Discurso durante a 151ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
Aparteantes
Cristovam Buarque, Lindbergh Farias, Valdir Raupp.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2016 - Página 18
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, REGIME FISCAL, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, REFERENCIA, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Senador Paim, que preside os trabalhos de hoje. Quero aproveitar para cumprimentá-lo pela sessão que realizou aqui pela manhã com a Justiça do Trabalho, muito esclarecedora. Infelizmente, eu não cheguei a tempo de participar, mas consegui ouvir pelo rádio algumas colocações. Parabenizo V. Exª.

    Quero cumprimentar aqui os Senadores e as Senadoras, quem nos ouve pela Rádio Senado e nos acompanha pela TV Senado e dizer que não poderia ser outra a minha fala hoje que não sobre a PEC 241, que está sendo discutida e votada pela Câmara dos Deputados.

    Lamento, inclusive, que não tenhamos sessões ordinárias aqui da Casa e que tenhamos emendado, digamos assim, o feriado, para não haver sessões ordinárias deliberativas, porque acho que nós poderíamos ajudar muito nessa discussão e na compreensão do que está acontecendo no Brasil em relação à PEC 241, que é muito preocupante.

    O que acontece? Estamos vendo um discurso do Governo de que tem de reduzir as despesas, porque elas estouraram; que isso teve impacto na economia do Brasil; que teve impacto nas finanças públicas, e que, portanto, esse descontrole das despesas ocasionou todos os problemas que estamos vivendo.

    Esse diagnóstico está errado, Senador Paim. Nós não tivemos um estouro das despesas. Aliás, se formos ver as nossas despesas em relação ao PIB, mesmo com o PIB caindo, aquelas despesas que nós chamamos de custeio, de manutenção com a máquina pública e até de salário dos servidores têm se mantido constante em relação ao PIB desde 2002, 2003. Nós não tivemos uma explosão de despesas. As despesas da área social foram as que mais cresceram: despesas com saúde, com educação, com Previdência, com assistência. Mas isso era uma determinação da Constituição de 1988 que o Presidente Lula e a Presidenta Dilma colocaram, de fato, em execução.

    As desigualdades neste País sempre foram muito grandes. Se o Estado brasileiro não tivesse um mínimo de proteção - ou o que a gente chama o mínimo de bem-estar social -, não conseguiríamos corrigir as mazelas que nós tínhamos em relação à maioria do povo pobre do Brasil.

    O que nós tivemos recentemente, Senador Paim, não foi um aumento - vou repetir -, não foi um aumento da despesa. O que nós tivemos recentemente foi uma queda abrupta da receita. Por quê? Por conta da crise econômica. O que aconteceu? O mundo entrou em crise; os nossos parceiros comerciais compraram menos do Brasil, deixaram de ter suas relações comerciais no montante a que nós estávamos acostumados, e, portanto, tínhamos as divisas e as nossas arrecadações; tivemos uma depreciação cambial; e isso tudo impactou no orçamento. Então, se nós formos ver, a queda da receita é muito mais acentuada do que o aumento de despesa, o que é normal numa situação como essa que nós vivemos no Brasil. Ou seja, é um país que precisa investir em programas sociais e precisa ter investimento.

    Nós estamos usando o remédio errado para a situação. Estamos cortando despesas quando, na realidade, numa situação de crise em que o sistema privado não consegue gastar, empresário não gasta, famílias não gastam, quem tinha que gastar é o Governo. Nós vamos entrar num círculo vicioso, o que vai ser pior.

    Então, eu fiquei muito impactada com a campanha que o Governo fez para aprovar a PEC. Primeiro, é uma campanha milionária, nos veículos de comunicação, para tentar justificar a necessidade da PEC. Ora, se a PEC é tão boa assim, não precisava de uma campanha milionária. Agora, fiquei sabendo que até em cima dos Deputados do PMDB há pressão para que eles votem a favor, porque, se não votarem, podem ser suspensos do Partido, expulsos e perderem o mandato. Nada que seja bom para o Brasil precisa ter uma ameaça desse nível. As pessoas compreendem o que é bom para o País e votam o que é bom para o País. O problema é que isso não é bom para o País.

