Discurso durante a 146ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Avaliação dos resultados das eleições municipais e preocupação com o sistema político do País.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS:
  • Avaliação dos resultados das eleições municipais e preocupação com o sistema político do País.
Outros:
Publicação
Publicação no DSF de 05/10/2016 - Página 21
Assuntos
Outros > ELEIÇÕES E PARTIDOS POLITICOS
Outros
Indexação
  • AVALIAÇÃO, RESULTADO, ELEIÇÃO MUNICIPAL, REGISTRO, AUMENTO, NUMERO, VOTO EM BRANCO, VOTO NULO, FALTA, CONFIANÇA, POLITICA, PAIS, INFLUENCIA, CRISE, ECONOMIA NACIONAL, COMENTARIO, DESRESPEITO, DEMOCRACIA, ILEGITIMIDADE, PROCESSO, IMPEACHMENT, DILMA ROUSSEFF, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DESAPROVAÇÃO, PARTIDO POLITICO, PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT), MOTIVO, GOLPE DE ESTADO, REJEIÇÃO, POPULAÇÃO, SISTEMA, POLITICA NACIONAL.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Obrigada, Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, quem nos ouve pela Rádio Senado, quem nos assiste pela TV Senado, eu queria fazer um cumprimento a todos na retomada dos trabalhos desta Casa, esta semana.

    E o que me traz à tribuna hoje, claro, não poderia ser outro tema que não a questão eleitoral, os resultados das eleições. Mas, mais do que isso, mais do que fazer uma avaliação dos resultados das eleições, eu queria fazer aqui algumas considerações sobre discursos que eu ouvi ontem aqui deste plenário e também posicionamentos que hoje se deram nas comissões da Casa a respeito de quem saiu vitorioso ou derrotado do processo eleitoral.

    E claro, como não podia deixar de ser, todos apontam o PT, o Partido dos Trabalhadores, como o grande derrotado deste processo eleitoral. É certo que o PT, sim, sofreu derrotas, sofreu derrotas em lugares importantes, mas, com certeza, não foi o grande derrotado deste processo eleitoral. Quem venceu as eleições municipais no Brasil foi nada mais nada menos do que o ninguém! É isso mesmo. Em nove capitais do nosso País, os principais colégios eleitorais, coloque-se aí Rio, São Paulo, Porto Alegre, Curitiba, houve maior número de votos brancos, nulos e abstenções, chegando inclusive a 40%. Em todas essas nove capitais, não houve um candidato que fez maior número de votos do que essas três situações somadas, ou seja, votos brancos, votos nulos e abstenções.

    Então, na realidade, quem saiu derrotado desse processo foi o sistema político brasileiro, foi a política brasileira. O que as urnas disseram é que há um descontentamento imenso com a política brasileira, e isso deve acender um sinal de alerta, um sinal vermelho para todos os partidos políticos, para todos nós que fazemos política, porque é isso que vai estar em discussão e em jogo daqui para a frente.

    Mas eu queria também falar sobre outro aspecto: o argumento de que o resultado ruim do Partido dos Trabalhadores nas eleições municipais legitimou o golpe, ou seja, legitimou a retirada da Presidenta Dilma do poder, como se as eleições municipais tivessem o condão, a possibilidade de anular uma eleição presidencial. Não tem como justificar a cassação de um voto popular conferido na eleição presidencial com o voto popular conferido na eleição municipal. Nós respeitamos, sim, as eleições municipais, o resultado das eleições municipais, respeitamos a vontade das urnas, ainda que seja contra nós, o que não aconteceu com a oposição ao governo da Presidenta Dilma, que não conseguiu respeitar o resultado das urnas de 2014, não conseguiu esperar até 2018: pediu recontagem de votos, pediu a anulação da eleição no TRE e, não contente com isso, fez o processo de impeachment. Essa gente não sabe o valor da democracia, porque não soube respeitar.

