Pronunciamento de Antonio Carlos Valadares em 25/08/2016
Discurso durante a 133ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Defesa da aprovação do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do cometimento de crime de responsabilidade.
- Autor
- Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
- Nome completo: Antonio Carlos Valadares
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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GOVERNO FEDERAL:
- Defesa da aprovação do processo de impeachment da Presidente Dilma Rousseff em razão do cometimento de crime de responsabilidade.
- Publicação
- Publicação no DSF de 31/08/2016 - Página 128
- Assunto
- Outros > GOVERNO FEDERAL
- Indexação
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- DEFESA, APROVAÇÃO, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, ILEGALIDADE, UTILIZAÇÃO, DECRETO FEDERAL, OBJETIVO, ABERTURA, CREDITO SUPLEMENTAR, AUSENCIA, AUTORIZAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, IRREGULARIDADE, OBTENÇÃO, EMPRESTIMO, ORIGEM, BANCO DO BRASIL, BENEFICIARIO, GOVERNO FEDERAL, DESTINAÇÃO, FINANCIAMENTO, PLANO, SAFRA.
O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Parlamentar Socialismo e Democracia/PSB - SE. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o procedimento do impeachment chega à etapa final. Cada senadora e cada senador emitirá seu juízo individual sobre tudo o que foi apresentado até agora. São 81 votos, 81 cabeças, 81 formas de ver esse processo e apresentar as razões dos votos que serão dados, ao final. Apesar dessa pluralidade, a decisão final do Senado Federal só poderá ser uma. E será uma entre duas possibilidades: ou a Presidente da República será absolvida, ou ela será condenada pela prática de crime de responsabilidade.
A defesa da Presidente Dilma tem afirmado que existe um golpe porque não haveria crime de responsabilidade. Ora, por mais respeitável que seja a estratégia da defesa, ela não pode antecipar o resultado do julgamento. Evidentemente, esse debate tomou conta da sociedade brasileira. A discussão sobre se há ou não crime de reponsabilidade tomou o centro do debate público. Vozes autorizadas têm se manifestado em um e outro sentido. Se isso evidencia que há uma dúvida razoável, na sociedade, quanto ao enquadramento dos fatos como crime de responsabilidade, isso também evidencia, com toda clareza, que não estamos, neste processo, cuidando de um “mero pretexto” para derrubar o Governo. Ressalto que a dúvida não recai sobre a existência dos fatos; o que há é uma divergência quanto a sua interpretação. Por isso a Constituição da República atribui ao Senado Federal o papel de tribunal do impeachment. Cabe a esta Casa analisar os fatos, interpretá-los à luz da Constituição e decidir se estamos (ou não) diante de crime de responsabilidade no caso concreto. É assim que funciona desde a Constituição da República de 1891! Não estamos mudando a “regra do jogo” por ocasião deste julgamento. Essa é uma das razões por que não estamos diante de um golpe.
De acordo com a Constituição de 1988, a condenação ocorre se ao menos 54 senadores e senadoras votarem a favor do impeachment, ou seja, a Constituição estabelece que não é qualquer maioria parlamentar que pode derrubar o titular do Poder Executivo. Não é sequer a maioria absoluta. É necessária a maioria qualificada de dois terços dos membros do Congresso Nacional. Dois terços dos deputados para que a denúncia seja admitida e processada. Dois terços dos senadores para o juízo condenatório.
É importante dizer isso porque esse quórum de dois terços se justifica por razões importantes. Ele serve para dar estabilidade ao exercício da Presidência da República, quando o Governo não conta ou deixa de contar com o apoio de uma simples maioria parlamentar. Ele impede, senão dificulta, em muito, a deposição de um presidente quando as razões para seu afastamento não são extremamente graves. E esse quórum de dois terços dá segurança quanto à decisão final tomada, afinal é uma maioria expressiva de representantes do povo que está se manifestando nesse sentido, representantes que também chegaram onde estão com legitimidade obtida diretamente das urnas. Essa é outra razão por que não estamos diante de um golpe.
A decisão final que o Senado Federal adotar será irrecorrível. Significa dizer que não há uma instância superior que possa rever o mérito (o conteúdo) da decisão. Os inconformados até poderão tentar a anulação deste processo no Judiciário brasileiro, assim como já estão levando o caso a instâncias internacionais. É um direito que a própria Constituição Federal lhes garante, como garante a todo e qualquer cidadão pleitear direitos perante o Judiciário. Estou seguro que, no entanto, será um movimento em vão. Nosso Supremo Tribunal Federal, por exemplo, já foi provocado inúmeras vezes a respeito deste processo de impeachment e refutou o discurso do golpe, atestando a regularidade de todo o procedimento, inclusive quanto ao ato de recebimento da denúncia, pelo então presidente da Câmara dos Deputados.
O julgamento do Senado Federal - como todo o processo de impeachment -, é jurídico-político. Ou seja, nem só jurídico, nem só político. Significa dizer que, pelo aspecto jurídico, é preciso haver a comprovação de fatos ilícitos que se enquadrem como crimes de responsabilidade; pelo lado político, fazer uma avaliação da dimensão do dano causado para os interesses do país e da sociedade - e verificar qual das duas soluções possíveis (absolvição ou condenação) será mais adequada para proteger esses interesses daqui para frente.