    E a campanha do Presidente Temer, no final de semana, foi feita candidamente, dizendo o seguinte: o Governo é como a casa da gente, é como uma família; só pode gastar o que arrecada. Primeiro, o Governo não é uma família. E, se o Governo for fazer economia exatamente quando as famílias estão fazendo economia, eu quero saber quem é que vai colocar dinheiro para circular e melhorar a economia do País! O que acontece hoje? As famílias passam por momentos de crise. Então, é natural que enxuguem o seu orçamento, gastem apenas o essencial, e aquelas que tiverem alguma sobra, guardem essa sobra para fazer poupança. Essa poupança que sobra das famílias, ou mesmo das empresas que não investem, que estão já administrando na boca do caixa, acaba sendo aplicada onde? Acaba sendo aplicada em títulos públicos, porque é assim que o sistema financeiro funciona. Inclusive, o dinheiro de poupança, que nós temos lá, o sistema financeiro aplica, reaplica, trabalha com ele. Títulos públicos, o que são? Captação de recursos pelo Governo da sociedade para manter as coisas equilibradas, certo? Se o Governo captar esses recursos da sociedade através dos títulos públicos, pegar esses recursos e majoritariamente pagar a dívida ou pagar juros, ele vai estar esterilizando esses recursos. Por quê? Porque estará tirando da circulação ou vai colocar nas mãos de poucos que trabalham com o mercado financeiro.

    A capacidade multiplicadora, por exemplo, de pagamento de juros, em termos de recursos recebidos, é de 0,8, ou seja, cria-se menos dinheiro quando se aplica para pagar juros e dívida. A capacidade multiplicadora do consumo, quando se investe na sociedade, em programas da sociedade, é de mais de 1,5%, ou seja, está-se ampliando uma vez e meio por cento aquele dinheiro que foi posto em circulação. É assim que funciona.

    Então, o que acontece? Estamos, na sociedade, hoje, com as famílias com dívidas, fazendo exatamente uma restrição orçamentária, com as empresas sem poder investir, e agora estamos fazendo o Governo retirar dinheiro de circulação.

    Aí, pergunto: quem é que vai pôr o dinheiro em circulação? Porque não é só no Brasil. Em qualquer lugar do mundo, quando há uma crise no setor privado, a quem se recorre? Aos governos. Não há outro ente para se recorrer. Quando os bancos quebram, a quem eles recorrem? Ao governo. Quando o Lehman Brothers quebrou nos Estados Unidos, onde o sistema financeiro foi buscar dinheiro? No governo, que emitiu títulos, captou da sociedade e pagou a conta do banco.

    Então, o que estamos fazendo agora? Não temos uma crise do setor bancário, mas nós temos uma crise do setor social, nós temos uma crise na área de investimentos, nós temos uma crise na área de produção. Seria muito mais correto e sensato o Governo, neste momento de crise, expandir, ainda que momentaneamente, o seu déficit e garantir circulação de recursos do que também puxar o freio de mão, porque vamos, na realidade, parar a economia do Brasil. É isso que vai acontecer.

    Há uma coisa aqui, Senador Paim, que é muito grave, que peguei agora, no relatório aprovado pela Comissão, que são as sanções. Então, toda vez que houver descumprimento do limite individualizado, passado o limite estipulado pela PEC, há algumas sanções. Deve-se parar de gastar; não pode aumentar servidor; não pode uma série de coisas.

    Mas há um aspecto colocado pelo relator que me preocupa muito e diz o seguinte: "fica proibida, se extrapolar o teto, a adoção de medida que implique reajuste de despesa obrigatória acima da variação da inflação, observada a preservação do poder aquisitivo".

    Isso é uma antecipação do que eles querem fazer na Previdência Social, porque a Previdência é uma despesa obrigatória. O salário mínimo de quem é aposentado é corrigido pelo salário mínimo de mercado, ou seja, a inflação mais a variação real.

    O que ele está dizendo aqui é o seguinte: se extrapolar o teto, automaticamente o salário dos aposentados vai ser apenas reajustado pela inflação.

    Vamos voltar a ter, Senador Cristovam, que me está escutando aqui, cidadãos de segunda categoria, como tínhamos antes da Constituição de 1988.

    Lembro-me até hoje do discurso do então Presidente da Câmara, que presidiu a Constituinte, Deputado Ulysses Guimarães, dizendo assim: um País que quer desenvolver-se não pode ter cidadãos de primeira e de segunda categoria. Todos têm o direito de ganhar pelo menos o mínimo, o salário mínimo.

