Discurso durante a 145ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre a derrota da esquerda nas eleições municipais de 2016, em especial sobre o desempenho do Partido dos Trabalhadores.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
  • Reflexões sobre a derrota da esquerda nas eleições municipais de 2016, em especial sobre o desempenho do Partido dos Trabalhadores.
Aparteantes
Hélio José.
Publicação
Publicação no DSF de 04/10/2016 - Página 16
Assunto
Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
Indexação
  • COMENTARIO, ELEIÇÃO MUNICIPAL, RESULTADO, PERDA, ELEITORADO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOTIVO, CORRUPÇÃO, APARELHAMENTO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS), CENTRAIS ELETRICAS BRASILEIRAS S/A (ELETROBRAS), FUNDO DE PREVIDENCIA, CAMPANHA ELEITORAL, DILMA ROUSSEFF, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, REDUÇÃO, PREÇO, COMBUSTIVEL, ENERGIA ELETRICA, CRITICA, POLITICA EDUCACIONAL, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE, FUNDAMENTAÇÃO, PLANO DE GOVERNO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA, REFORMULAÇÃO, LEGISLAÇÃO PREVIDENCIARIA, LEGISLAÇÃO TRABALHISTA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Hélio, eu gostaria de fazer aqui um longo discurso analisando duas coisas.

    O que aconteceu ontem com a esquerda brasileira? Não vou falar simplesmente do PT. O PT é grande demais para colocarmos apenas sobre ele a responsabilidade do que aconteceu. É de toda esquerda, da qual o senhor e eu fazemos parte. O que aconteceu ontem conosco? Essa é uma parte. A outra: como é que a gente vai fazer ressurgir uma esquerda, outra esquerda?

    Mas juntar esses dois hoje cansaria o espectador que está nos ouvindo. Eu vou fazer a primeira parte hoje, Senador Hélio, e espero fazer a segunda parte amanhã, a parte relacionada a uma outra esquerda, independentemente das siglas. Hoje eu quero entender e fazer uma provocação, Senador Hélio: o que levou o povo brasileiro a enterrar uma esquerda? Eu não disse a esquerda. E eu não disse a esquerda porque esquerda, para mim, significa toda prática política que tem três características: uma, não estar satisfeito com o que está aí ao redor, mas até aí há muito conservador que também não está, muito direitista que está descontente com o ao redor; dois, ter um sonho utópico de para onde ir. Aí muitos conservadores já não entram. Então, já nos diferenciamos. Mas há mais uma terceira que é achar que aonde queremos ir exige a prática da política. E aí existem muitos conservadores, a quem vou chamar de direita - não vejo por que não chamar -, que estão satisfeitos, que até têm uma ideia de para onde ir, mas dizem: “Deixa que as coisas levam. O mercado constrói. Não precisa de política”.

    Eu faço parte daqueles, Senador Hélio, e acho que o senhor também, que têm esses três princípios na prática da política. Estou indignado, não é descontente com o que está aí. E não é o que está aí hoje, não é a corrupção apenas, é a desigualdade, é a ineficiência, é a pobreza que a gente não consegue atender para resolver.

    Eu tenho sonhos, sim. Sonhos utópicos, que mudam, mas tenho sonhos de aonde chegar. Por exemplo, eu tenho, sim, o sonho de que é possível que um dia o filho do trabalhador estude na mesma escola que o filho do patrão. O filho do mais pobre estar em uma escola tão boa quanto o filho do mais rico - e essa escola dos dois, entre as melhores do mundo. É uma utopia, que outros já fizeram, que eu sei como fazer e que eu já disse o quanto custa. E, terceiro, isso exige a prática da política.

    Pois bem, isso continua vivo, isso continua necessário, mas quem representava isso, os grupos, os partidos - no plural, não ponho só o PT - fomos enterrados. É preciso reconhecer isso. Aqui e ali um se salvou, mas coisa específica. No conjunto, o que a gente pode dizer é que ontem o eleitor brasileiro disse: “Cansei dessas propostas.”

