eu aguento até lá.

    O SR. PRESIDENTE (Ricardo Lewandowski) - Já pedimos um chá para Vossa Excelência.

    A SENHORA DILMA VANA ROUSSEFF - Eu aceito.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 30/08/2016 - Página 80