Discurso durante a 11ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha.

Autor
Lúcia Vânia (PSB - Partido Socialista Brasileiro/GO)
Nome completo: Lúcia Vânia Abrão
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Sessão solene destinada a homenagear o décimo aniversário da Lei Maria da Penha.
Publicação
Publicação no DCN de 18/08/2016 - Página 46
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • SESSÃO SOLENE, ASSUNTO, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, LEI MARIA DA PENHA, COMENTARIO, HISTORIA, LEGISLAÇÃO, FORMA, MELHORIA, SITUAÇÃO, MULHER.

     A SRA. LÚCIA VÂNIA (Bloco Socialismo e Democracia/PSB-GO. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Deputados, Sras. e Srs. Senadores, ouvintes e telespectadores da Rádio e da TV Senado, participamos, neste evento, da justa celebração dos 10 anos de sanção da Lei Maria da Penha, considerada

uma das mais importantes leis criadas no Brasil. De fato, a Lei nº 11.340, de 2006, mudou o destino de milhões de mulheres vítimas de violência doméstica e familiar.

     Cinco anos antes da sanção que lhe deu existência no mundo jurídico, uma mulher, em situação de violência, Maria da Penha Maia Fernandes, aqui presente, protocolou denúncia contra o Estado brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, alegando a tolerância estatal para com o crime cometido pelo ex-marido.

     Levando-se em consideração a cultura machista predominante em nosso País, o gesto de Maria da Penha foi destemido e ousado, capaz de romper estruturas culturais e comportamentais secularmente estabelecidas. Além do mais, abriu caminhos para a mulher brasileira na busca de seus direitos de cidadania.

     No mesmo ano, 2001, a Comissão emitiu relatório, reconhecendo a responsabilidade do Brasil pela violação dos direitos às garantias judiciais e à proteção de Maria da Penha, além da violação, pelo Brasil, da Convenção de Belém do Pará.

     O que é destacável nessa lei foi criação de mecanismos mais severos de punição do agressor e o estabelecimento de medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência.

     Com as mudanças no Código Penal, os agressores não são mais punidos somente com penas alternativas, como o pagamento de multa ou de cestas básicas. A legislação aumentou o tempo máximo de detenção previsto de 1 para 3 anos e possibilitou medidas como a remoção do agressor do domicílio e a proibição de sua aproximação da mulher agredida.

     Tive a honra de ser a Relatora da proposta, o que me facultou a grande oportunidade de me debruçar sobre esse tema que é, a um só tempo, tão delicado quanto corajoso.

     É delicado porque traz à pauta das políticas públicas um problema endêmico, não somente no Brasil, mas em todo o mundo, que é a violência vil e covarde em relação ao gênero feminino. É corajoso porque enfrenta o silêncio envergonhado de uma sociedade e de um Estado que desprezavam por completo o direito (e o desejo) de milhões de brasileiras de sentirem-se seguras.

     Diante de tamanho desafio, procurei fazer uma relatoria democrática, suprapartidária, absolutamente comprometida com os movimentos sociais que antecederam a tramitação do Projeto no Congresso Nacional.

     Somente em 2005, haviam sido registrados 160.824 casos em Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher. Mas esse número podia ser muito maior, pois dizia respeito a menos de um terço das 391 delegacias então em funcionamento no País.

     De posse desses dados, trabalhei de forma articulada com o gabinete da Deputada Jandira Feghali, Relatora do projeto na Câmara dos Deputados, para que a proposta fosse aprovada com a celeridade que exigia.

     O trabalho foi feito de forma célere, com a consciência de que milhares de mulheres em todo o Brasil haviam se envolvido, vindas das mais diferentes entidades, na discussão dos parâmetros de proteção à mulher em situação de risco.

     Mas, ainda hoje, passados 10 anos, chama a atenção, e sensibiliza, o alto índice de violência contra a mulher na sociedade brasileira.

     A realidade revelada pelas pesquisas é assustadora, e nos faz constatar o quão distante estamos de uma situação que seria mais desejável para a nossa sociedade no que diz respeito a preconceitos e à igualdade de gênero e de oportunidades.

     Para mim, uma das principais virtudes da Lei nº 11.340, de 2006, reside no fato de ela ter conseguido mudar aquela mentalidade opaca e amplamente difundida de que os problemas vividos no lar não eram da conta de ninguém. O próprio Estado se mostrava apático, ignorando completamente o problema da violência de gênero, e o assunto não constava da agenda dos governos. Ao mesmo tempo, nas decisões jurídicas, ainda eram sustentadas teses de feminicídio por amor, por paixão, levando à absolvição dos assassinos.