    E eu acho, Senador Hélio, que está sendo necessário dizer como é que vai ser a proposta nova que vai substituir essa que foi enterrada ontem. E, para entender qual é, precisamos entender por que o povo enterrou essa proposta.

    O que mais se vê hoje e o que mais tem aparecido é a ideia de que a corrupção foi a causa do enterramento das esquerdas com votos ridículos e não apenas só o PT. E, de fato, a corrupção é a parte mais visível, Pastor Valadares, dessa falência. É a corrupção, é o que mais apareceu. Mas não foi isso. Há coisas mais profundas do que a corrupção junto com o aparelhamento, que é uma coisa só, praticamente: a destruição da Petrobras, da Eletrobras, dos fundos de pensão, a falência do Estado, ao ponto de sermos obrigados a fazer uma reforma na Previdência, que não seria necessária se ela tivesse sido bem administrada e ajustada à realidade dos tempos de hoje. Tudo isso foi o que apareceu, mas há outras indicações, Senador Hélio. Por exemplo, o que levou o PT e os partidos ao redor, a meu ver, a esse enterramento, a esse enterro foi o acomodamento. Nós nos acomodamos. Chegou-se ao poder e disse: "Vamos colocar algumas coisinhas que vão enganar e nos fazer diferentes." E não fez a diferença. Por exemplo, as cotas e as bolsas, duas coisas, aliás, que já existiam quando o PT chegou. Já havia cotas. O Instituto Rio Branco já tinha cotas para jovens negros antes de o Lula chegar. As universidades já estavam - inclusive a minha Unb - implantando cotas, independentemente do Governo. E as bolsas? Claro que já existiam! O senhor me ajudou a criar no Distrito Federal. O Fernando Henrique Cardoso levou para o Brasil. As bolsas estavam aí. Claro que tem que se reconhecer que o Governo Lula ampliou o sistema de bolsas e o sistema de cotas, mas isso não justifica dizer que é uma política da esquerda. Essa é uma política de uma esquerda e de uma direita generosas, que são capazes de gerar mecanismos de transferência de renda, mas não de revolucionar estruturas. Eu vi, quantas vezes, o Lula e o PT dizendo, em campanhas anteriores, que há havia filho de trabalhador na universidade graças à cota. Isso é bom! Mas a revolução não é um filho de um trabalhador, graças à cota, entrar em uma universidade. A revolução é todos os filhos de todos os trabalhadores terem uma educação de base tão boa que eles disputem, em condições de igualdade com os filhos dos ricos, quem vai entrar na universidade. E isso não foi feito.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - É.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Isso seria revolucionário! Não tiveram coragem e se acomodaram. Disseram que já tinham feito a revolução com as cotas e as bolsas que os outros já tinham começado. Esse, para mim, é um item mais grave de um enterramento histórico do que a própria corrupção. A corrupção leva a uma falência política, mas a falência histórica é o acomodamento, porque, se a esquerda se acomoda, por que não votar na direita, que, às vezes, passa a ideia de mais competência gerencial?

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Perfeito.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E aí o gerente ganha com 53% dos votos no primeiro turno em São Paulo!

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - É isso.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Porque o outro lado não aparentava trazer uma utopia uma novidade...

