Discurso durante a 144ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de emenda de autoria de S.Exª que reconhece o notório saber para professor sem licenciatura e apoio à medida provisória que visa à reforma do ensino médio. Defesa da aprovação da Medida Provisória nº 746/2016, que visa à reforma do ensino médio.

Defesa de emenda de autoria do orador, que reconhece o notório saber para professor sem licenciatura.

Autor
Cristovam Buarque (PPS - CIDADANIA/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO:
  • Defesa de emenda de autoria de S.Exª que reconhece o notório saber para professor sem licenciatura e apoio à medida provisória que visa à reforma do ensino médio. Defesa da aprovação da Medida Provisória nº 746/2016, que visa à reforma do ensino médio.
EDUCAÇÃO:
  • Defesa de emenda de autoria do orador, que reconhece o notório saber para professor sem licenciatura.
Publicação
Publicação no DSF de 29/09/2016 - Página 10
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), ASSUNTO, ALTERAÇÃO, ENSINO MEDIO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, ALUNO, ESCOLHA, AULA.
  • DEFESA, EMENDA, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, RECONHECIMENTO, PROFESSOR, AUSENCIA, LICENCIATURA.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Gleisi Hoffmann, em primeiro lugar, quero dizer que não devo ser o único que deseja muita sorte para a senhora, para que esse processo todo termine dentro daquilo que é a sua convicção. Espero que, de fato, no final, possamos comemorar que a justiça agiu de uma maneira que reconheceu a sua manifestação.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada. Agradeço.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu torço pela senhora, esperando que a justiça seja feita.

    Eu não me meto para dar opiniões se a justiça está errada ou não, mas eu torço pela senhora e por muitos outros. Acho que, em relação aos resultados disso, seria melhor que não fosse como estão falando, dizendo, insistindo. Então, quero que saiba que eu penso assim e creio que há muitos também que pensam assim.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Agradeço, Senador Cristovam.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Segundo, agarrando o final da sua fala sobre a medida provisória do ensino médio, quero lembrar que fui um dos que, nesta sala, defenderam com muito empenho a medida provisória do Mais Médicos.

    Imagine se o Mais Médicos tivesse vindo como um projeto de lei e ainda estivesse rolando nesta Casa tantos anos depois. O Mais Médicos salvou vidas. Se não fosse a ousadia da Presidente Dilma naquele momento, de criar não só um programa do tipo Mais Médicos, mas eu vou mais longe, de trazer médicos do exterior, porque, no Brasil, não estavam querendo ir para aqueles lugares, a saúde pública brasileira estaria em situação bem mais difícil.

    Para mim, Senadora, uma pessoa sem atendimento médico é tão grave quanto uma criança sem escola. Sei que isso não é compartido por muita gente. Sei que muita gente diz que não há comparação entre um doente que precisa de médico e uma criança que precisa de escola. Digo que sim, é semelhante. E há uma diferença que agrava a criança sem escola. É que um de nós, eu, doente, eu e minha família, a gente sofre. O Brasil, não. Mas uma criança sem aula, o Brasil do futuro vai sofrer, vai, inclusive, ficar doente, por falta de educação da sociedade. Daí a urgência.

    Não tenho nada a ver com essa medida. Não fui consultado para nada dessa medida. Fui surpreendido quando tomei conhecimento, como também dos Mais Médicos, mas foi bom. Imagine se o Mais Médicos tivesse sido discutido por muitos anos com a Confederação Nacional dos Médicos - é assim que se chama -, que fez aquela violenta reação contra ou com aqueles médicos que foram para a porta do aeroporto, no Ceará, vaiar os cubanos que chegavam aqui para salvar vidas brasileiras. E salvaram!

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Permita-me um aparte, Senador Cristovam?

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Sim.

    Um dia desses eu vi uma referência do Ministro da Saúde sobre o Mais Médicos, que felizmente ele prorrogou por mais três anos, e quase que eu vim aqui dar um recado: que ele visitasse os lugares onde há Mais Médicos, para ver o resultado disso.

    Pois bem! E vou dar o aparte com muito prazer.

