Discurso durante a 151ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexões sobre os desafios políticos do País, cobrança de maior responsabilidade fiscal estatal e defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Reflexões sobre os desafios políticos do País, cobrança de maior responsabilidade fiscal estatal e defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
Publicação
Publicação no DSF de 11/10/2016 - Página 44
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO, POLITICA NACIONAL, REIVINDICAÇÃO, MELHORIA, EDUCAÇÃO, SAUDE, INFRAESTRUTURA, ECONOMIA NACIONAL, DESEMPREGO, DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, REGIME FISCAL, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, REFERENCIA, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, este é um momento extremamente rico para quem faz política, mas, ao mesmo tempo, extremamente assustador diante das dificuldades que nós vivemos e também diante das dificuldades que nós criamos para nós próprios.

    Senador Raimundo, eu acho que o senhor vai concordar comigo que nós precisamos hoje de três coisas que estão difíceis para nós: primeiro, olhar com rigor e com cuidado para o que acontece ao nosso redor, não fechar os olhos para a crise profunda que a República brasileira atravessa; segundo, tentar entender o que está acontecendo no presente, nós estamos deixando de lado a percepção da dimensão da crise, Senador Raimundo, e estamos deixando de lado também muito a busca de entender o que está acontecendo e por quê; e terceiro, formular o futuro. Eu quero provocar um pouco cada um de nós que faz política hoje, no Brasil, com a responsabilidade de quem teve votos para colocar o Brasil em primeiro lugar, tentando essas três coisas, Senador, e mostrando aqui como está difícil.

    Vamos falar, primeiro, dessa ideia de olhar ao redor. Enquanto o senhor falava, eu comecei a anotar alguns dos problemas que olho ao redor que - lamentável - muitos preferem não ver, não perceber. Eu fico até encabulado com a lista tão grande que ficou e que fiz aí, enquanto o senhor falava. São coisas como Estados, Municípios e a União quebrados financeiramente. Previdência também em pré-falência. Dívidas elevadas dos Estados e das famílias, das pessoas e das empresas. Credibilidade baixa de todos nós, aqui, políticos, dos Governos, das empresas, do Brasil, com a credibilidade baixa internacionalmente. Juros elevadíssimos que vêm da credibilidade baixa, pois, quando você não tem credibilidade, tem que buscar um agiota, que cobra juros altos. A pobreza persistente, apesar de políticas que foram ditas como solucionadoras da pobreza, nós não ã solucionamos, a pobreza está grave - e quem vai ao Nordeste, Senador, vê, mas não é só o Nordeste, pois quem vai à periferia das grandes cidades também vê esta pobreza. A violência generalizada - quer problema maior do que esse? - que só não nos assusta mais, porque nos acostumamos com a violência. Qualquer pessoa de outro país chega aqui, Senador, e se assusta profundamente. Um desses dias, Senador, para que se tenha uma ideia, conversei com o ex-Embaixador do Brasil no Líbano, que me disse que, no Líbano, em Trípoli, ele se sentia mais seguro do que aqui nas nossas cidades, que ele dormia mais tranquilo quando os filhos adolescentes estavam na rua lá do que aqui. O desemprego brutal com 12 milhões, 14 milhões. Jovens indo embora, e não estamos percebendo a gravidade de um fluxo de pessoas jovens - em geral, os melhores formados - que estão indo embora do Brasil em busca de realizar sua vida lá fora. Os serviços públicos ineficientes, saúde, educação. A burocracia. As filas. As paralisações. Partidos sem identidade, que são os nossos. Órgãos públicos aparelhados pelos partidos no Poder. A baixa produtividade da economia. A baixa taxa de poupança que inviabiliza o futuro. A infraestrutura deficiente, muito deficiente, que chamam de custo Brasil, com os portos ruins, as estradas ruins. A polarização política que está impedindo o próximo ponto de que vou falar. A educação deficiente, que é um item gravíssimo. A saúde caótica. A desigualdade resistente, porque uma coisa é pobreza que persiste, pois não conseguimos resolver esse problema histórico, e o outro é a desigualdade também. O desequilíbrio ambiental. A insegurança jurídica que impede o bom funcionamento. A desindustrialização. A dependência das commodities. O desfazimento das estatais e fundos de pensão. A desigualdade regional que insiste em continuar tantas décadas depois do esforço de Juscelino, Jango, Celso Furtado, para resolver.