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Um sonho.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... um sonho ainda mais confiável. Este foi um ponto fundamental: o acomodamento. Sobre o segundo ponto o senhor falou aqui no meio do seu discurso em relação a outra coisa: a arrogância.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Perfeito.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - A arrogância de dono do poder. Este é o pior pecado na política: não ouvir críticas, não ouvir alertas. E o Governo Lula e o Governo Dilma... E eu disse aqui exatamente isto: do que mais a Dilma precisa não é de um economista, é de um oftalmologista e de um otorrinolaringologista, porque ela não vê e nem ouve.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Nem ouve.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Não ouvia e nem via. Não adiantava colocar economista, por melhor que fosse.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - É.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Quantas vezes se alertou o Governo de que havia corrupção? Quantas vezes se alertou que se gastava mais do que era possível? Quantas vezes se alertou de que o preço do combustível naquele valor baixo ajudava a ganhar a eleição mas destruía a Petrobras, mais até do que próprio petrolão? Nada disso foi ouvido, nada disso foi visto. Essa arrogância de dono do poder fez com que o PT - e a esquerda com o PT se sentisse dona do Estado. E dono do Estado usa para si.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Com certeza.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - A Petrobras deixou de ser uma empresa do Brasil e passou a ser uma empresa do governo, do governo ou do partido do governo; da patota, pior ainda, porque o partido tinha as suas divisões. Então, as patotas passaram a comandar sem ver nem ouvir e levaram a isso que houve ontem, a esse enterro, que chegaria, se não fosse ontem, daqui a dois anos, a quatro anos, a seis anos. Mas chegaria.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Com certeza. Senador Cristovam, é um aparte bem rápido. Estou com a ex-Deputada Eliana Pedrosa no meu gabinete, para falar comigo, e eu vou ter de ir lá. Eu só queria cumprimentar, mais uma vez, V. Exª e dizer da lucidez da sua avaliação. Realmente, o senhor tem razão. O PT é pequeno demais para a gente colocar... Foram as esquerdas; nós, inclusive, fazemos parte das esquerdas, os nossos ideários é que ontem tiveram uma fragorosa derrota. E nós precisamos repensar. O senhor, em uma época, falou no choque de gestão, no choque de atitudes. Eu acho que é o momento para a gente pensar em um choque político, em um choque de ações políticas para o nosso País. Então, quero ser solidário a V. Exª, no que o senhor fala, por causa da abrangência e da realidade da situação, dando-lhe um forte abraço. Eu vou ter de me retirar, mas o Valadares está aqui conosco.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu peço um minutinho só...

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Pois não.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... para o ponto seguinte; só para dar um exemplo, porque o senhor tem alertado sobre isso.

    O Sr. Hélio José (PMDB - DF) - Está o.k.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Depois de falar na corrupção e no aparelhamento, que é o mais visível, do acomodamento e da arrogância, para mim, o que é grave e que leva ao enterro das esquerdas que estão aí é a perda de sintonia com o espírito do tempo. Essa não é uma expressão minha. Essa é a expressão de algum filósofo. Esse é o chamado espírito do tempo. E a esquerda, por ter aquelas três qualidades, ou melhor três características: descontentamento com o que está aí; sonho para o futuro; e política... Esse sonho para o futuro tem a ver com o espírito do tempo. Você tem que ouvir o que o tempo está lhe dizendo, para onde quer que o mundo vá. Quando o senhor defende a energia solar, o senhor está em sintonia com o tempo. E o PT e a esquerda perderam essa sintonia. Ao contrário, passou a considerar que isso não valia a pena, ficou reacionário.

    Senador Hélio, eu conversei com o Presidente da Companhia de Eletricidade de Brasília, da qual o senhor é engenheiro, no governo anterior. E ele ria quando se falava em energia solar. O argumento? "É cara". É cara hoje, mas é a única que no futuro será barata e é a única viável para sempre, até pelo menos que o Sol acabe, e aí já não importa mais nada.

    Foi reacionária essa esquerda que foi enterrada ontem. Ela ficou reacionária em relação às transformações que estão acontecendo no mundo. Por exemplo, não entendeu o que é uma coisa chamada globalização e que, depois da globalização, tudo está entrelaçado. Não se pode ter aqui uma lei de previdência que não leve em conta o resto do mundo, senão as empresas não vêm para cá; elas vão para lá. As leis trabalhistas de hoje têm a ver com a globalização ou ficam estéreis, não funcionam, Senador Valadares.

