Discurso durante a 169ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro de audiência pública realizada pela Senadora, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), para discutir o projeto de desenvolvimento agrário de sua autoria chamado de Matopiba, que envolve Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL:
  • Registro de audiência pública realizada pela Senadora, no âmbito da Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa (CDH), para discutir o projeto de desenvolvimento agrário de sua autoria chamado de Matopiba, que envolve Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia.
Publicação
Publicação no DSF de 11/11/2016 - Página 30
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA PUBLICA, AUTORIA, ORADOR, AMBITO, COMISSÃO DE DIREITOS HUMANOS (CDH), SENADO, OBJETIVO, DISCUSSÃO, PROJETO, DESENVOLVIMENTO AGRARIO, MARANHÃO (MA), ESTADO DO TOCANTINS (TO), ESTADO DO PIAUI (PI), ESTADO DA BAHIA (BA).

    A SRª REGINA SOUSA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada, Sr. Presidente.

    Srs. Senadores, Srªs Senadoras, senhores telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, hoje a minha fala será escrita, por isso, não vou responder às pancadas, até porque eu não estava aqui e não as ouvi. Tenho feito muitos discursos respondendo ao que escuto.

    Antes de iniciar a minha fala, quero fazer um registro: o Senador Petecão, que não está mais aqui, falou do imposto sindical. Quero dizer a ele que fui sindicalista, e, na minha época, a gente devolvia o imposto sindical aos trabalhadores. A gente recebia, porque vinha para a conta, mas a gente fazia o depósito na conta de volta, da parte que cabia ao sindicato.

    E quero dizer a ele também porque quero ser parceira dele: tem que colocar não só dos sindicatos dos trabalhadores, há imposto sindical patronal também. Então, os dois têm que ser extintos na proposta.

    Ontem, os estudantes de Curitiba estiveram aqui, vieram tentar participar do debate da PEC. Houve um tumulto no começo, spray de pimenta, essas coisas, mas depois se resolveu. Entrou uma parte.

    Mas o importante registro que eu quero fazer é que o Senador Renan, Presidente da Casa, recebeu os estudantes, recebeu 15 meninos e meninas na sua sala. É uma pena que ele não convidou os Senadores, porque era a oportunidade de ouvir aqueles meninos e meninas, para ver que eles têm muita coisa para dizer, e não ficar aqui dizendo que os meninos não sabem o que estão fazendo. Eles fizeram falas fantásticas, e o Senador Renan até se empolgou, pois ficou mais tempo do que o que ele havia se disposto no começo. Inclusive, lembrou seu tempo de movimento estudantil, quando também fazia o que os meninos estão fazendo. Então, só para lhe dizer que a juventude só quer ser ouvida. A gente faz a apologia da juventude, vêm os meninos aqui visitar, e esses meninos que vieram aqui visitar são os mesmos que estão ocupando escolas. Então, é preciso que essa apologia seja sincera e que a gente os escute. Eles só querem ser escutados, não estão contra mudar o que tiver que ser mudado, e só não aceitam a mudança goela abaixo ou de cima para baixo.

    Eu vou falar hoje, aqui, de uma audiência pública que eu fiz, na terça-feira, para discutir o projeto de desenvolvimento agrário chamado de Matopiba, que envolve Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia e do qual sou autora. Embora exista aí notícia de que ele foi extinto por decreto, ele continua, porque ele começou, e as consequências que ele está trazendo para o povo, principalmente para as comunidades tradicionais, são verdadeiras, são reais. Então, eu vou fazer o discurso. Eu o escrevi assim.

    Mas, primeiro, eu queria lamentar que poucos Senadores assistem às audiências públicas. Embora briguem para fazer parte das Comissões – alguns, para fazer parte da direção –, poucos vão lá. Na audiência pública de terça-feira havia indígenas, quilombolas, trabalhadores rurais e pequenos proprietários. É preciso que a gente escute essa gente. Foi um grito de alerta, e é por isso que eu quero falar dessa audiência pública.

    Na última terça-feira, realizamos uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos para escutarmos o que representantes de comunidades indígenas e de organizações de pequenos agricultores têm a dizer a respeito do Projeto Matopiba, que está sendo implantado na região formada pelo Estado do Tocantins e por partes dos Estados do Maranhão, Piauí e Bahia. Além das populações atingidas, estiveram conosco cientistas, estudiosos, entidades de apoio, como a CPT, Ministério Público – existe uma pessoa do Ministério Público que acompanha essas comunidades – e representantes do Governo, que mandou seus representantes, felizmente.

    Os debatedores afirmaram que o projeto agrava a concentração fundiária, a violência no campo e a destruição do Cerrado, causando ainda assoreamento dos rios e contaminação de aquíferos, o que é muito grave! Inclusive, houve uma denúncia de que existem aquíferos sendo privatizados: empresas fazendo piscinões e captando água dos aquíferos; logo, vai faltar essa água para quem precisa.