    Lamentavelmente, muitos de nós não estão olhando ao redor e não estão vendo que isso representa uma crise muito profunda - não é do Governo, é da República, é da Nação brasileira. Às vezes, eu tenho a sensação, Senador, de que o Brasil pede socorro. O Brasil pede socorro nas crianças sem escola, nos pobres sem emprego, nos desempregados que, inclusive, não são pobres, mas que estão no desemprego. O Brasil nos pede socorro. E aí precisamos entender o porquê disso. E é uma dificuldade para entender. Os nossos intelectuais, que deveriam ser os formuladores do entendimento do porquê passamos por isso, foram cooptados por uma linha ou outra do pensamento e não conseguem olhar com frieza para os problemas. Eles tomam posição antes de analisar. Obviamente, eu não quero dizer 100% que são assim, mas a universidade caiu em uma cegueira intelectual muito grande e deixou de - além de ver tudo, Senador Elmano - ver a realidade. Os nossos intelectuais deixaram de ver e, quando veem, já tomam uma posição antes de entender, já escolhem um lado sem procurar saber o que está dentro do problema. Para cada um dessa lista imensa dos problemas que eu citei, se veem posições completamente diferente na análise, porque não é uma análise, é uma tomada de posição. Isso dificulta entender a realidade brasileira. Os nossos economistas perderam uma certa - entre aspas, que seja - "neutralidade", para enfrentar. Hoje mesmo aqui, tivemos um debate: nós precisamos ganhar credibilidade para crescer ou precisamos crescer para ganhar credibilidade? Eu tenho uma posição clara, mas é preciso analisar com clareza, com detalhe. Nós vamos resolver o problema da dívida para poder baixar os juros ou, como alguns dizem, vamos baixar os juros para defender...? É preciso entender isso. Não se está procurando entender. Este é um ponto: o obscurantismo que tomou conta do pensamento brasileiro. O Brasil está pedindo socorro dizendo: "Entendam-me! Vocês não estão me entendendo". É como disse alguém em algum momento: "Decifre-me para saber por que estamos nessa situação". Se olharmos, pelo outro lado, as belezas e os potenciais que o Brasil tem, eles são tão grandes que nos assusta a falta de entendimento de por que estamos nessa situação.

    E, no entanto, dá para dizer algumas coisas. O Brasil é um país que tem condições de ser um imenso edifício pelos recursos que temos, mas não fez a base. Ele não fez a base na qual construiu o edifício, aí o edifício rui cada vez que vamos construí-lo. Ele rui na inflação, no desencanto, na perda de investimento, na crise política. O prédio vai subindo e cai como se fosse uma babel, mas não uma babel que deixa de ser feita por as pessoas não se entenderem apenas pela língua, mas por não se entenderem pelo propósito, aonde queremos chegar, e por não termos construído a base. Para mim, a base tem dois pilares fundamentais: a educação e a credibilidade. Há muitos outros, a base exige muitas outras coisas para ser sólida e podemos fazer o edifício Brasil, mas duas são fundamentais, e nós não as temos.

    O outro é a sectarização da política: os intelectuais cegos e os políticos polarizados, não mais por posições ideológicas diferenciadas, mas por preconceitos, que foram se solidificando sobretudo nos últimos meses, em que se transformou isso aqui em um campo de futebol com torcidas diferentes.

    Um desses dias, nosso Presidente Renan Calheiros disse que isso aqui parecia um hospício. Eu acho que parece é um estádio de futebol com torcidas. E torcidas não precisam de lucidez. Torcida não precisa de responsabilidade, precisa de paixão. Nós precisamos de lucidez, de responsabilidade para enfrentar os problemas que nós temos. E os partidos frágeis e numerosos demais. Nós temos dificuldades para entender o presente por causa da fragilidade dos partidos.

    E aí vem, Senador, o terceiro ponto. O primeiro era olhar ao redor, ver, ver as coisas que aí estão, que muitos não querem ver, se negam. Há uma cegueira. O segundo é entender. Não há lucidez na maneira de refletir, pensar, inclusive com uma certa frieza, salvo o amor ao Brasil. Isso não tem que ter frieza. Isso daí é uma paixão natural, que se chama patriotismo. Mas, dada essa paixão pelo País, o resto exige lucidez para saber como construir o edifício Brasil.

    E o terceiro, depois da dificuldade de entender, é o futuro. Que futuro nós queremos? E, nesse futuro, também está difícil formular. Primeiro, pelo imediatismo como estamos debatendo nossos problemas. Nós temos que debater nossos problemas pensando no que é melhor para o futuro, e não no que é melhor para o presente.