    A esquerda que temos aí é incapaz de trazer uma proposta clara de como ter uma boa relação trabalhista na época da robótica. Aí preferiu proibir robôs. Quase, não estou dizendo que proibiu legalmente, mas não conseguiu trazer uma proposta de como a robótica pode fazer uma sociedade melhor. Só olhou o lado de que poder fazer pior. É verdade! Mas não se pode impedir. É uma marcha. E a marcha da história tem que estar a favor de um partido que se considere de esquerda. Se não, ele não é de esquerda. Quando a esquerda se contrapõe à marcha da história, deixa de ser esquerda, porque a história não tem jeito. Imaginem Marx contra a história! Marx era o mais radical defensor de se colocar a sociedade em sintonia com a história, a história da industrialização, da primeira revolução industrial. Agora estamos na terceira, e aqui as pessoas não souberam entender. Por isso, ficaram contra as reformas trabalhistas, previdenciárias, e vão acabar... Foram enterradas.

    Outro é a percepção dos limites fiscais. Fecharam os olhos para uma coisa chamada aritmética. Ninguém pode fechar os olhos para a aritmética. Dois mais dois é igual a quatro. Aí, inventaram que dois mais três... Só tem quatro. Só tem quatro, vamos supor, trilhões, mas gastam cinco. Como pode gastar cinco com quatro? Sabem como? Dizendo que cinco só valem quatro. É inflação. Você põe cinco, mas só vale quatro, 20% de inflação. É isso que a gente quer? Mas é isso que foi feito. O povo entendeu. O povo sofreu 10% de inflação no ano passado. E isso repercutiu no enterro da esquerda que nós temos aí ao redor do PT.

    Da mesma maneira, não se entendeu o esgotamento do Estado. O Estado não tem mais condições de cumprir todas as funções que cumpriu ao longo do último século e meio. Esgotou. Chegou-se ao ponto de termos que escolher se o Estado faz estrada ou faz escola. Não dá mais para fazer as duas coisas. Então, a gente vai ter que escolher o que privatizar, porque ou privatiza isso ou privatiza isso, ou faz meio a meio, e aí fica com estradas ruins e com escolas ruins, que é o que a gente tem. Por que a gente tem estrada ruim e escola ruim? Porque se inventou que só o Estado poderia fazer esses dois. Vamos ter que escolher o que é do privado e o que fica no Estado.

    Vamos colocar o dinheiro da gente em educação, em saúde, em segurança, e buscar dinheiro no mundo inteiro, inclusive com a globalização, para fazer as estradas, as centrais de energia, para fazer aquilo que o setor privado usa, inclusive, privadamente, cada um de nós quando toma uma estrada e paga um pedágio. A escola é que tem que ser grátis; a estrada talvez não. As pessoas escolhem se querem uma estrada ruim de graça ou uma estrada boa pagando pedágio. Agora o governo diz: "Não vamos fazer estrada pelos próximos dez anos. Vamos fazer escolas". Não souberam disso. Por quê? Porque ficaram prisioneiros de uma visão de um século atrás de que o Estado é que resolve os problemas da sociedade.

    E pior, Senador: não perceberam que o Estado hoje ficou a serviço da elite, dos sindicatos, dos trabalhadores, dos políticos. O Estado perdeu a capacidade de ser sintonizado como sinônimo de público. Houve um tempo em que ser estatal era ser público. Hoje, não mais: existem coisas estatais que não servem ao público; servem aos seus trabalhadores, servem aos partidos políticos. A Petrobras foi privatizada para o partido que estava no poder. Nós precisamos voltar a atender ao interesse público, e às vezes o interesse público vai ser atendido pelo Estado; às vezes, pelo setor privado; e, muitas vezes, por uma parceria público-privada.

    A esquerda foi enterrada ontem, porque não entendeu isso, porque reagiu a esse espírito do tempo de que o Estado se esgotou e que a gente vai ter que combinar, porque os recursos são limitados. A gente esqueceu isso. Aí o povo não perdoou, o povo enterrou.

