Discurso durante a 11ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha; comentários sobre os avanços obtidos por meio da legislação e do que ainda precisa ser feito para melhorar a situação da mulher no país, e defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 7/2016, que faculta ao delegado de polícia a possibilidade de decidir pela adoção de medidas de proteção à vítima de violência doméstica antes da decisão judicial.

Autor
Flexa Ribeiro (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PA)
Nome completo: Fernando de Souza Flexa Ribeiro
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha; comentários sobre os avanços obtidos por meio da legislação e do que ainda precisa ser feito para melhorar a situação da mulher no país, e defesa da aprovação do Projeto de Lei da Câmara nº 7/2016, que faculta ao delegado de polícia a possibilidade de decidir pela adoção de medidas de proteção à vítima de violência doméstica antes da decisão judicial.
Publicação
Publicação no DCN de 18/08/2016 - Página 40
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, ASSUNTO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEI MARIA DA PENHA, COMENTARIO, PROGRESSO, RESULTADO, LEGISLAÇÃO, REFERENCIA, REDUÇÃO, VIOLENCIA DOMESTICA, FORMA, MELHORIA, SITUAÇÃO, MULHER, BRASIL, DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), OBJETO, AUTORIZAÇÃO, DELEGADO DE POLICIA, DECISÃO, ADOÇÃO, MEDIDA PREVENTIVA, VITIMA, VIOLENCIA, ANTERIORIDADE, DECISÃO JUDICIAL.

     O SR. FLEXA RIBEIRO (Bloco Social Democrata/PSDB-PA. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Congressistas, autoridades presentes, senhoras e senhores, ao nos reunirmos aqui, hoje, em sessão solene do Congresso Nacional, acredito não estarmos apenas comemorando os 10 anos da promulgação da Lei Maria da Penha. Na minha visão, estamos também celebrando um significativo avanço civilizatório como Nação.

     Ninguém pode negar o fato de que nosso País fundou suas bases em uma cultura preconceituosa e discriminatória, de raízes históricas, da qual o machismo foi apenas uma de suas lamentáveis expressões. Herdamos de nossos colonizadores europeus a terrível noção de que alguns grupos humanos seriam superiores a outros: os brancos seriam superiores aos negros; os homens seriam superiores às mulheres; os dominantes seriam superiores aos dominados.

     O fato de termos herdado essa perniciosa cultura em nada nos exime, pois nossa sociedade foi terreno fértil para o seu desenvolvimento, alcançando um grau de degradação que, arrisco dizer, não teve paralelo nem mesmo nos colonizadores. Nossas bases culturais foram assentadas na violência, seja a violência real, concretizada, seja a violência potencial, que se baseia no medo, na dominação.

     O histórico de dominação do homem sobre a mulher por centenas de anos impediu -- e até hoje atrapalha -- nossa evolução cultural e social para um ambiente em que a mulher seja vista como um ser igual em direitos. Não foi por outro motivo, senão a luta das próprias mulheres, que a sociedade começou a compreender a necessidade de aumentar cada vez mais a proteção da lei sobre as mulheres.

     Em nosso País, nada é mais representativo dessa luta do que a história de Maria da Penha. Por duas vezes vítima de seu próprio marido, revitimizada pelo sistema judiciário brasileiro, que não puniu o covarde agressor, ela teve a coragem e a perseverança de lutar até o fim, chegando a apelar à Corte Interamericana de Direitos Humanos contra a decisão da Justiça brasileira.

     A história da humanidade nos mostra que grandes momentos, muitas vezes, dependem de grandes personagens. Maria da Penha, com sua luta, criou uma ruptura, um ponto de inflexão que levou nosso País ao salto civilizatório ao qual me referia no início deste pronunciamento.

     Após a provocação dessa grande mulher, a Corte Interamericana coagiu o Brasil a criar uma legislação específica contra a violência doméstica. Como resultado, conquistamos um dos mais avançados diplomas de todo o mundo sobre a matéria, a Lei n° 11.340, de 7 de agosto de 2006. Essa norma, em justíssima homenagem, foi batizada como Lei Maria da Penha.