    Segundo, o corporativismo. Nós temos que refletir sobre o que é melhor para o Brasil, e não sobre o que é melhor para o meu grupo, minha empresa, meu partido, meu sindicato, meus colegas. Não, é o Brasil. E terceiro é a falta de uma união que esteja acima das divergências. Não se pode querer unidade no sentido de negar as diferenças, de negar as divergências, de jeito nenhum. São as divergências que constroem o edifício Brasil. Mas essas divergências têm que ter um sentimento de unidade, de unitário, em que se diz: eu sou compatriota seu. O senhor tem seus interesses, eu tenho os meus. Mas nossos dois interesses diferentes estão ligados por sermos brasileiros.

    Não estamos tendo isso. As pessoas estão refletindo o que é melhor para si, sem pensar o que é melhor para o Brasil, que às vezes exige um sacrifício hoje. Às vezes exige um sacrifício hoje não só porque é melhor para nós amanhã, mas, sobretudo, porque é melhor para os nossos filhos, para os nossos netos, para o nosso País. Perdemos a capacidade de refletir no longo prazo.

    Hoje, a Senadora Ana Amélia aqui falou da falta de planejamento. Por que o Brasil não tem planejamento? Não é porque decidiram não ter, é porque não há sentimento de Nação. Aí, há sentimento de partido, há sentimento de Estado, sentimento de Município, sentimento de família, mas de Nação não está havendo. Aí, não há como planejar.

    E segundo porque nos negamos no Brasil a discutir onde colocar os recursos que nós temos. Há décadas, nós queremos colocar recursos para tudo. Decidimos que no Brasil podemos fazer 50 anos em cinco colocando dinheiro público para fazer uma Capital, para fazer estrada, para fazer portos, aeroportos, escolas, hospitais, saneamento, água e não fizemos nada disso de uma forma satisfatória. As escolas são ruins, os portos não funcionam, as estradas são esburacadas e não em quantidade suficiente. Nós quisemos fazer tudo, e depressa, e o que nós fizemos na verdade foram soluções ruins e inflacionárias.

    Você não pode fazer duas coisas que custam R$5, se você só tiver R$4, a não ser com a mágica brasileira: você só tem R$4, mas faz uma coisa que custa R$2 e faz outra que custa R$3; como é R$5, você diz "R$5 só vale R$4, porque a gente fez uma inflação de 20%". Essa foi a saída brasileira, e essa saída levou ao desastre da inflação.

    Ou, então, nós dissemos: só temos R$4, mas vamos fazer o que custa R$5. Então, a gente pede R$20 emprestado: pede R$1 emprestado. R$2 mais R$2, R$4. A gente precisa de R$5. Pede um emprestado. E, aí, mais R$1, e mais R$1, e mais R$1, e mais R$1, e mais R$1, e temos a dívida, que joga o juro lá para cima. Aí, joga lá para baixo o investimento. E, aí, joga lá para baixo a produção, e lá, para cima, o desemprego.

    Isso por falta de um sentimento de longo prazo e de família nacional, de Pátria, de Nação. Se tivéssemos isso, primeiro, nós não gastaríamos mais do que é possível, e, segundo, nós planejaríamos.

    Aí, chegamos ao ponto de o desastre completo, que hoje se tenta resolver com a ideia da PEC nº 241, que vai limitar os gastos. Essa PEC está sendo chamada de PEC do teto. Devia ser chamada de PEC do óbvio, porque não gastar mais do que pode é o óbvio, mas, por incrível que pareça, aquele segundo problema que eu dizia, do entendimento, está tão difícil, que as pessoas não aceitam a ideia do óbvio, que é gastar dentro do que é possível. Não se aceita, mas é o óbvio. Como é que não se vê isso?

    Aí, começa a haver argumentos que são falaciosos, como dizer "vão diminuir gastos com a educação". Não. Pode-se gastar até mais em educação, mas vai ter que gastar menos em alguma coisa. Pode-se gastar mais em estradas, mas vai gastar menos em saúde. Ou gastar mais em saúde, mas gastar menos em estradas.

    É óbvio que é assim. A não ser que a gente continue na ideia da inflação, na ideia do endividamento, do juro alto, da quebra geral dos Estados, que não conseguem pagar os salários hoje dos seus funcionários.