    Outro problema foi cair no eleitoralismo e no imediatismo. Um exemplo: baixar o preço do combustível para ganhar voto. Aí, passou a eleição, teve que aumentar. O povo não perdoa isso. A mesma coisa com a energia elétrica. Lembram? Ficou 30% a menos a energia elétrica faltando quatro meses para a eleição.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E 30% de aumento quatro dias depois da eleição. O povo não perdoa esse imediatismo, esse eleitoralismo.

    Por isso, ontem o povo enterrou essa esquerda. É erro dizer que só o PT foi enterrado. Não. Não foi, não. Fomos todos nós que nos consideramos desse bloco que defende que o presente não está bem; que o futuro aonde queremos chegar é uma utopia, que nós sabemos como; e que é a política que faz. Isso é a esquerda. Pode chamar de vermelho, pode chamar de azul, pode chamar de redondo. "Esses são os políticos redondos", ou "quadrados". Pode chamar com outro adjetivo. Eu não tenho outro, continuo chamando de esquerda, diferentemente da Senadora Marta, que disse durante a campanha que nunca foi de esquerda e pagou um preço alto por isso.

    Nós precisamos de duas coisas, Senador. E aí vou tentar terminar, porque quero voltar a isso, talvez amanhã. Primeiro, é reconhecer que, sim, o povo enterrou as nossas propostas ditas de esquerda, representadas sobretudo pelo PT, mas não foi só o PT. Não surgiu nenhum no lugar, não surgiu. O eleitor não migrou do PT para outros grupos de esquerda. Meu Partido, por exemplo, o PPS: não, não foi, até caiu também no eleitorado. O povo enterrou esse conjunto de políticos que pensam: "eu sou de esquerda". Fomos enterrados, mas o povo que enterrou precisa outra vez de uma esquerda, porque, se ficar na mão dos conservadores: 1- os conservadores dizem que tudo está um paraíso; 2- há os que dizem que está ruim, mas eu não sei qual é o sonho utópico...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - 3- está ruim, eu sei o sonho utópico, mas deixa que o mercado constrói. Esses não vão consertar o Brasil nem com "c" nem com "s". Nem vão fazer um concerto de maestro na política para nos unir, divididos como estamos, nem o conserto com "s", de pôr as coisas para funcionarem, nem digo como um relógio, mas como um barco no mar.

    Não vão. Nós vamos ter de trazer uma proposta, mas uma proposta, e aí eu termino, que traga qual é o papel do Estado no mundo contemporâneo. Não é a estatização, mas saber qual é o papel. Quais são as relações trabalhistas de hoje, em tempos de trabalho precário, em que se contrata por seis meses e depois não se precisa mais, o que é uma realidade, porque as especializações mudam tão depressa que às vezes se precisa e às vezes não. Portanto, a ideia de estabilidade por 35 anos não cabe mais, não existe mais, porque em 35 anos o mundo vai ser tão diferente que as profissões de hoje não existirão. Então, como eu posso exigir estabilidade numa profissão que não vai mais existir daqui a dez anos?

    Como fazer a Previdência ser permanente, porque, como ela está vai acabar, por duas coisas simples que aconteceram: nós, felizmente, vivemos mais anos do que quando a Previdência foi organizada; e, não sei se felizmente ou não, temos menos filhos hoje do que tínhamos antes. Menos filhos na base e velhos vivendo mais, não tem como a Previdência permanecer. Vamos ter de fazer com que ela permaneça.

    Nós vamos ter de trazer com clareza uma proteção ambiental tão radical que deixemos de fabricar aquilo que é depredador da natureza.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O automóvel é uma dessas coisas. Vamos ter de diminuir a dependência em relação ao automóvel. Não é apenas fazer leis para proteger a quantidade de CO2 que sai do cano do carro, mas como ter um sistema de transporte público em que não se precise disso.