     Talvez hoje nos pareça difícil imaginar, mas, até a sanção da Lei Maria da Penha, os crimes de violência doméstica regidos pela Lei nº 9.099, de 1995, eram qualificados -- pasmem! -- como crimes de menor potencial ofensivo. A lei simplesmente não previa nenhuma medida de proteção à vítima de violência doméstica. Nos raros casos em que um agressor era condenado, a pena não ultrapassava o mero pagamento de cestas básicas a instituições de caridade.

     Assim, não é difícil compreender que a violência doméstica era uma espiral que se retroalimentava, pois a ausência de punição encorajava a reincidência no crime.

     Segundo o IPEA, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada, do Governo Federal, autor da mais abrangente pesquisa já realizada sobre a efetividade da Lei Maria de Penha, ela modificou o tratamento do Estado em relação aos casos envolvendo violência doméstica, basicamente, por meio de três canais: i) aumentou o custo da pena para o agressor; ii) aumentou o empoderamento e as condições de segurança para que a vítima pudesse denunciar; e iii) aperfeiçoou os mecanismos jurisdicionais, possibilitando que o sistema de Justiça Criminal atendesse de forma mais efetiva os casos envolvendo violência doméstica.

     No entanto, o estudo do IPEA aponta que os efeitos da Lei Maria da Penha variaram entre as diferentes regiões do País. Os dados mostram que ela é menos eficiente nos locais onde há menor institucionalização dos serviços de proteção à mulher descritos na lei. Ou seja, é justamente nas regiões mais pobres e mais afastadas, onde há menor presença do Estado, que mais persiste a violência doméstica contra a mulher.

     O mais perigoso gargalo parece residir no tempo necessário para a adoção de medidas protetivas para a mulher que sofre violência doméstica. Devido às conhecidas deficiências de nosso sistema judiciário, é comum tal proteção chegar com atraso, o que muitas vezes pode ser fatal.

     Essa questão, atualmente, está sendo enfrentada pelo Senado Federal por meio da apreciação do Projeto de Lei da Câmara nº 7, de 2016, que, entre outras previdências, faculta ao delegado de polícia a possibilidade de decidir pela adoção de medidas de proteção à vítima de violência doméstica, antes mesmo da decisão judicial. Esse projeto foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, com parecer favorável do Relator, o Senador Aloysio Nunes Ferreira. Após receber emendas em Plenário, a matéria retornou à CCJ. É um tema que merece atenção e urgência por parte do Senado.

     Esta Casa, por sinal, não se tem eximido de sua responsabilidade no que trata do combate à violência contra a mulher. Recentemente, criamos o Observatório da Mulher contra a Violência, por iniciativa da Senadora Simone Tebet, e a Procuradoria Especial da Mulher do Senado Federal, por iniciativa da Senadora Vanessa Grazziotin.

     Também é digno de nota o resultado da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher, instalada em 2012, que apresentou o projeto de lei criminalizando o feminicídio, transformado em lei em março do ano passado. Tais ações mostram que o Congresso está afinado com o sentimento atual de nossa sociedade, que vai no sentido de não mais tolerar qualquer tipo de violência contra a mulher.

     Para encerrar, tomo a liberdade de reproduzir as palavras da Consultora Legislativa do Senado Federal Mila Landin Dumaresq, na conclusão de seu recente estudo Os dez anos da Lei Maria da Penha: uma visão prospectiva. Abro aspas:

No momento em que a lei celebra seu primeiro decênio, entendemos que há, sim, motivos para comemorar. E o mais importante: julgamos que a lei ainda não esgotou todo o potencial transformador da nossa realidade. Há, decerto, muitas perspectivas ainda pouco exploradas de prevenção à violência doméstica, sobretudo no que diz respeito à reunião de dados qualificados sobre a violência doméstica, fundamentais para a formulação e implementação das políticas públicas de enfrentamento; à ampliação dos serviços especializados de atendimento à mulher por todo o Brasil e à adoção de estratégias de prevenção à violência, muitas de eficácia já comprovada em vários municípios brasileiros.

     Tomemos, Sras. e Srs. Parlamentares, essa declaração como uma constante lembrança de que, apesar do muito que já foi feito, ainda há uma montanha a se remover para que sejamos uma Nação livre da cultura e da prática da violência contra a mulher.

     Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 18/08/2016 - Página 40