    Não tem outro jeito, Senador. E isso vai trazer uma grande vantagem para o Brasil: é a gente descobrir que não morreram esquerda e direita. Sabe como? Agora vai ter esquerda e direita, se você prefere educação ou estrada. Se você prefere saúde ou dar subsídios à indústria. Não vou dizer qual é a direita nem a esquerda, mas vai haver disputa. Esquerda e direita é o que caracteriza disputa: disputa por um tipo de gasto ou por outro tipo de gasto. No Brasil, acabaram esquerda e direita porque a gente gastou tudo com tudo, então, não precisou do debate, não precisou do confronto. A gente vai para a Comissão do Orçamento e põe tudo o que quer ali. E, aí, faz essa mágica de que só há R$4, porém R$2 mais R$3 vira R$4. Mas R$2 mais R$3 é R$5, e, se só existe R$4, não é possível. Ou é possível com a inflação, mentindo e dizendo: "R$5 só valem R$4". A gente driblou a aritmética. A política brasileira driblou a aritmética dizendo que R$2 mais R$3 é igual a R$4 pela inflação.

    Agora, aqui, esta Casa, vai se transformar num fórum de debate sobre onde a gente quer colocar os recursos que o Brasil tem - dentro dos seus limites, porque os recursos são sempre limitados, nunca são infinitos, ilimitados. Mas, para isso, vai ser preciso um entendimento, vai ser preciso olhar ao redor e ver o desastre que está aí, e, com o entendimento, saber onde gastar. E debater aqui com o espírito público, com a responsabilidade para não gastar mais do que é possível e com lucidez para saber onde é melhor gastar.

    Isso eu lamento que não estivesse na Constituição de 1891, porque, se estivesse ali na primeira Constituição da República, a política teria sido mais séria no Brasil, o edifício Brasil teria sido construído sobre um terreno sólido: da responsabilidade financeira. E seria ótimo se, no debate, os poucos recursos, limitados, com teto,...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ...fossem gastos, sobretudo, em educação, mas dentro dos limites, não imaginando que é ilimitado.

    Hoje, aqui, se disse que essa medida vai impedir aumento de salário do professor. Não. Vai permitir aumento de salário do professor, mas vai ter que baixar salário de alguém ou vai ter que baixar gasto de alguém. Vai ter que reduzir alguns gastos que este País faz e que eu acho que são supérfluos! Eu vou trazer aqui a minha proposta não só de aumentar gastos para a educação, mas de onde tirar. E tenho certeza de que muitos dos que dizem que são favoráveis ao aumento de gastos para a educação vão ficar contra tirar de onde eu vou sugerir. Mas eu vou sugerir.

    Isso chama-se responsabilidade. Isso chama-se entendimento do que é possível e do que é necessário para construir o País que a gente precisa. Isso chama-se tentar construir o prédio Brasil em cima de um território sólido, onde a base diga: "este edifício não vai cair!". Nas últimas décadas, a gente constrói o edifício e, de repente, ele cai - já reparou isso? Estava tudo tão bem no Brasil até cinco, seis anos atrás, estava indo, estava indo e, de repente... Por quê? Porque a base não era sólida. Está na hora de haver uma base sólida: uma base sólida nas finanças; uma base sólida na educação; uma base sólida nas regras jurídicas e que você saiba que começa hoje um empreendimento, seja um curso, seja uma indústria, e sabe que, até o fim, vai nas leis. Agora mesmo, os nossos jovens que começaram o curso, baseados no Fies, chegaram ao meio e não há mais dinheiro.

    A instabilidade que esse País tem nas regras que definem a convivência entre os duzentos e tantos milhões de brasileiros... O Fies é apenas um exemplo, mas isso acontece todo dia com as empresas. Isso acontece quando tem inflação, que você faz um contrato para receber o seu salário de R$100 e, quando você recebe os R$100, eles só valem R$80. A inflação é a maior quebra de pacto jurídico de um povo que existe. A maior quebra de pacto é a inflação, porque o dinheiro que você recebe não vale o que ele tem escrito. E aí o edifício Brasil, que vai subindo, cai. Está na hora de a gente pensar aqui como retomar não apenas o edifício Brasil que se deseja, mas como construir a base sólida, sem a qual nenhum Brasil vai adiante.