    Acho que V. Exª se lembra também, Senador Paim, de que tínhamos gente ganhando metade do salário mínimo na Previdência Rural. Nós acabamos com isso!

    Então, estamos falando aqui de voltarmos a ter cidadãos que vão ganhar menos do mínimo. Isso não é certo! Não é justo! Lutamos muito para garantir o salário mínimo para a população. Se querem mexer em outras regras da Previdência, têm de vir aqui e discutir as regras da Previdência.

    Agora, fazer isso de maneira sorrateira, fazer isso sem explicitar para a população e dizendo que isso é apenas gastar o que se ganha e o que se arrecada? Governo não é família, governo não precisa de salário, não vai atrás de salário, de emprego; governo tem que agir quando as famílias e a sociedade, na iniciativa privada, estão quebradas. Senão, não há justificativa. Se ele age assim para banco, por que não vai agir assim para a área social?

    É muito preocupante o que está sendo votado hoje na Câmara e com uma justificativa simplista, quase cândida, de dizer: "Não, mas tem que haver equilíbrio. Está se gastando muito, tem que cortar o que está se gastando". Não é por aí, nós precisamos rever essa posição.

    Queria também falar sobre a saúde e sobre a educação. Hoje nós temos um orçamento da educação de R$61 bilhões. Se aprovar a PEC, esse orçamento da educação, em 2018, vai ser de R$54 bilhões, porque, pela regra que o relator colocou, ele vai usar a base, que são os 18%, reajustável. Hoje a gente já aplica quase 25% das nossas receitas líquidas, não é a corrente líquida, em educação. Nós vamos ter, sim, uma redução.

    Assim também como a saúde. O relator falou o seguinte: "Eu já vou garantir os 15% da saúde em 2017, que estavam previstos só para 2020". É mentira, porque nós já estamos aplicando 15% este ano, já estamos aplicando 15% da receita corrente líquida em saúde em 2016. O nosso orçamento, este ano, é de R$102 bilhões para a saúde. E, para que haja a variação da inflação para o ano que vem, teria que elevar para R$110 bilhões, que é o que vai ser feito, porque, para continuar com 15% da receita corrente líquida para a saúde no ano que vem, nós teríamos que ter, no orçamento de 2017, que já está nesta Casa, não R$110 bilhões, mas R$113 bilhões.

    Então, não pode o relator apresentar um projeto e mentir com os números, tem que ser leal, tem que ser real, explicar para a população, porque, senão, fica muito fácil. Faz uma campanha publicitária e bota todas as entidades patronais, todas estavam lá. Não tenho nada contra as entidades patronais, nem contra os patrões, mas não havia um trabalhador aprovando, apoiando essa PEC, dizendo que tem que fazer isso - e, principalmente, o sistema financeiro.

    Aí, eu pergunto: qual é a relação dívida e PIB ideal para um país? 20%, 30%, 10%, 60%, 70%? Não, nunca ninguém falou, nem Fundo Monetário Internacional, nenhuma organização internacional de economia. Nós não temos o ideal de relação dívida bruta e PIB.

    O Brasil foi um dos países que menos aumentou sua dívida bruta depois da crise de 2008. Nós tínhamos, em 2007, uma relação de 64% com o PIB (Produto Interno Bruto), a nossa dívida bruta equivalia a 64% do PIB; em 2015, a 68%. A França tinha 64%, foi para 97%; a Espanha tinha 36%, foi para 99%; a Argentina tinha 44%, foi para 56%. Qual é a relação mágica?

    Nós vamos colocar todo o esforço de arrecadação que nós tivemos daqui para frente, para os próximos 20 anos, para reduzir a relação dívida e PIB? E, aí, quando nós tivermos uma dívida a 20% do PIB, mas já tivermos acabado com País - porque nós não vamos conseguir aumentar recurso para educação, para a saúde, para a agricultura, para a assistência social, para a ciência e tecnologia ao mesmo tempo -, nós vamos dizer: "Bom, agora que está a terra arrasada, a gente vai voltar a ter investimentos e ter operação de crédito".

    Não é sensato, é insano o que nós estamos fazendo com o País, com um discurso simplista. Não posso ver isso e achar que está legal, que está correto, porque não está.

    Concedo um aparte ao Senador Cristovam.