    Fiquei especialmente tocada com o discurso de Gecílha Crukoy, líder indígena da nação krahô. Ela denunciou que as comunidades tradicionais nunca foram chamadas a discutir o projeto e hoje já enfrentam dificuldades em manter suas estratégias locais de produção e de sobrevivência. Ela fez várias perguntas que não querem calar dentro de mim, pois me tocaram profundamente. Como eu falei, foi um grito de alerta e um grito de pedido de socorro. Ela disse:

Se matar nossa terra, como vamos viver? Sem terra ninguém vive, e sem o rio ninguém vive. Somos semente da terra, broto da terra. Quando os brancos chegaram, já encontraram os indígenas. E por que não respeitam o povo indígena?

    E ela disse mais:

Não vai ter água mais na frente. Estão matando as raízes. Quem vai chupar a água para cima? Soja não puxa água, eucalipto chupa a água para si até acabar.

    Isso foi dito por uma indígena lá das comunidades que vieram.

    A situação de agressão também foi relatada por Alexandro do Carmo Silva, descendente das primeiras famílias de agricultores que formaram a comunidade Serra do Centro, no Município de Campos Lindos, no Tocantins.

    Ele disse que seu avô nasceu, em 1911, na Serra do Centro; seu pai, em 1935; e que ele mesmo nasceu, em 1985, na mesma comunidade.

    Olha a fala dele:

Nasci e me criei na Serra do Centro, mas não somos reconhecidos como filhos de lá, somos vistos como invasores. Mas os invasores, que dizem que são donos, são os grandes projeteiros que vêm de Portugal, Minas Gerais, Santa Catarina; são os paranaenses, japoneses, paulistanos, que tomaram conta de tudo que era nosso.

    Sr. Presidente, além da falta de diálogo com as comunidades tradicionais, as lideranças apontam falta de transparência das ações deste projeto, e essa falta de transparência já está levando à concentração das terras nas mãos de poucos – porque o projeto em si falava que o pequeno ia ter acesso a tudo o que o grande tivesse, que eles iriam conseguir produzir, porque eles, a pequena agricultura, que produzem o alimento, e que teriam acesso às tecnologias. E não é o que está acontecendo: especuladores chegam e manipulam a população local, beneficiando-se da valorização das propriedades rurais.

    Vi isso na questão das eólicas lá no meu Estado. As pessoas sabem que vai passar uma torre de eólica nos terrenos dos pobres, vão lá, botam dinheiro, e eles, inocentemente, vendem, porque as torres pagam; cada torre de energia eólica paga mensalmente R$1.500 para o dono da terra. Então, o que está acontecendo no meu Estado é a mesma coisa que acontece lá na região, porque sabe que lá será uma região de produção e compram as terras dos pequenos.

    Mais uma vez a história se repete, os mais espertos se aproveitam da falta de informação e da ingenuidade das pessoas para se dar bem. Os conflitos na região, que já existiam há décadas, estão sendo agravados, aumentados com a valorização das terras. Na região de Matopiba, ocorreram 53% das disputas por terra no Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia nos últimos dez anos, trazendo violentos despejos de comunidades tradicionais.

    Sr. Presidente, que território vai sobrar para essas comunidades? E os recursos hídricos? O desmatamento e a grande movimentação de máquinas têm causado o entupimento das nascentes e assoreamento de rios. O uso intensivo de venenos nas lavouras está contaminando mananciais e importantes aquíferos que alimentam grandes bacias hidrográficas, inclusive a do Rio São Francisco.

    Queremos o desenvolvimento da nossa região, mas esse desenvolvimento tem que ser sustentável. Os governos precisam ser transparentes – e aí entra o Governo do meu Estado, também, que se reuniu com os japoneses, fez negócios, mas não conversou com as comunidades. O que japoneses vão trazer para lá? Não se dirige aos povos interessados –, investir em tecnologia adaptada à região, infraestrutura e equipamentos.

    Para alcançar os objetivos a que se propõe, o Matopiba precisa sofrer uma guinada, promover a inovação e a pesquisa e levar, ao invés de ameaças, apoio e fortalecimento para as comunidades rurais, assistência técnica para os pequenos e médios agricultores, isso, sim, trará reflexos positivos para as comunidades e os pequenos e médios Municípios, fixando as pessoas no campo e valorizando a vida rural. E, sobretudo, ter todos os cuidados ambientais.

    São muitas nascentes. Além das comunidades, lá há mais de 800 assentamentos, mais de 30 comunidades quilombolas, várias comunidades indígenas.

    Esse pessoal precisa ser respeitado. Mas, mais do que isso: lá existem muitas nascentes, muitas espécies da fauna e da flora que não podem ser eliminadas em nome da ganância. Como a própria liderança indígena falou: "Vai chegar o dia em que o homem branco vai comer dinheiro, porque não vai ter o que comprar com o dinheiro dele." Essa é a fala dos indígenas e é quase uma profecia.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/11/2016 - Página 30