    Eu quero concluir, Senador, dizendo que, na idade a que eu cheguei, eu tenho a sensação que, ou nós brasileiros vivos hoje, sobretudo hoje, adultos, fazemos um sacrifício pelo País, ou a próxima geração nem vai ter País pelo qual fazer sacrifício. Aí alguém diz: "Maluquice 'não vai ter País', o País continua". Não. Continuará, mas desorganizado, desagregado, desarmonizado, sobre todos aqueles itens que eu li aqui no começo, com violência, com desagregação, sem compromissos uns com os outros. Aí não é Brasil, aí não é Nação. Pode ser um território, pode ter uma bandeira, pode continuar com o hino, mas não é um País, não é uma Nação. A Nação que nós precisamos construir, o edifício Brasil que nós precisamos fazer, onde vão morar as futuras gerações, hoje exige a construção de um terreno sólido sobre o qual ele deve ser construído. Esse terreno sólido exige muitas ações, mas uma delas é a responsabilidade fiscal, é a responsabilidade com os gastos públicos. Isso exige, sim, mais eficiência em como nós usamos os gastos.

    Nós perdemos a capacidade de eficiência. Quer ver um exemplo, Senador Elmano? Na minha área, educação, os prefeitos não se orgulham de terem erradicado o analfabetismo; eles se orgulham de gastar muito dinheiro com a educação. É comum você ver um prefeito, se me encontra, sabe de meu compromisso, dizer: "Eu gasto 30%, 35% em educação". Aí você vai olhar os indicadores, e são tão ruins como um que gasta 20%.

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - O importante não é se gasta muito, é se faz muito. Nós precisamos gastar mais dinheiro em educação. Mas nós desperdiçamos muito dinheiro do pouco que a gente gasta hoje.

    Para fazer o Brasil um campeão mundial de educação, precisa de mais dinheiro. Mas com o dinheiro que a gente gasta hoje dava para fazer mais do que a gente está fazendo. Muito mais. Essa PEC vai trazer responsabilidade aos políticos na disputa por prioridades, mas ela vai trazer também o benefício de nos forçar a melhorarmos a eficiência no uso do dinheiro que a gente tem.

    Dito isso, Senador Elmano, eu quero dizer de uma preocupação profunda: é que, se nós definirmos um teto, deixando que aqui embaixo as pressões para aumentar os gastos continuem subindo, e subindo, e subindo, vai chegar um dia em que vai estourar o teto. Aí como é que a gente vai resolver se a Constituição não permite? Nós vamos ter que reformar a Constituição para liberar os gastos. Primeiro, isso é um desastre, porque vamos inflacionar, desorganizar; segundo, para fazer isso, serão necessários os votos de uma reforma constitucional, e aí vai durar meses o debate.

    A Argentina passou por isso. Eles não fizeram um teto de gastos, mas disseram, na Constituição, que um peso é igual a um dólar. A pressão dentro fez com que houvesse uma inflação na moeda deles em peso, mesmo que o peso fosse igual ao dólar, mesmo sendo um peso igual a um dólar e que as pessoas pudessem comprar no exterior, o que levaria a cair o preço interno. Mas não caía, não caía pelas pressões dos sindicatos para aumentar salários, pela ineficiência da produção. Chegaram a um ponto em que não dava mais. Tiveram de fazer uma reforma na Constituição. No período, se não me engano, caíram três presidentes em uma questão de semanas. Um presidente renunciou, o vice assumiu, caiu, o outro assumiu. Até que depois houve uma eleição e o que chegou pôs uma certa ordem, mas o país até hoje não se recuperou.

    Colocar na Constituição a ideia da responsabilidade, colocar na Constituição o óbvio só funciona se, aqui embaixo, o óbvio for levado em conta também. Definir o teto dos gastos sem restringir as pressões para aumentar os gastos vai estourar impedindo que se tomem medidas apenas com base em leis ou até em medidas provisórias. Vai ter que se reformar a Constituição. Imaginem, num momento de profunda crise, termos de reformar a Constituição para resolver o problema de como equilibrar a pressão dos gastos com os limites dos gastos. Vai ser difícil. Por isso, o Governo vai cometer um erro se aprovar a PEC do teto sem tomar as outras medidas para reduzir os gastos, inclusive a reforma da Previdência, Senador Elmano.

    A reforma da Previdência gera aqui uma pressão, uma pressão, uma pressão, uma pressão. Quando chegar ao teto como é que a gente faz? Não se vai poder gastar mais do que isso, mas já tem que gastar isso. Como é que faz? Vamos ter de reformar a Constituição. E como reformar a Constituição? E como os aposentados ficarão esperando? Agora, se não fizermos isso, podemos continuar enganando todo mundo, pagando com o dinheiro falso, que é o dinheiro inflacionado. Continua-se pagando, mas os 100 só valem 80. É melhor cair na real. Mas vai ser necessário um certo sacrifício para barrar isso aqui. Isso aqui não pode crescer mais do isso aqui, pelo menos por um tempo. Ou nós fazemos um sacrifício hoje ou os nossos filhos, os nossos netos não terão futuro. Ou nos sacrificamos no presente ou asfixiamos o futuro. Estou pronto para fazer o sacrifício. Esta Casa deveria, inclusive, dar o exemplo do que fazer, reduzindo os nossos gastos para poder usar mais em outros setores. Se não fizermos isso...