    Então, de novo, quero deixar claro aqui que é uma falácia dizer que as eleições municipais legitimaram um golpe. Algo que é democrático não legitima algo que é autoritário e que rasga a Constituição brasileira. Na realidade, o que nós tivemos foi outra eleição. Nós do PT saberemos avaliar o que ela quis dizer para nós; agora, é importante que o mundo político saiba avaliar o que quis dizer para ele, porque - vou repetir aqui - quem ganhou essas eleições municipais na maioria do colégio eleitoral foi ninguém. É isto: ninguém. O número de votos brancos e nulos e de abstenções em nove capitais, entre elas os maiores colégios eleitorais do Brasil, foi maior do que o número de votos do primeiro colocado. Esse é um fenômeno que reflete o desencanto com o sistema de representação e os partidos políticos de modo geral.

    Se o grande vencedor foi o ninguém, a grande derrotada foi a política. Esse desencanto com a política e o sistema de representação tem origem em fatores bem conhecidos, que nós temos que levar muito em consideração. Esse desencanto, essa rejeição à política surge, normalmente, em momentos de crise. A população espera que as democracias sejam funcionais, isto é, que produzam resultados que sejam capazes de oferecer soluções concretas para os principais problemas que a afetam. Contudo, numa crise grave, isso dificilmente ocorre.

    E eu não poderia aqui deixar de citar o exemplo da Alemanha, da República de Weimar, porque ele é muito significativo e ilustra este momento. Isto ocorreu na década de 20. A crise desencadeada pela derrota na Primeira Guerra Mundial submergiu a Alemanha na pior crise de sua história, numa hiperinflação que destruiu a poupança de sua população. Nesse contexto de grande humilhação, de frustração, os partidos políticos tradicionais perderam a credibilidade e a legitimidade, o que ocasionou o surgimento de aventureiros políticos que se apresentavam não como políticos - negavam a política -, diziam que eram técnicos gestores que salvariam a Alemanha da política corrupta, porque lá também a política criminalizada virou sinônimo de corrupção.

    O principal desses aventureiros foi nada mais nada menos que Adolf Hitler. Hitler tinha um profundo desprezo pela democracia e pelo sistema de representação. Chamava os políticos de outros partidos de "galinhas cacarejantes" de ruidosa inutilidade. Também achava que a política era uma atividade corrupta, submetida a interesses judaicos e antigermânicos. Não se considerava um político, mas um líder legitimado diretamente pelo sentimento do povo alemão, um gestor, alguém com qualidades diferenciadas.

    Hitler se aproveitou da política para destruir a política. Ganhou uma eleição e depois incendiou o Parlamento, fechou-o, reduziu a democracia alemã a cinzas. As escolhas democráticas foram substituídas pela imposição de uma hierarquia baseada na força, na meritocracia e essencialmente em um discurso antipolítica.

    Na história mais recente nós temos o exemplo da Itália, com Berlusconi, produto de um processo de criminalização com a política, sim, da chamada Mãos Limpas, como acontece aqui com a Lava Jato. Quando tudo excede, quando o Estado democrático de direito não é respeitado, quando nós temos excepcionalidade nos direitos dos cidadãos acontece isso, e depois custa muito mais à sociedade para recuperar. Muitas vezes o discurso de combate à corrupção é utilizado para desmontar as democracias e para eliminar aquele que pensa diferente.

    A ideia de que a gestão técnica, supostamente neutra, possa substituir a política é ridícula, pois não existe neutralidade numa sociedade plural e diversificada, na qual há interesses diversos e até contraditórios. A ideia de que a sociedade pode ser gerida por uma tecnocracia de gestores é profundamente equivocada e profundamente autoritária. Porque, se é verdade que a técnica qualifica a política, é muito verdade que a política dá sentido à técnica. Se não nós não faríamos eleições, nós poderíamos fazer concursos públicos para Presidente da República, concurso público para governador de Estado, concurso público para prefeito municipal, que poderiam valer por cinco anos. Aí nós teríamos técnicos muito bem capacitados para tomar conta da gestão brasileira.