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Senadora, vamos aqui fazer um debate meio abstrato, porque não vou defender - nem tenho procuração - o Governo. Entretanto, tenho preocupação com este País na tentativa de entendermos as coisas - e posso estar equivocado -, de tal maneira que salvemos o Brasil. A sensação que tenho... Gostei da sua expressão "cidadão de segunda classe", contra a qual V. Exª luta. O que é cidadão de segunda classe? Por exemplo, para mim, cidadão de segunda classe o Brasil teve, Senador Paim, por muito tempo: são aqueles que vivem sujeitos à inflação. No Brasil, os que têm uma renda acima de um certo valor, e conhecimento, e acesso sempre conseguiram se beneficiar e se proteger da inflação. Veja bem, eu disse duas coisas: proteger-se e beneficiar-se. Os pobres, não. Os pobres, que vivem sob inflação, são tratados como de segunda classe. Não podemos deixar que eles continuem como cidadãos de segunda categoria, por isso é preciso ter estabilidade monetária. Para mim, como de segunda categoria, segunda classe estão sendo tratados 12 milhões - 12 ou 14 - de desempregados. Esses são, hoje, tratados como de segunda classe, Senador Raupp. Os que têm salários têm salários desiguais, mas são da primeira classe, primeira categoria; os que não têm estão sendo tratados como se fossem abandonados. Temos que garantir para eles a volta do emprego. Segunda categoria, para mim, serão aqueles que não receberão aposentadoria no futuro, nenhuma, ou que receberão uma aposentadoria depredada pela inflação. Serão os que mais vão sofrer. Então, para mim, para haver uma sociedade em que não haja primeira e segunda categorias de cidadão e cidadã, é preciso não haver inflação, é preciso haver emprego e é preciso haver uma aposentadoria garantida. Eu, pessoalmente, acho que, se não fizermos algumas reformas profundas, se continuarmos agindo como temos agido ao longo dos últimos 60 anos, com alguns períodos menos ou mais - não é uma questão do governo que terminou, é cultural no Brasil, em que gastamos mais em educação, mais em saúde, mais em estrada, mais em portos, e nada de bom fazemos, e ainda aumentamos a dívida, e provocamos inflação, querendo investir em tudo -, vai precisar haver prioridades. O limite dos gastos no seu total vai provocar algo a que o Brasil não está acostumado, prioridade. É claro que vamos poder aumentar gastos em saúde, mas vamos ter que tirar de algum lugar. E, aí, vamos cair na real. Todo mundo diz que é a favor da educação, porque quer mais dinheiro em educação, quer mais dinheiro em estrada, quer mais salários dos marajás que este País tem, e, aí, não vem, ou vem com inflação. Agora, a gente vai ter que dizer que quer mais dinheiro para um gasto e que quer menos gastos em outros setores. Todo mundo diz que acabou esquerda e direita, não foi? Pois vai voltar esquerda e direita agora, quando houver um teto de gastos, porque a esquerda vai querer gastar no social, e a direita vai querer subsídio. Ontem, vi, saíram três páginas da Fiesp apoiando o teto, porque apoio, mas quero ver se aqueles empresários não vão querer aumentar os subsídios para eles. Deixe-os querer e eu vou querer acabar com os subsídios e colocar na educação. Vai voltar a haver um debate e isso vai ser bom para a política. Se nós não administrarmos a Previdência, vamos ficar, e nossos filhos, sem aposentadoria. E, se nós não fizermos o pagamento da dívida ou de parte da dívida, ou não deixar que ela exploda, não volta o emprego, porque a taxa de juros não baixa. Já se tentou baixar a taxa de juros. A Presidente Dilma baixou, teve que voltar atrás pouco depois, porque ela carrega certas características reais, que não dependem da vontade de um presidente. Nunca critiquei a Presidente Dilma pelos juros altos, nunca! Eu acho até que não devia nem ser ministro o Presidente do Banco Central, isso é uma decisão deles, porque ela carrega algumas coisas. Aí, a sua afirmação, corretíssima, de que a relação dívida e PIB, em outros países, é maior, mas sabe por quê? Porque eles têm mais credibilidade do que nós. Quem tem credibilidade consegue juros baratos, quem tem credibilidade consegue se endividar. Quem não tem credibilidade, para se endividar, tem que pagar juros estratosféricos. E nós carregamos, em nossa história, razões para o descrédito internacional. Fizemos duas moratórias...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... em pouco tempo, duas moratórias! Não se esquecem os donos do dinheiro de que este País já fez moratória, como a Argentina também. Fizemos inflação permanente, ninguém esquece que este é um País que tem, em sua alma, futebol e inflação. Isso pesa muito na credibilidade. Hoje, com a globalização, existe capital no mundo por aí querendo ir para algum lugar, mas eles vão para onde der lucro, não adianta a gente ficar com raiva, porque eles são capitalistas, o dinheiro é deles, eles vão escolher para onde vão, onde houver rentabilidade. Essa rentabilidade depende das leis trabalhistas, depende da Previdência, depende do nosso déficit, depende da nossa dívida, depende da taxa de juros. Nós precisamos recuperar a credibilidade, Senadora, e isso vai exigir passarmos o recibo de que temos responsabilidade.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Cristovam Buarque (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Vou terminar. E responsabilidade, para qualquer gestor, seja o pai de família, seja o empresário, seja o governante, é não gastar mais do que arrecada e escolher onde gastar o que arrecada. Eu estou pronto aqui para brigar, para colocar mais dinheiro no social, mas eu não quero aqui defender que se gaste mais do que se arrecada, porque aí vem a inflação e estaríamos mentindo. A gente aumenta e tira de volta. Diz: "Vou aumentar 20% no salário". Aí, vem uma inflação de 20% e rouba os 20%. O Brasil precisa cair na real - não é no real, é na real. E a real é redescobrirmos a lei da aritmética, na qual dois mais dois são iguais a quatro, e discutirmos aqui politicamente para onde é que vão esses quatro, mas não prometer gastar cinco, se só temos quatro.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador Cristovam, mas eu vou deixar um desafio para V. Exª, para que o senhor me diga um país no mundo que gaste exatamente o que arrecada. Se o senhor me trouxer isso dito, com cálculo mostrado, dou razão a esse discurso. Isso não existe nos Estados nacionais.