    A urgência que vejo em um programa como o Mais Médicos é a urgência que vejo na mudança do ensino médio. Além disso, essas ideias, sobre as quais não fui consultado, vêm sendo debatidas há décadas, eu diria, há 20 anos ou, se eu for lá atrás, no documento dos pioneiros de 80 anos já falam algumas coisas dessas. A Lei de Diretrizes e Bases já toca nisso, aliás é muito baseado em diretrizes e bases. Há projeto de lei na Câmara de muito tempo que foi quase que copiado, então foi incorporado àqueles debates. E ainda vamos ter um debate aqui. Depois de tudo, se for aprovado, poderemos fazer outras leis para melhorar o que vem aí.

    Eu passo à senhora o aparte.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Obrigada, Senador Cristovam.

    Eu acho que poderia concordar com V. Exª, no caso da Educação, se fosse uma medida provisória para mais professores. Digamos que nós tivéssemos a situação que nós tínhamos na saúde pública, de não ter médicos brasileiros suficientes para atender aos Municípios do interior, principalmente na Região Norte e Nordeste do País, e tivéssemos trabalhado com todos as possibilidades de fazer esses médicos ir para o interior. Muitos não queriam ir e não havia possibilidade, porque nós não tínhamos formação para todos. Se nós tivéssemos um quadro tão grave na educação - e eu sei que nós temos falta de professores em muitos lugares, sei da qualidade dos professores e das dificuldades que temos, mas não é como na saúde - eu poderia concordar com V. Exª, de nós fazermos uma medida provisória e trazermos professores. No caso dos médicos foi emergencial, porque nós tínhamos que trazer médicos para atender as pessoas. E obviamente adequamos a legislação para isso, até porque nós tínhamos tido uma manifestação grande em julho de 2013, quando uma das grandes reivindicações da população era a questão da saúde. Muito mais do que a educação era a saúde, por não ter atendimento básico. E tomamos essa medida que estava sendo estudada.

    No caso da educação, a reforma que veio mexe na grade curricular. Eu não me aprofundei totalmente na discussão. Li apenas uma nota técnica, mas não deixa a obrigatoriedade de educação física, de artes, nem de sociologia, nem filosofia, dá foco em português e em matemática. Não acho ruim dar foco em português e matemática, mas a escola não pode preparar só para o mercado de trabalho. Ela também tem que preparar os alunos para pensar o universo em que eles vivem. Preocupa-me muitas vezes não colocar como prioridade matérias que estimulam o pensamento, principalmente nessa situação, nesse rastro da discussão da escola sem partido, que é outra preocupação que eu tenho, porque na realidade não é um combate a questão partidária, mas a discussão política dentro da escola, inclusive de movimentos históricos importantes, de situações importantes que nós vivemos na História e que condicionam o nosso comportamento, a ideologia que domina os fatos.

    Então, acho que essa é a preocupação. E pegou muita gente de surpresa. Ela poderia até estar sendo discutida, mas a forma como foi enviada, a forma como se deu, eu acho que pegou a comunidade escolar, sempre tão acostumada a participar do debate, de forma surpreendente. A reação foi muito grande. Creio que vai nos caber aqui um papel muito importante de proporcionar um debate aprofundado sobre isso, não deixando nenhum setor da sociedade fora desse debate.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Muito obrigado, Senadora.

    Primeiro, quero dizer que a ideia de escola sem partido não conta com o meu apoio de jeito nenhum. Pelo que li das declarações, também não conta com o do Ministério. É um projeto que surgiu em outros lugares e, aqui dentro, do Senador Magno Malta. Eu sou o Relator na Comissão. Vou votar contra.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Vou acompanhá-lo. Vou votar contra também.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Quanto ao resto, veja bem. O que acho que nessa medida provisória está errado é o fato de ela ainda estar atrasada. Aí fora, Senadora, estão acabando com disciplinas. Na Finlândia, os alunos já começam a estudar por temas, não mais por disciplinas. Isso avança a capacidade cognitiva.

    As disciplinas que no começo parecia que iam retirar, e não retiraram, como filosofia, educação física e educação artística... Creio que passamos muito mais coisas para as crianças por atividades artísticas do que por aulas de artísticas, muito mais por debates filosóficos do que por aulas filosóficas e muito mais por atividades esportivas do que por aulas esportivas.