(Soa a campainha.)

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - ... o que nós determinarmos nessa PEC durará poucos anos, e as consequências poderão ser ainda piores.

    Eu sou favorável a ela, mas eu vou cobrar muito que sejam tomadas as medidas necessárias para casar o limite dos gastos com a pressão do aumento dos gastos. Esse é o bom debate que nós vamos ter. É isso que justifica a nossa atividade, que estava meio morta. Nós não estávamos discutindo nada. Felizmente chegou agora a medida provisória do ensino médio, chegou essa PEC e terá de vir uma maneira de como fazer a Previdência sustentável, porque a que está aí é absolutamente insustentável.

    Não há como a gente viver mais anos sem pagar mais para se aposentar. Não há como. Se você vive mais - e eu espero que cada brasileiro viva cada vez mais -, vai ter que pagar mais para viver ganhando por mais tempo. E nós estamos felizmente vivendo mais. É óbvio que, no caso do Brasil, nem todos estão vivendo mais. Então, a aposentadoria tem que levar em conta aqueles cuja esperança de vida não está aumentando ou aqueles que não podem trabalhar por muitos anos, como o pescador lá no nosso Nordeste - não o pescador industrial, mas o pescador artesanal - e outras profissões que são de vida curta. Tem que haver aposentadorias especiais, mas por causa da função e não da força corporativa.

    Eu lembro quando nós professores universitários conseguimos colocar, na Constituição, trabalharmos apenas 30 anos. Foi uma irresponsabilidade com o Brasil, porque creio que o professor universitário é tão melhor quanto mais velho ficar, se não tiver alguma doença. Não há por que se aposentar cedo. Aliás, nós professores universitários deveríamos ser proibidos de nos aposentar. Quando estivéssemos velhos, os alunos poderiam ir à casa da gente. Mas colocamos uma medida de aposentadoria precoce, o que deve haver para pescador.

    Para o professor primário e secundário, inclusive, nós reduzimos a idade da aposentadoria para poder manter um salário baixo. Se o salário fosse realmente alto, se a cada sete anos o professor tivesse seis meses de licença sabática, como temos nós os professores universitários, o professor do ensino primário e do ensino médio iria aceitar trabalhar um pouco mais. Foi uma compensação, o que não é uma boa solução.

    Nós os adultos de hoje ou nos sacrificamos ou matamos o Brasil dos nossos filhos. Espero que, nesta Casa, caia a responsabilidade e que a população brasileira entenda isso. Mas não estou tão seguro. Eu acho que muitos de nós que vão defender aqui a responsabilidade não vamos voltar, porque o eleitor vai preferir acreditar nos discursos demagógicos de que não é preciso haver limites de gastos, de que é possível gastar o quanto quiser, o quanto for e em tudo, e que o Estado pode absorver tudo. Não pode. Foi um erro, temos de passar parte das nossas atividades para o setor privado, para poder usar mais recursos na educação e na saúde.

    As pessoas perguntam: "De onde vem o dinheiro para aumentar e reduzir aqui?" Transfiramos. Os empresários e o setor privado precisam de portos. Que façam eles os portos, inclusive, com eficiência, ganhando dinheiro com isso. Ótimo, tem que ser. Tem que transferir para o setor privado aquilo que não é fundamental para a sociedade e concentrar o dinheiro que a gente vai ter para a educação, para a saúde, para a segurança, para a cultura, para tudo aquilo que for de fato prioritário.

    Sr. Presidente, vamos ter semanas muito interessantes, mas muito angustiantes também; muito difíceis, mas fundamentais para solidificarmos o terreno onde nós temos que construir o edifício Brasil, onde morarão nossos filhos, netos, bisnetos, etc. E, sem essa solidez, o edifício deles vai continuar balançando e afundando de tempos em tempos. Esta seria a pior das nossas irresponsabilidades: deixar os nossos descendentes morando em um edifício Brasil frágil e inseguro sobre um terreno pantanoso. Vamos solidificar esse terreno, tomando as medidas que sejam necessárias, mesmo que isso exija sacrifício de cada um de nós.

    Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/10/2016 - Página 44