    Desculpe, por mais que seja um discurso bonito, ele é simplista, ele não coloca a complexidade do que significa Estado e do que significa governo, portanto, não pode ser assim.

    Então, eu lhe deixo este desafio: se V. Exª trouxer aqui um Estado nacional que gaste só o que arrecada, que não tenha problema de dívida, nós vamos concordar com isso.

    Todos os Estados nacionais se desenvolveram fazendo de forma diferente. Não pense que foi assim com os Estados Unidos, de gastar só o que arrecadava, não pense que foi assim com os países europeus. Esses países são muito mais antigos do que nós, já construíram a sua infraestrutura, já construíram o seu estado e bem-estar social.

    Nós estamos engatinhando; por isso que é difícil.

    Quero também dizer a V. Exª o seguinte: a inflação fechou em setembro em 0,08%. Vou repetir: 0,08%. Por que a taxa de juros Selic não baixa? Nós não temos uma inflação de demanda. Onde as pessoas estão demandando e comprando? Onde há consumo neste País? Tanto não tem consumo que não tem emprego; tanto não tem consumo que está tendo desemprego. Qual a inflação que nós tivemos? Nós tivemos uma inflação por conta do câmbio, que agora está se ajustando - e o Banco Central está usando o câmbio novamente para derrubar a inflação, que é uma medida populista e perigosa -, e tivemos também os preços administrados. Aí eu acho que nós tivemos muita culpa, sim. Culpa da Presidenta Dilma, inclusive, com o Joaquim Levy, que deixou fazer o reajuste de uma hora para outra, tudo junto. Foi ruim. Aí este Governo, que diz que vai consertar, vai piorar a situação e mantém juros de 14,25% mesmo a inflação tendo caído. Essa inflação não é de demanda, essa inflação é de outro elemento que tem a ver, inclusive, com a questão cambial. Então, nós estamos dando o remédio errado. Nós vamos nos arrepender por isso.

    A questão do aumento da dívida que nós temos. Desculpe, esse aumento da dívida exponencial não foi para financiar programa social nem Previdência; esse aumento grande da dívida que nós tivemos foi para manter nossas reservas. Nós temos reservas de R$300 bilhões. Não sei se V. Exª sabe, remuneram as nossas reservas com juros americanos, que estão, por exemplo, quase negativos, e nós temos que pagar a taxa Selic. Então, está aí a diferença. Grande parte da dívida bruta é composta aí do custo da reserva, é a diferença na taxa de juros; depois, dos swaps cambiais, que agora estão revertendo um pouco. Então, não tem nada a ver com emissão de título para financiar programa. De novo, vamos errar.