    Será que estaríamos resolvendo os problemas do Brasil? Estaríamos representando a diversidade territorial, a diversidade racial, a diversidade política e social que nós temos neste País? É claro que não. Podemos achar que a democracia é ruim, podemos achar que ela tem problemas, podemos muitas vezes nos desencantar, mas a democracia é o melhor sistema que nós temos, porque ela permite que as divergências apareçam, que as diferenças estejam presentes e que a mediação das posições seja feita.

    A democracia é o sistema que acolhe e mediatiza as diferenças e as contradições que estão presentes em sociedades complexas. Ela repousa no reconhecimento do outro e das opiniões diferentes como polos legítimos de disputa de poder. O reconhecimento das diferenças e o acolhimento dos conflitos são a essência da democracia, até porque nós pensamos de forma diferente, agimos de forma diferente, vivemos de formas diferentes 

    Ora, a presunção de uma neutralidade técnica repousa na ideia profundamente autoritária de que a opinião discordante é errada e tem que ser eliminada.

    Eu ontem ouvi palavras aqui neste Plenário, desta tribuna, de que o PT foi varrido do cenário político, de que a esquerda foi enfraquecida e que devia acontecer isso mesmo. Está errado. Eu sou de esquerda a minha vida toda, milito no PT há 32 anos, mas sempre respeitei a direita e os outros posicionamentos, porque a sociedade brasileira não e só uma sociedade de direita, não é uma sociedade só conservadora, não é uma sociedade só de esquerda, não é uma sociedade só de centro-esquerda. Por isso, todos os setores têm de estar representados e nenhum pode ter a pretensão de varrer os outros porque aquele que tem pretensão de varrer qualquer posição política se iguala às piores ditaduras que nós tivemos durante a história da humanidade, se iguala a Hitler, sim, se iguala a Mussolini porque nós temos que aprender a viver com as diferenças, a conviver com o diferente.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É uma ideia presunçosa que sempre esteve associada a regimes autoritários de direita essa de não conviver com as diferenças e as contradições. É a ditadura do pensamento único, nunca neutro, sempre defensor dos privilégios tradicionais.

    É por isso também que a criminalização da política favorece o interesse dos poderosos, que podem fazer seus interesses valerem fora da representação pela via direta do poder econômico, quando não pela força dos golpes.

    No caso do Brasil, entretanto, há um agravante: essa criminalização é seletiva e pretende excluir do jogo democrático apenas um Partido, que é o PT, e enfraquecer a esquerda brasileira. O que temos não é a legitimação do golpe, mas é a concretização do golpe continuado nesse País e a criação de um estado de estado de exceção no Brasil.

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Tal estado se dedica a reprimir de forma violenta manifestações pacíficas contra o regime golpista e aprisionar estudantes, sindicalistas e ativistas de movimentos sociais, a perseguir membros do antigo Governo, a promover grotesca caçada judicial ao ex-Presidente Lula e a usar os aparelhos estatais de forma partidarizada, com o intuito de intimidar o Partido dos Trabalhadores e a oposição de um modo geral.

    Essa obsessão em acabar com o PT está levando à destruição do Estado Democrático de Direito em nosso País e ao desvirtuamento do combate a corrupção. O novo estado de exceção do Brasil é essencial para inibir a resistência democrática que surge no País contra o golpe e seu programa antipopular, que afeta os trabalhadores, os mais pobres, os direitos das mulheres, dos negros, dos indígenas e da população LGBT.

    O que está sendo varrido, escorraçado nesse país não é um partido político, não é o PT, é o sistema político, é a política, que é um pilar fundamental da democracia. O que se está varrendo na realidade é a democracia brasileira, um perigo imenso para as conquistas que nós fizemos principalmente a partir da Constituição de 1988. Isso não nos fará desistir, não nos fará deixar de lutar pelos nossos ideais, o ideais que nos trouxeram até aqui. Nós vamos continuar na luta e aqueles que acham que a eleição municipal é a legitimação do golpe estão redondamente enganados. Se tiverem essa leitura prepotente e autoritária estarão legitimando, isso sim, a decadência da política e a derrota da democracia.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/10/2016 - Página 21