    Hoje, no curso de educação física, ensinam-se regras de basquete e de futebol. A maioria das crianças não querem aprender as regras, porque não vão ser técnicas. Elas querem bater bola. Elas querem nadar. Elas querem praticar esportes, obviamente com a orientação de um profissional, mas não precisa ser na sala de aula necessariamente.

    Tenho a impressão de que, ao invés de uma aula sobre filosofia grega, para um menino de 15 ou 16 anos, seria melhor pegar um tema da atualidade, como sexualidade, e debater, do ponto de vista filosófico, as consequências: o que é o prazer, o que é o erotismo, o que é a procriação. Eles vão se interessar mais. Ou a corrupção. Trazer Aristóteles para debater corrupção, e não levar os meninos para debater Aristóteles. Isso avança. E avança, porque nós precisamos ouvir as crianças.

    A senhora falou que não estamos ouvindo os professores, mas eles estão sendo ouvidos há décadas! Agora, não estamos ouvindo as crianças. Não estamos ouvindo os adolescentes. Qual é a escola que vocês querem, meninos? Não dá para nos submetermos ao que eles querem, porque alguns vão dizer: a gente nem quer escola. E sabe por que eles vão dizer isso? Porque a escola é ruim.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Com certeza vão dizer. Isso está que nem a merenda escolar.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É, mas é porque a escola é ruim! Não é porque eles não querem estudar.

    Quando uma criança não quer ir para a escola... Eu não digo nos primeiros dias, porque há o apego afetivo com a família. Eu dei muito trabalho para ir à escola - me contam. Mas a partir de uma certa idade as crianças querem ir à escola boa.

    A evasão dos filhos dos ricos não é porque são ricos, mas porque a escola é boa. Não é o DNA de rico que faz gostar de escola. É o DNA da escola ruim que faz as crianças, inteligentemente, não gostarem de ficar lá. Tem goteira, cadeira desconfortável, o professor falta, eles vão para a aula sem saber se o professor vai estar ou não.

    Com a escola boa, bonita, agradável, a criança não quer ir para casa. Um dia desses, vi isso em Palmas, em uma escola pública, municipal. O problema da escola é os meninos irem para casa às cinco horas da tarde! Passam o dia inteiro e não querem ir para casa.

    Nós precisamos ouvir as crianças, mais do que ouvir a mim Senador ou a mim professor. Mas, mesmo assim, não estamos sendo ouvidos, os professores, há anos. E o Governo nos surpreende - sinceramente, é uma surpresa - com a medida provisória em si e com o conteúdo, porque o conteúdo não está ruim para o que se precisa na escola hoje.

    A ideia de a criança preparar a grade, ter menos disciplinas obrigatórias - para a criança; são obrigatórias para o Governo, que tem que oferecer. E eu fiz uma emenda para colocar mais uma disciplina, que é disciplina de ensinar sinais. Há que se ensinar linguagem de sinais. Não se ensina inglês, não se ensina francês, não se ensina português? Ensine-se linguagem de sinais. Deficiente auditivo não aprende português, aprende linguagem de sinais. Eu coloquei. Mas voluntária, não obrigatória.

    Aqui a senhora mesma votou a favor de um projeto meu que coloca cinema nas escolas. Está aprovado. O Presidente Lula sancionou, mas não é obrigado o menino a assistir à aula de cinema. A escola é que tem que oferecer.

    Essa liberdade é Paulo Freire. Paulo Freire trabalhava a escola não como uma prisão. Para algumas crianças certas disciplinas são como palmatória intelectual. Até os anos 30, havia a palmatória se o menino não aprendesse. Hoje não há mais palmatória. Mas obrigar a aprender certas coisas uma criança que não quer, não tem vocação, e se o professor não é bom, é como uma palmatória intelectual.

    Por isso, é positiva a ideia de o aluno poder participar da formulação do seu currículo. Disciplina é ideia antiga. No futuro, não vai haver nem disciplina. Você vai aprender português com temas. Você aprenderá a falar português discutindo temas, e matemática discutindo temas, e tudo discutindo temas. Mas isso ainda vai demorar um pouco no Brasil, porque somos atrasados em educação.