    E aí, por final, do impacto dos juros. Sabem quanto é a conta de juros neste País? R$400 bilhões. Em 2011 e 2012, nós comprometíamos do PIB 4% com juro; hoje, nos comprometemos 9%. Então, de onde aumentou a despesa? De onde aumentou? Não foi esse o aumento da Previdência, não; não foi esse o aumento da educação, não; não foi o aumento do governo que trouxe essa crise. Desculpe-me, vocês não estão querendo ver a realidade. Nós estamos fazendo um ciclo vicioso, vamos correr atrás do rabo, que é pegar mais dinheiro da sociedade, para pagar mais juro para fazer mais especulação. O Brasil pode baixar, não precisa de 14,25% para trazer capital, está trazendo capital internacional. Não estou reclamando disso. Nós estamos com muito capital aqui. Também, com essa taxa! Qual é o outro país que tem taxa parecida? Se o Brasil baixasse cinco pontos percentuais na sua taxa de juros, ainda assim continuaria o País mais promissor de aplicação financeira, Senador Cristovam, e continuaria tendo. Nós não temos problemas de capital estrangeiro aqui; o nosso IED é positivo. Não é disso que eu estou falando, é do setor produtivo de que eu estou falando. E se tirar dinheiro para investir no setor produtivo, nós não vamos recuperá-lo.

    Eu também fiquei pasmada: vi lá a Abimaq assinando aquela nota nos jornalões, via Associação da Indústria da Construção Civil.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Quer gente que ganhou mais subsídio que esses na veia para poder levantar e para poder empregar? Eles empregaram porque o governo fez esforço, Senador Cristovam. Eles empregaram porque nós fizemos um programa chamado Minha Casa, Minha Vida, que utilizou recursos públicos, porque senão o setor de construção civil do Brasil não tinha se levantado. Assim como a Abimaq conseguiu empregar porque nós subsidiamos, sim, a compra de máquinas e equipamentos; nós pusemos ônibus escolares para todas as escolas; nós compramos tratores e motoniveladoras e distribuímos para as prefeituras. Foi dinheiro público, Senador Cristovam - desculpe -, porque este País não tem uma demanda que possa assegurar a oferta que eles querem dar para ter lucro também, para concorrer com a Selic.

    Nós temos um erro no setor produtivo brasileiro, que continua querendo taxa de retorno igual à do setor financeiro. E como nós temos uma Selic alta, bom, não vai para o capital produtivo, vai para a especulação. Está errado o que nós estamos fazendo. O Lula acertou quando disse que tinha que pôr dinheiro na mão do pobre.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Reduzir salário mínimo é injusto. É injusto. Eu não sou a favor de salário de marajá, não.

    Aliás, há uma PEC minha na Comissão de Constituição e Justiça, que esta Casa não teve coragem de aprovar, que colocava um limite, um teto para os salários públicos. E está lá rolando aquele negócio. Foi um dos primeiros projetos que apresentei quando cheguei aqui, exatamente porque eu acho que nós não podemos ter castas na sociedade, porque eu acho que não pode haver diferença. Não dá para termos um salário exorbitante para o Judiciário e para os Parlamentares, e outro para a população.

    Então, fazer ajuste fiscal em cima do salário mínimo é uma sacanagem, é uma crueldade. Isso não vai garantir o equilíbrio da Previdência Social. Nós vamos tirar dinheiro de circulação, porque o cara que ganha salário mínimo, que é aposentado, vai gastar na farmácia do bairro dele, na venda do bairro dele.

    O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - V. Exª me concede um aparte?

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Ele vai colocar o dinheiro onde as pessoas estão circulando. Agora, se eu pago juros, estou colocando dinheiro na mão de meia dúzia de pessoas que vão continuar especulando com o capital financeiro.