    Nós vamos precisar, e aí talvez seja o mais difícil, Senador, defender a austeridade. Quando eu comecei a ler, a estudar, muito consumo era coisa de burguês, mas a esquerda adotou a ideia de que todo mundo tinha de consumir muito. Eu, quando estudei, jovem, minhas leituras dos filósofos de esquerda não eram de defensores do consumismo. Eles chamavam isso de burguesia, de comportamento burguês, de pequeno burguês. Eles defendiam a vida com austeridade, a vida feliz. Eles defendiam o bem-estar, não defendiam a riqueza, e, sim, o bem-estar. Quem escreveu o livro sobre a riqueza foi Adam Smith, antes de Marx. Nós não trabalhamos com a ideia de riqueza, mas de não pobreza, de bem-estar, de eficiência. Precisamos descobrir o valor da austeridade.

    A gente precisa de uma nova esquerda que seja capaz de respeitar o valor da austeridade. Em vez de PIB grande, bem-estar elevado. Essa é a diferença de uma nova esquerda que o povo, provavelmente até ainda inconscientemente, porque todos nós ainda estamos sem clareza, deve estar defendendo quando enterrou a esquerda velha. Ontem o povo, o eleitor, enterrou uma esquerda, mas o povo precisa de outra esquerda.

    O povo não enterrou dizendo "eu quero a direita para sempre". O povo votou dizendo "eu quero uma nova esquerda". Ainda que não diga, pensa. E a prova disso: 40% de abstenção, voto nulo e voto em branco. Ou seja, o povo não está muito contente com aquele em quem ele votou.

    Na verdade, ontem foi uma disputa em tamanho do descontentamento. Votou-se naqueles com os quais o descontentamento era menor, porque não há mais aqueles com quem o contentamento seja maior. Este é o desafio: que discurso, que propostas para aumentar o contentamento do eleitor em 2018, 2022, 2026 etc.? O que propor, mostrar, que traga outra vez sonhos, contentamentos, a partir da indignação com tudo isso que está aí, mas um sonho de algo novo? Ontem o povo votou com a indignação com o que está aí. Agora, a gente precisa trazer o povo para votar com o sonho do que pode vir. E isso só virá pela política.

    Eu concluo realmente dizendo o seguinte, Senador, para quem estiver ouvindo: o Brasil está doente. E a medicina do País é a política. Quando eu fico doente, eu vou ao médico. Mas, quando o País fica doente, nós todos temos que ir à política. Lamentavelmente, a política não está agindo bem, porque ela também está doente. Só há um jeito, então: vamos substituir os que fazem a medicina da história...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... a medicina do País, que é a política. Vamos mudar os políticos. Mas, para isso, temos que escolher entre aqueles que vão trazer propostas novas, com raiva e indignação com a realidade que está aí, com sonhos claros sobre para onde levar e dizendo como fazer, para que se chegue lá.

    E eu vou voltar a este tema, Senador, tentando trazer aqui o que eu acho que deve ser o papel do Estado, as relações trabalhistas, a reforma da Previdência, todas essas reformas que, a meu ver, são necessárias para retomar, ressurgir a capacidade do povo brasileiro de sonhar ao redor dos seus políticos. Vai ser difícil. Apenas eu vou tentar.

    É isso, Sr. Presidente.

(Durante o discurso do Sr. Cristovam Buarque, o Sr. Hélio José deixa a cadeira da Presidência, que é ocupada pelo Sr. Pastor Valadares.)

    O SR. PRESIDENTE (Pastor Valadares. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RO) - Queremos agradecer a V. Exª por esse brilhante discurso que só traz edificação e, com certeza, somará para o bem-estar da nossa Nação, do nosso Estado e do povo brasileiro.

    Que Deus continue abençoando-o com essa direção, que, com certeza, vai dar certo. É por aí que a gente deve olhar e agir.

    Muito obrigado pela vossa participação.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/10/2016 - Página 16