    Mas eu vim falar aqui é de um detalhe sobre o qual tenho recebido muita crítica: o chamado reconhecimento do notório saber para o professor sem licenciatura. Coloquei uma emenda também. Sou favorável a isso, aprendi com Darcy Ribeiro. Darcy Ribeiro era radical na defesa do notório saber acima do próprio diploma universitário. Um dos maiores arquitetos do Brasil, José Zanine Caldas, nunca fez arquitetura, e Darcy Ribeiro o contratou como professor de arquitetura. A ditadura o demitiu. Eu, reitor, o trouxe de volta, em uma anistia que tivemos. Não tinha diploma, mas por aí está cheio de grandes prédios dele; não altos, porque ele trabalhava com madeira.

    Darcy Ribeiro defendia o notório saber, e eu defendo. Mesmo assim, vou colocar uma emenda: eu vou exigir que, para ter o notório saber - ou seja, dar aula sem licenciatura -, tenha que ter o diploma universitário. Do jeito que veio na medida provisória, esqueceram isso ou não colocaram. Qual é a vantagem?

    Nós precisamos de centenas de milhares de professores na educação de base e temos milhares de "jovens", ainda - entre aspas -, aposentados que são engenheiros e podem dar aula de matemática, de física. Nós temos jornalistas aposentados que podem dar aula de português. Não é abrir a porta da sala e colocá-los. Não; teria de haver um treinamento e um acompanhamento para ver se de fato eles têm condições de dar aula. Mas é possível, pelo menos por algumas décadas. Como fomos buscar médicos em Cuba, vamos buscar professores na Engenharia. Não é preciso sair do Brasil. Vamos buscar professores de matemática nos engenheiros aposentados, vamos buscar professores de português em advogados aposentados ou em pessoas que fizeram Letras, mas não fizeram licenciatura, até que chegue o dia em que o Brasil não precise mais disso, como espero que chegue o dia em que a gente não precise buscar médicos fora do País.

    Creio que não será tão rápido quanto este Ministro da Saúde está propondo. Eu não acredito que ele vai conseguir substituir quatro mil em um ano ou dois. Não vai conseguir. E, se não conseguir esses quatro mil, espero que ele não devolva os estrangeiros que estão aqui, porque, como gosto de dizer, os doentes também são brasileiros. Não dá para substituir os doentes, e só podemos substituir os médicos quando tivermos os nossos. Mas professor dá para substituir, mesmo que não tenham ainda licenciatura. Não é bom, mas é melhor do que um aluno sem aula de matemática, sem aula de biologia. Existe gente que pode ensinar. Por isso eu tenho simpatia.

    Mas quero concluir dizendo que, por coincidência, hoje faz aniversário a Lei do Ventre Livre. Para mim, essa MP é mais ou menos como a Lei do Ventre Livre: não vai ser ainda a Lei Áurea, está longe disso, mas é um passo adiante. Eu tenho a impressão... Nunca consegui estudar isso, apesar de ter estudado todas as atas da discussão aqui da Lei Áurea. Publiquei um livro com os debates dos Senadores e Deputados. Eu não sei se houve, mas é bem capaz de alguns abolicionistas terem votado contra a Lei do Ventre Livre dizendo que ela não bastava. "Eu quero que os escravos sejam livres, e não os filhos deles apenas." Até pior, porque a gente pensa que o menino nascia livre, mas não; pela Lei do Ventre Livre, ele só seria livre quando chegasse aos 21 anos e se nenhum parente fugisse. Se um parente fugisse, alguém da família, ele continuaria escravo. Então, uma lei muito tímida, de 1871, mas, de qualquer maneira, foi um passo adiante. Mesmo que a mãe tivesse um filho sabendo que ia esperar 21 anos para que ele fosse livre, ela já sabia que o filho não seria um adulto escravo. Eu não sei se eu teria votado a favor, porque eu defenderia a Lei Áurea, mas foram 17 anos de espera até a Lei Áurea. Então, foi uma lei positiva.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Mas, aí, não houve ninguém que conseguiu chegar. Se foram 17 anos e seria com 21. Ela foi de pouco efeito, não é?

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - É verdade. No fim, teve pouco efeito.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu votaria contra, Senador Cristovam, com certeza, até para fazer com que a luta pela abolição da escravatura fosse mais forte.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Eu não tenho dúvidas, eu votaria a favor, mas reconhecendo que era tímido, que era um passo pequeno. Eu quero, insisto e vou ficar aqui até o último dia dizendo que um dia, neste País, como em tantos outros, o filho do mais pobre vai estudar na mesma escola do filho do mais rico; o filho do trabalhador, na mesma escola do filho do patrão, como já acontece em quase todos os lugares do mundo. E não são só os socialistas, não; são os capitalistas.

