Discurso durante a 154ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Comentários acerca da prisão de Eduardo Cunha, ex-Presidente da Câmara dos Deputados.

Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016, que institui novo Regime Fiscal.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Comentários acerca da prisão de Eduardo Cunha, ex-Presidente da Câmara dos Deputados.
ECONOMIA:
  • Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 241/2016, que institui novo Regime Fiscal.
Publicação
Publicação no DSF de 20/10/2016 - Página 76
Assuntos
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • COMENTARIO, PRISÃO, EDUARDO CUNHA, EX PRESIDENTE, CAMARA DOS DEPUTADOS.
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senador Paim, pela segunda vez na sessão de hoje, quero me referir ao acontecimento que marca esse processo extremamente agitado e grave que levou ao afastamento da Presidente da República.

    Hoje, por determinação do Juiz Federal Sérgio Moro, foi preso o ex-Deputado e ex-Presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha.

    Eu não me regozijo com a prisão de ninguém, Senador Paim. Porque, na verdade, o Eduardo Cunha é um elo a mais nesse sistema corrompido, comandado pelo capital de empreiteiros e de banqueiros, que corrompe a política brasileira, que corrompe sistematicamente o nosso sistema eleitoral e o sistema mesmo de decisão no Congresso Nacional.

    Eu desejo que o Eduardo Cunha seja tratado à luz do Código Canônico. Em primeiro lugar, o arrependimento; em segundo lugar, a confissão; em seguida, a penitência; e, só então, o perdão. Eu acredito que a vida está dando ao ex-Presidente da Câmara Federal uma oportunidade ímpar para, se arrependendo numa confissão premiada – como dizem as pessoas que cuidam do direito –, viabilizar uma limpeza completa do sistema político brasileiro. A penitência, na verdade, já se iniciou com a determinação da sua prisão. E ela será fixada nos parâmetros dos códigos nacionais pela Justiça, que está tratando do caso, mas a redenção do ex-Deputado Eduardo Cunha pode se dar com uma confissão ampla e detalhada do que acontece no Brasil e do que acontece nas decisões do próprio Congresso Nacional. Isso viabilizaria não só a redenção à luz do Código Canônico, como também o agradecimento da opinião pública nacional, porque nós estaríamos afastando os pressupostos que estão nos levando a essa política neoliberal que está solapando a soberania e a dignidade nacional, que está viabilizando a criação de um Estado mínimo que nunca foi discutido com a população.

    E sobre isso eu vou me pronunciar nesta tarde, Senador Paim. Eu vou falar sobre o bloqueio e o congelamento do crescimento econômico do nosso País.

    A proposta de emenda constitucional que se tornou conhecida como a PEC 241 reflete o absoluto distanciamento da tecnocracia neoliberal que decidiu impô-la ao Congresso Nacional, e, em particular, ao Senado da República, da realidade nua e crua do Brasil, da cidadania brasileira. Não falo apenas de números, falo de conceitos. Quem propôs essa PEC não tem a mais elementar ideia do que seja o relacionamento fundamentalmente articulado entre o Orçamento público e o conjunto da economia; em uma palavra, entre o gasto público e o crescimento da economia.

    Na realidade, recorrendo a uma metáfora realista, o Orçamento, Senador Paim, é como o coração no corpo humano: dele saem as energias centrais que põem todos os órgãos e membros em movimento. Impedir o coração de injetar permanentemente sangue novo no corpo é condenar o corpo a ser consumido aos poucos em gangrena.

    Isso está acima de ideologias, Senador Paim, são fatos. Isso está acima da noção do que seja o Estado máximo ou do que seja o Estado mínimo. É o Estado, através do Orçamento, o único agente, por exemplo, que, numa recessão, pode aumentar a demanda efetiva e o investimento, inclusive o investimento privado.

    Sabemos disso pela economia keynesiana. Foi sob inspiração de Keynes que países ocidentais viveram o que se consagrou como a Idade de Ouro do capitalismo, no pós-guerra. Nela, o Estado, através do Orçamento, desempenhou papel da mais absoluta centralidade. Em alguns países, como os do norte europeu, de elevadíssima condição de bem-estar social, o Orçamento público – ou seja, os impostos, Senador Paim – alcançou mais de 60% do Produto Interno Bruto, praticamente o dobro daquilo que a Fiesp reclama, hoje, como excesso, no Brasil. A partir dos anos 80, regrediu na Europa o papel do Estado e prosperou a especulação financeira absolutamente estéril.