    Concedo um aparte, Senador Raupp.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Se o Presidente puder conceder mais dois minutos para a Senadora, eu não vou gastar mais do que um. Senadora Gleisi, nós estivemos por muito tempo do mesmo lado. Eu sempre falo que nós, durante treze anos - já vai fazer quinze anos que estou aqui no Senado Federal -, apoiamos o governo de que nós éramos aliados, que era o governo do Presidente Lula e da Presidente Dilma. E o melhor homem que o Presidente Lula tinha, na minha avaliação, na sua equipe econômica, era o Henrique Meirelles, que foi Presidente do Banco Central durante oito anos. E o maior erro da Presidente Dilma, com todo o respeito, foi ter tirado o Henrique Meirelles do Banco Central e não tê-lo colocado no Ministério da Fazenda. Se naquele momento em que o Guido Mantega estava dando sinal de cansaço, até por problema de doença na família, com todo o respeito que tenho por ele, tivesse saído e tivesse entrado no seu lugar o Henrique Meirelles no Ministério da Fazenda, talvez a economia do País, no governo Dilma, tivesse ido bem.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Valdir Raupp (PMDB - RO) - Então nós temos hoje, no Ministério da Fazenda, repito, o melhor homem da equipe econômica do governo Lula, que teve um bom momento, um bom período de crescimento, de geração de emprego, de geração de renda, de distribuição de renda também às famílias mais pobres. Então, já que o Joaquim Levy, a quem V. Exª se referiu, nos enganou durante pouco mais que um ano, dizendo que se o Congresso aprovasse as medidas que ele mandou para cá o Brasil voltaria a crescer - nós aprovamos, e isso não aconteceu -, então, neste momento, eu creio que nós devemos dar um crédito de confiança ao Henrique Meirelles, que é um grande craque na área econômica, respeitado nacionalmente e internacionalmente, para fazer a economia voltar a crescer. E todos os institutos econômicos já estão dando conta de que o Brasil crescerá, no ano que vem, de 1,3% a 1,5%, podendo crescer até 3% em 2018, se o Congresso fizer as reformas que temos que fazer. Então, acho que nós não temos outra saída. Ou é fazer, ou é o Brasil continuar afundando da forma que estava afundando. Obrigado a V. Exª.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador.

    Para encerrar também, porque meu tempo já está esgotado, eu só queria dizer, Senador Raupp, com toda a admiração e o companheirismo que tenho por V. Exª - de fato, estivemos no mesmo lado por um bom tempo -, que nós não temos salvador da pátria. Nem o Joaquim Levy seria, e nem o Ministro Henrique Meirelles será. Ele administrou o Banco Central numa outra conjuntura e numa outra realidade do País e do cenário internacional.

    Portanto, aplicar agora as mesmas regras que ele tinha lá não vai dar certo, porque a conjuntura é outra. Lá nós tínhamos um momento de prosperidade, então nós podíamos fazer superávit primário de 3,5%, como nós fizemos.

    Aliás, não houve nenhum ano do Presidente Lula em que nós tenhamos feito déficit primário. Começamos o déficit agora em 2014. Veja, porque mudou a conjuntura internacional, mudou o cenário, mudou a realidade. E nós estamos usando o mesmo modo de administrar financeiramente. Não vai dar certo. Vai dar errado - desculpe - com toda a credibilidade que possa ter o Sr. Henrique Meirelles no mercado nacional e internacional. Vai dar errado, porque nós não podemos usar o mesmo remédio.

    E também não é verdade que nós aprovamos todas as medidas da Presidenta Dilma. Algumas nós aprovamos, outras nós não aprovamos. Houve uma pauta-bomba que veio da Câmara. Tivemos muitas dificuldades. O Congresso Nacional quase que impediu a Presidenta de governar por esse ano e pouco. Foi difícil, porque era impeachment, recontagem de votos, era tudo menos resolver problema de economia.

    E também não concordo com as medidas do Joaquim Levy. Por isso mesmo que eu estou dizendo aqui que nós não podemos insistir nessas mesmas medidas.