    Eu li um dia desses, Senadora, já faz algum tempo, uma entrevista do Raí, o jogador de futebol. Na entrevista - eu não lembro se era uma jornalista ou um jornalista - perguntou-se o que mais o tinha impressionado na França, quando ele jogou lá no Paris Saint-Germain. E, para minha surpresa, ele disse: "O que mais me surpreendeu foi que meus filhos iam à mesma escola dos filhos da minha empregada com o meu motorista" - eu acho que ele os levou daqui para lá.

    Eu peguei o telefone e liguei para ele. Dei uma de Suplicy. O nosso amigo Suplicy é que faz isso, e eu aprendi com ele. Liguei para o Raí - descobri o telefone -, e ele confirmou: "É isso mesmo; me impressionava muito". Porque aqui, o que a gente vê? Depois de tanto tempo do fim da escravidão, a empregada doméstica acorda cedo para preparar o café, arrumar a farda, ajudar a preparar a mochila, para os filhos dos patrões irem para uma escola de qualidade. E ela, empregada doméstica, que ajudou os filhos dos patrões, sabe que os filhos dela não têm isso.

    Sinceramente, quando eu ouço falar que o salário da empregada é baixo comparado ao do patrão, é chato, incomoda; que a casa dela não é igual à casa do patrão, é ruim; mas o que me parece indecente é que a escola do filho dela não é igual à escola do filho do patrão. Isso é indecente, isso não é a desigualdade.

    Pois bem, essa vai ser a Lei Áurea, que não é uma lei. Não vai haver princesa para fazer isso. E não vai ser em um dia; é um processo que a gente tem que desenvolver, que eu chamo de federalização. É a substituição do atual sistema por um outro, na linha do Darcy Ribeiro, com os CIEPs. Era isso que ele queria: substituir essas escolas por outras. Eu não acredito que de dentro a gente vai fazer a revolução. Essa MP não vai revolucionar, porque ela vem de dentro. A revolução virá de fora, de outro sistema. Mas isso vai demorar. Enquanto isso não chega, vamos fazer a nossa Lei do Ventre Livre, que nem isso chega a ser. Essa, no máximo, é a Lei dos Sexagenários.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Eu fiquei preocupada agora, porque, se ela for tão parecida com a Lei do Ventre Livre, então, vai ser mais difícil do que eu estava pensando, Senador Cristovam.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - E olha que eu já falei até que nem é a do Ventre Livre, é a dos Sexagenários.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Pois é, então...

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Esse é um passo...

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - É mais difícil ainda. Mas eu queria só um...

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Só um detalhe: a gente está há tanto tempo esperando por isso, tanto tempo por algo parecido.

    O que é parecido? Um, o aluno definir algumas disciplinas; dois, dar mais formação profissional na escola do ensino médio, isso é fundamental. Aliás, há muitos anos eu defendo - essa seria a Lei Áurea para mim - quatro anos, em vez de três no ensino médio, e todo mundo sair com uma profissão. Prossigo: terceiro, horário integral. O Brasil vai ser o último país do mundo - país que não é dos mais pobres da África - a ter horário integral em todas as suas escolas. Para isso, vai ter que ter o professor notório saber. É uma condição momentânea. Se estivéssemos em uma guerra, a gente ia formar enfermeiras em três meses, médicos em dois anos, para resolver o problema da guerra.

    Então, é uma lei necessária, como a do Ventre Livre, que hoje faz aniversário: 145 anos. Mas, naquela época, a Lei do Ventre Livre foi muito comemorada. Então, eu espero que este Senado debata - teremos três, quatro meses de debate.

    O Mais Médicos se debateu também - não se debateu tanto -, e, se tivéssemos aceito aquelas pressões de algumas categorias dos médicos, não teria saído a Lei do Ventre Livre não. Foi preciso o Ministro bater, foi preciso a Presidente Dilma também bater e enfrentar muita resistência. E nisso eu estava ao lado deles aqui. Inclusive do Humberto Costa, nosso colega, que é quem mais se bateu aqui.