O impeachment cuida de uma infração que, apesar de ter o nome de “crime de responsabilidade”, não leva o governante à prisão. Trata-se de uma infração de natureza política, como bem nos ensina o saudoso jurista Paulo Brossard. É uma violação às regras e princípios constitucionais mais caros ao funcionamento do Estado brasileiro. O impeachment existe como um mecanismo de defesa da Constituição, de proteção dos valores nela cristalizados, contra o exercício abusivo do poder pelo titular do Poder Executivo. Ele é, por isso, um instrumento fundamental da democracia! O que está em jogo é a responsabilidade política da presidente, e não sua responsabilidade penal. Por isso, os critérios de julgamento não são os mesmos usados por um tribunal judiciário; e, por isso, as sanções aplicáveis pelo Senado Federal são políticas: perda do cargo e inabilitação para o exercício de função pública, por oito anos.
O exercício abusivo do poder, pela Presidente Dilma Rousseff, ficou sobejamente demonstrado ao longo de todo esse processo, notadamente no relatório elaborado pelo senador Antônio Anastasia e aprovado pela Comissão Especial.
Os decretos de abertura de créditos suplementares foram editados sem observar o parâmetro da meta fiscal contida na lei aprovada pelo Congresso Nacional. Tanto o Governo sabia que essa meta já não se realizaria que foi obrigado a enviar projeto de lei para alterá-la. Por mais que a defesa da Presidente Dilma se esforce para separar a questão orçamentária entre aquilo que está na lei e aquilo que se executa na prática, o fato é que a autorização concedida pelo Congresso para o Executivo editar decretos de suplementação orçamentária é bastante clara: a “abertura” desses créditos já deveria ser compatível com a meta fiscal - e a abertura do crédito orçamentário é feita com sua previsão normativa (no caso, o decreto), não com o empenho da movimentação financeira.
No momento em que os créditos suplementares foram abertos, já se sabia que a meta fiscal não poderia ser atingida. Tanto que o Governo já havia enviado ao Congresso Nacional o projeto de lei nº 5, de 2015, para reduzir a meta de R$ 55,3 bilhões (1% do PIB) para R$ 5,8 bilhões (0,1% do PIB).
Ora, a meta fiscal é a sinalização que o Governo dá aos agentes econômicos de que possui compromisso com o equilíbrio das contas públicas, com a manutenção do nível de endividamento do País em patamares adequados a sua capacidade de produzir riquezas. Essa informação é fundamental para as decisões de investimento, pois reflete em variáveis econômicas como a inflação. Por isso, a meta fiscal deve ter credibilidade. Ela não é algo para, simplesmente, ser atingida. Ela só faz sentido se for, a todo momento, perseguida pelo Governo, com seriedade e transparência.
Em relação às “pedaladas fiscais”, como ficaram conhecidas as retenções de repasse, pelo Tesouro Nacional, de créditos dos bancos públicos - aqui considerado apenas o crédito do Banco do Brasil pela operacionalização do Plano Safra -, resta claro que houve um adiantamento, pelo banco público, das subvenções do Plano Safra, configurando operação de crédito proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal.
É certo que o Governo errou ao subdimensionar, insistentemente, uma crise econômica de grandes proporções que se anunciava. Ao não reconhecer a urgência de medidas necessárias para enfrentá-la. Também errou ao criar uma falsa sensação de que a situação econômica do país era melhor do que realmente era, assim como fazer a propaganda de um cenário que simplesmente não existia - e induzir a população a acreditar nesse cenário, durante a campanha eleitoral de 2014. Errou ao esconder o problema e evitar debatê-lo abertamente com a sociedade, como é de se esperar de um governante, em uma democracia. Esses erros conduziram o Governo da Presidente Dilma às opções equivocadas que hoje, aqui, estão sendo julgadas.
Ao invés de agir com transparência, o Governo optou por fazer uso de mecanismos financeiros e contábeis sofisticados, coisas de difícil compreensão para leigo e para o cidadão comum, para fazer com que as contas do País ostentassem números que, na verdade, encobriam a realidade. E qual era a realidade? É que a arrecadação estava em queda, que o Governo não era capaz de controlar os gastos públicos e, para piorar, via-se impotente para construir, politicamente, uma saída para a crise fiscal. Houve uma clara maquiagem das contas públicas. Faltou transparência! Faltou liderança! Faltou o diálogo democrático!
Estamos tratando, aqui, de temas cruciais para a condução da política do Governo! Não são meros atos de gestão, nem mesmo temas da esfera decisória dos escalões inferiores. É o tamanho da dívida pública, é a capacidade de o Governo realizar programas sociais e investimentos, enfim, são essas as questões de fundo que estavam em jogo. A Presidente evidenciou, em seu depoimento, que não estava alheia a tudo isso. Pelo contrário, mostrou conhecer que seu Governo adotava essa prática e, mais que isso, manifestou que concordava com elas, tendo adotado postura diferente apenas após a decisão definitiva do Tribunal de Contas da União. O ilícito, porém, estava praticado.
Ao votarmos a favor do impeachment, não estamos condenando a intervenção do Estado na economia ou a política econômica anticíclica, como aqui já se falou. O impeachment não é uma condenação dessa opção política. Muito menos uma condenação do Plano Safra ou dos programas sociais. Não é isso que se está em discussão.
A acusação é de que houve ilegalidade no tratamento das contas públicas. Não resta dúvida, em nosso juízo, de que a Presidente da República agiu com abuso de poder político, violando a lei orçamentária, as prerrogativas do Congresso Nacional e a Constituição da República, desestabilizando o regime de responsabilidade fiscal do País e atingindo o equilíbrio das contas públicas e a saúde financeira do Estado brasileiro.