     A Lei Maria da Penha foi, indiscutivelmente, um choque sobre essa visão. Os debates que a antecederam deram maior visibilidade à dimensão verdadeiramente gigantesca da violência doméstica em nosso País, e a publicação da lei aumentou a consciência de que o Estado tem o dever de interferir nesses crimes. A atitude de Maria da Penha de recorrer a uma corte internacional causou o despertar da consciência nacional.

     A partir da conscientização dessa nova legislação, foi criado um ambiente mais seguro para a mulher poder recorrer às instâncias policiais e judiciárias contra qualquer agressão ou violência física, moral, sexual e patrimonial.

     Mas, diante da persistência do quadro de violência contra a mulher, quero falar um pouco sobre o que acredito que podemos fazer para tornar a Lei Maria da Penha ainda mais efetiva.

     Primeiramente, não podemos e nem devemos, jamais, nos acomodar. Não é porque houve um avanço que não é necessário aperfeiçoarmos a legislação. Mas, é preciso ter cuidado com essas mudanças. Precisamos nos debruçar sobre os números e sobre o desempenho da aplicação da Lei e partirmos para um amplo debate público. Qualquer mudança superficial visando facilitar sua aplicação pode desvirtuar os seus objetivos.

     Vejamos o que acontece hoje no País relativamente à aplicação da lei. Tomamos por base São Paulo.

     Das 132 delegacias de defesa da mulher funcionando em todo o Estado, nenhuma presta atendimento 24 horas e todas fecham nos finais de semana.

     Funcionários dos distritos policiais, entre delegacias comuns e especializadas, desconhecem a legislação.

     Medidas protetivas não alcançaram concretude -- grande parte dos agressores as consideram apenas um papel.

     Promotorias estaduais e Tribunais de Justiça mostram que 28 Municípios brasileiros têm policiamento específico para mulheres protegidas pela Lei Maria da Penha, sendo no Brasil há 5.570 Municípios no Brasil.

     Ausência de fiscalização, pela Justiça, das medidas protetivas, que, entre outras ações, podem proibir o homem de se aproximar da mulher ou afastá-lo do lar, e a demora para concedê-las são as principais críticas de especialistas à Lei.

     Muitas vezes uma medida protetiva fica apenas em papel, sem efetividade. Existem casos em que o agressor entra em casa 15 vezes, apesar de ter tido o afastamento definido pela Justiça.

     A busca de amparo dos órgãos públicos enfrenta dificuldades -- há resistência para o registro do boletim de ocorrência.

     Outro desafio que temos de enfrentar para que a efetividade da Lei Maria da Penha se torne maior é, sem dúvida, a necessidade de uma central de informações, um banco de dados -- ou como queiram chamar --, que concentre os dados referentes à violência doméstica.

     Até hoje, o que se tem são informações dispersas, distribuídas em bases de dados, às vezes incompletas, e sobretudo desconexas entre si.

     Temos, por exemplo, o sistema de notificação compulsória dos casos de violência contra a mulher, sob responsabilidade do Ministério da Saúde; o Sistema Nacional de Estatísticas de Segurança Pública e Justiça Criminal, sob responsabilidade da Secretaria Nacional de Segurança Pública, do Ministério da Justiça; além de levantamentos periódicos realizados pelo Conselho Nacional de Justiça, pelo DataSenado e pelo Ligue 180.

     Por causa disso, é promissora a notícia de que o Conselho Nacional do Ministério Público -- CNMP pretende criar o Cadastro Nacional de Casos de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, nos moldes do que já previra a Lei Maria da Penha, em seu art. 26, inciso III. Vamos aguardar com ansiedade a concretização desse cadastro com a máxima celeridade possível.

     Somente conhecendo o problema com abrangência e precisão é que podemos tomar medidas seguramente efetivas para combatê-lo.

     Ao celebrarmos esta data dos 10 anos, temos que bradar que a luta não é apenas das mulheres. É da sociedade brasileira. Espero que cheguem logo os dias em que possamos viver numa sociedade em que a questão de gênero deixe de ser um problema para as mulheres e em que sejamos todos simplesmente cidadãos.

     Vamos seguir por mais 1 década formulando políticas e leis que alterem determinados comportamentos presentes em nossa sociedade, de modo que o País possa avançar em pontos como a igualdade de gênero e de oportunidades iguais para seus cidadãos.

     Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DCN de 18/08/2016 - Página 46