    E, para terminar, eu queria só fazer um alerta que é o seguinte: nós temos uma medida que vai congelar e reduzir as despesas do Governo por vinte anos. Qualquer governante que entrar, Senador Raupp, qualquer um que for eleito Presidente da República não vai poder mexer nas finanças públicas, porque ele só vai poder ter o que gastou no ano anterior, reajustado pela inflação. Aí, o Senador Cristovam me disse: "Não, mas pode, sim, tirar de um lado e colocar para a educação, para a saúde". Vai ser escolha de Sofia - acho que V. Exª assistiu a esse filme -, a escolha dura. Cortar?! De onde você vai tirar? Da agricultura? Por exemplo, hoje os subsídios da agricultura são muito grandes, tanto da agricultura empresarial quanto da agricultura familiar. Subsídio é o quê? É dinheiro para esse setor se desenvolver. Então, eu vou ter que escolher se eu vou aplicar na educação ou vou tirar da agricultura. Nós vamos deixar de ter decisão política neste País. Vai ser decisão tecnocrata. Melhor seria nós fazermos concurso público para Presidente da República, Governador de Estado, para Prefeito. Aí eu acho que as coisas ficariam mais simples. Você pega um manual bem técnico, diz assim: "Olha, eu tenho um tanto de receita, aplica em tanto e pronto. E não quero saber as consequências que isso traz para a humanidade, para a população, para os mais pobres".

    Eu acho muito ruim o que está acontecendo e acho muito ruim a postura do Governo em tratar esse tema com a rapidez que está tratando. E vão fazer isso na Câmara. Isso vai ser um erro para o Brasil, vai ser um erro para o nosso desenvolvimento econômico. E quem vai pagar a conta não será o pessoal de cima, porque a gente sabe que esse pessoal de cima faz lobby aqui no Senado. Então, não adianta, Senador Cristovam, dizer assim: "Ah, eu não vou aprovar subsídio aqui". Quero ver quando vier aqui a Associação, empresários, quando vier a CNI. Quem é que aguenta?! Não aguenta aqui uma pressão do Judiciário para aumentar salário do Ministério Público! Ninguém aguenta. O senhor sabe disso. Só quem não vem aqui é quem ganha aposentadoria de um salário mínimo. E nós vamos cortar deles. Isso é uma crueldade sem precedentes.

    Eu vou encerrar, mas vou deixar meu 1min17 para ser usado pelo Senador Lindbergh.

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Vou ser bem rápido, viu, Presidente Telmário. Eu cheguei na parte em que V. Exª disse que são os mais pobres. Porque, tudo bem, temos que enfrentar um problema fiscal. Mas eu pergunto: qual a medida para o andar de cima, para os mais ricos? Nenhuma! Nenhuma medida de tributação mais progressiva, de taxar grandes fortunas, e em relação aos juros. Nós estamos consumindo 500 bilhões por ano de pagamento de juros. Há uma proposta para limitar pagamento de juros? Não. Cai sempre em cima do mais pobre. É reforma da Previdência desvinculando salário mínimo de benefícios previdenciários, redução de recursos da saúde e educação. Não adianta enrolar. É redução. Eu sempre tenho citado aqui os números - e concluo, porque eu sei que falta pouco tempo, Presidente, Senador Telmário - de saúde e educação. Ano passado, nós investimos R$103 bilhões em educação. Se essa PEC existisse dez anos atrás, teriam sido R$31 bilhões, Senadora Gleisi, uma barbaridade. De R$103 bilhões, teriam sido R$31 bilhões. Dos R$102 bilhões da saúde, teriam sido R$65 bilhões.

(Soa a campainha.)

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - E a gente vê ainda esse relator, Darcisio Perondi, dizendo o seguinte: "Ah, não, eu estou ampliando receitas da saúde", "estou antecipando os 15% da Receita Corrente Líquida que eram de 2020". Mentira. Este ano já está sendo, 2016, 15%. Então, é um escândalo. É a destruição do Estado social brasileiro o que estão fazendo. E mais grave: colocando isso na Constituição por 20 anos. Nenhum país do mundo tem isso. Só há um país que controla pela inflação, que é o Japão. E no caso, não está na Constituição. Nenhum país da União Europeia. Na União Europeia, ninguém faz uma proposta tão draconiana de austeridade como essa e coloca na Constituição. O resultado disso na economia - espero que não passe na Câmara e no Senado - seriam longos processos de recessão na nossa economia. Nós não teríamos como sair e recuperar o crescimento econômico, ampliar investimentos.

(Interrupção do som.)

    O Sr. Lindbergh Farias (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) - Agradeço a V. Exª. E agradeço, Sr. Presidente, Senador Telmário Mota. Sei que há vários inscritos. Eu, inclusive, estou inscrito. Mas eu não podia deixar de fazer o aparte a V. Exª.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador Lindbergh, e incorporo na integralidade a sua fala.

    Muito obrigada.  


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2016 - Página 18