    A PEC 241 traz evidentes ameaças ao custeio de funções essenciais do Estado, mas, do ponto de vista econômico, ela consegue ser ainda mais prejudicial. Os investimentos públicos serão virtualmente extintos no plano federal; com eles, suas articulações estaduais e municipais sofrerão consequência inevitáveis. Quando o Estado elimina, por exemplo, o aumento do investimento em construção habitacional, ele está congelando, imediatamente, parte do investimento ou todo o investimento em materiais de construção, cimento, ferro, madeira, de móveis a tijolos, nos Estados federados e nos Municípios também.

    Espanta-me, Srªs e Srs. Senadores, que uma iniciativa de caráter tão grotesco possa ter sido trazida para a discussão no Senado Federal, em plena depressão econômica, a maior depressão econômica da história da nossa República. Esqueçamos, por um momento, o interesse público mais geral, falemos dos interesses das populações dos Estados federados ou dos Municípios. Aqui, neste plenário, no plenário do Senado da República, há muitos Senadores e Senadoras que aspiram, legitimamente, a governar os seus Estados. Ai deles! Se a PEC 241 passar, não governarão a não ser um espólio endividado e condenado à estagnação.

    Não creio, sinceramente, que haja uma inteligência coerente por trás dessa e de outras iniciativas do Governo relacionadas aos Estados federados. A renegociação das dívidas, por exemplo, nos termos propostos, é uma farsa, uma absoluta farsa. Falarei sobre ela oportunamente. Também é uma farsa o projeto de privatização da parte já negociada da dívida dos Estados, o famoso Refis, na medida em que estimula o deságio sobre supostos ganhos atuais e subtrai impostos certos que seriam recolhidos sem deságio por administrações futuras. Mais uma vez, Senador Paim, jogando o presente contra o futuro.

    Não entendo a lógica dessas e de outras propostas. Na verdade, elas assinalam ausência de plano, de estratégia e de definição de objetivos coerentes por parte do Governo. Em uma palavra, com o impeachment, saímos de um governo fraco para governo nenhum ou para um governo desarranjado e mutilado. Aparentemente, o único objetivo deste Governo é se manter no poder a qualquer custo. E mesmo isso é uma dúvida, na medida em que há claras fissuras nos partidos que haviam se comprometido a lhe dar sustentação – os 35 partidos que existem no Brasil, 27 dos quais no Congresso Nacional –, com alguns dando claros sinais de cansaço, exceto, é lógico, naquela Câmara aglutinada pelos expedientes do Eduardo Cunha, que ainda se mantêm, para horror de toda a sociedade brasileira.

    Eu peço às Srªs e aos Srs. Senadores que reflitam detidamente sobre a PEC 241. Ela não serve para o Brasil. Consultem especialistas independentes, cidadãos imparciais, pessoas comprometidas realmente com os interesses nacionais. Todos dirão que ela não serve para o Brasil e para nenhum outro país do mundo, em especial, Senador Paim, países em desenvolvimento, que precisam desesperadamente de investimentos públicos. Os que propuseram a PEC 241 ao Executivo, fazendo com que ela fosse aprovada pelos artifícios típicos do Eduardo Cunha na Câmara, não têm compromissos com o Brasil. E o Senado, em uma atitude suprapartidária, deve dizer "não" a essa PEC, em homenagem aos interesses do povo brasileiro, à nossa dignidade e à nossa soberania.

    E que Deus ilumine, a partir deste momento, Eduardo Cunha. Que, como no Padre Vieira, surja nele um estalo embalado pelo arrependimento e que ele denuncie todos os partícipes da corrupção do sistema político brasileiro, que continuam, ao que tudo indica, comandando interesses geopolíticos que não são os nossos e definindo políticas contrárias ao interesse da soberania dos trabalhadores e do nosso povo.

    Valeu, Presidente. Agradeço pelo tempo, neste fim de tarde, em que nós aqui, isoladamente, estamos conversando no plenário do Senado Federal, mas, através da Rádio Senado e da nossa televisão, estamos conversando com a sociedade civil brasileira. Valeu. Muito obrigado, Senador Paim.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 20/10/2016 - Página 76