    Pois bem. É nesse sentido que é um avanço, mas não é ainda a revolução que a gente precisa.

    A SRª PRESIDENTE (Gleisi Hoffmann. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) - Senador, eu esperava sinceramente que a gente então aproveitasse este momento, já que estamos todos com o foco na questão educacional, por conta da MP - e o próprio Governo aí está dizendo que é uma prioridade esse debate -, e já pudesse então encaminhar logo para uma Lei Áurea da Educação. Senão, nós vamos fazer um debate, como V. Exª está colocando, com essa comparação com a Lei do Ventre Livre, que vai ser ineficaz, ou seja, ela vai ter pouca eficácia, pouco resultado em relação àquilo que a gente quer.

    Eu acho que nós devíamos fazer um esforço e fazer um grande debate, envolvendo toda a sociedade. Concordo com V. Exª que é preciso envolver os professores, envolver os estudantes, envolver os pais, porque educação envolve a comunidade como um todo. Acho que é fundamental.

    E, por último, só queria lembrá-lo - V. Exª estava falando do exemplo do Raí, da empregada doméstica e dele, de levarem os filhos juntos para a escola - que nós tivemos um filme recentemente muito premiado, o "A que horas ela volta", que retrata muito essa realidade. Mostra muito a vida da empregada, da criação do filho da patroa, a dificuldade do filho e da filha da empregada de irem para uma faculdade, que com certeza tiveram menos condições de estudar do que o outro. E mostra um pouco essa abertura que o País teve nos últimos anos exatamente de proporcionar que os filhos dos mais pobres pudessem chegar ao terceiro grau, seja pelo ProUni, seja pela ampliação de vagas nas universidades federais.

    O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco Socialismo e Democracia/PPS - DF) - Pois é. Isso é pior do que a Lei do Ventre Livre. Porque a verdadeira lei é não precisar de ProUni, é não precisar de cotas - de que eu sou defensor, fui dos primeiros. A verdadeira lei é que aquela filha da empregada, no filme, tivesse tido a mesma chance que o filho do patrão na disputa do vestibular. E isso a gente não conseguiu ainda.

    Quer dizer, essa Lei Áurea, que a senhora acha que a gente devia discutir, eu entreguei ao Presidente Lula em 2003. Depois, eu entreguei à Presidente Dilma, no dia em que ela ofereceu um almoço, logo no começo do Governo, para os Senadores do PDT, do PCdoB e do PSB, uma proposta de como federalizar as escolas ao longo do tempo. Até botei um nome: os CIEPs da Dilma. Podia ter feito isso. Se a gente tivesse feito, como naquela época se falava, 200 cidades por ano, em 13 anos já teríamos feito em mais da metade das cidades. E já está aqui, esse projeto está circulando aqui. É um projeto meu. Aliás, há mais de um, mas há um que propõe como fazer isso. Ele não chega nem às Comissões, Senadora! Essa é a prova de que se precisa de uma medida provisória. Não chega às Comissões. As Comissões não debatem. Uma medida provisória agiliza. E, se valeu a pena agilizar para a saúde, vale a pena agilizar para a educação. Não há muita diferença do ponto de vista da urgência - salvo para o indivíduo, porque ele morre. A criança que fica fora da escola parece que não morre, mas está morrendo aqui dentro. E nós não somos feito só de corpo. Isso são os outros bichos. Nós somos feitos de uma coisa e de outra.

    E isto a gente não vê. Por isso, não se cuida da educação. A senhora mesmo falou, há pouco, que, nas prioridades à população, a saúde vem na frente, assim como a segurança e o desemprego também, porque isso é visível. Isto aqui não é visível; ninguém percebe que, por trás do desemprego, estão problemas da economia, mas também está a falta de educação. Por trás de muitos dos casos de saúde, está a falta de educação para não cuidar dela. Por trás do problema da segurança, está a falta de uma educação igual para todos, que termina levando muitos jovens a caírem na violência como forma de sobrevivência - depois, aí não tem mais volta, sobretudo com o sistema prisional que nós temos.

    A Lei Áurea está por aí rolando, mas não sai. Vamos pelo menos fazer a do Ventre Livre, em homenagem aos 145 anos que comemoramos hoje.

    É isso, Srª Presidenta.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 29/09/2016 - Página 10