Discurso durante a 170ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2013, que altera os arts. 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal para extinguir o foro especial por prerrogativa de função nos casos de crimes comuns.

Registro de mobilizações por todo o país reivindicando direitos e garantias para estudantes e trabalhadores.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SISTEMA POLITICO:
  • Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição nº 10, de 2013, que altera os arts. 102, 105, 108 e 125 da Constituição Federal para extinguir o foro especial por prerrogativa de função nos casos de crimes comuns.
MOVIMENTO SOCIAL:
  • Registro de mobilizações por todo o país reivindicando direitos e garantias para estudantes e trabalhadores.
Publicação
Publicação no DSF de 12/11/2016 - Página 4
Assuntos
Outros > SISTEMA POLITICO
Outros > MOVIMENTO SOCIAL
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, EXTINÇÃO, FORO ESPECIAL, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO.
  • REGISTRO, MANIFESTAÇÃO, AMBITO NACIONAL, REIVINDICAÇÃO, ESTUDANTE, TRABALHADOR, SINDICATO, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Senadora Ana Amélia, Presidente desta sessão, eu vou falar de dois temas e depois vou ter a satisfação de presidir para a senhora falar.

    O tema, Srª Presidente, que falarei no dia de hoje é sobre um debate que está instalado na sociedade, que é a questão do foro privilegiado. Quero de pronto dizer que sou totalmente favorável ao fim do foro privilegiado.

    No dia de ontem, o Senador Randolfe Rodrigues leu na CCJ o seu relatório sobre a Proposta de Emenda Constitucional nº 10, de 2013, de autoria do Senador Alvaro Dias, que estabelece o fim da prerrogativa de função no julgamento de crime comum praticado por autoridade. O parecer do Senador Randolfe é favorável.

    O foro privilegiado é um instituto jurídico que confere a determinados agentes públicos a prerrogativa de serem processados e julgados exclusivamente em instâncias superiores da estrutura judiciária, diferentemente do que ocorre ao cidadão comum, que se submete ao rito processual previsto na legislação.

    O privilégio do foro para determinadas pessoas não é ideia nova, remonta a períodos bastante remotos da história do direito. No século V, depois de Cristo, na fase final do Império Romano do Ocidente, a Igreja Católica já procurava influenciar as regras do processo criminal incentivando o tratamento diferenciado a certas pessoas em função de sua posição social. Assim foram alçados à condição de protegidos os sacerdotes, que só poderiam ser processados e julgados por outros membros da igreja em posição hierárquica superior.

    Mais tarde, nos séculos XII a XV, em Portugal, na vigência das Ordenações Filipinas, os fidalgos, os desembargadores, cavaleiros, doutores, escrivães da alta câmara e suas esposas, inclusive, e os componentes da Real Junta de Comércio e da Companhia Geral da Agricultura das Vinhas do Alto Douro, assim chamado, tinha o privilégio do relaxamento da prisão desde que permanecessem à disposição do juiz.

    O Brasil abrigou o privilégio de foro desde o seu nascedouro como Nação independente.

    A Constituição Imperial de 1824 era taxativa ao prever, em seu art. 47, a atribuição exclusiva do Senado em conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da família real, pelos ministros de Estado, conselheiros e Deputados ao longo da Legislatura.

    O art. 99 previa que o imperador sequer poderia ser processado ou julgado, numa espécie de imunidade absoluta, pois sua pessoa era inviolável, sagrada e infalível.

    Com a queda do Império e a chegada da República, o instituto do foro privilegiado, em vez de ser reduzido a situações bastante específicas, só fez aumentar o alcance. Com exceção da Constituição de 1891, a primeira do período republicano, que era mais enxuta e só concedia foro privilegiado ao Presidente da República, as demais Cartas Magnas brasileiras foram alargando progressivamente o instituto até chegarmos ao absurdo atual.

    A Constituição de 1934 protegia o Presidente da República, os Ministros de Estado, os Ministros da Corte Suprema, o Procurador-Geral da República, os juízes federais e os estaduais, os ministros dos tribunais e os embaixadores.

    A Constituição de 1937 manteve esse rol, detalhando melhor a sistemática do privilégio de foro.

    A Carta de 1946, marco da democracia brasileira e merecedora de elogios em diversas de suas cláusulas, infelizmente, também não enfrentou o desafio de tentar reduzir a amplitude do chamado foro privilegiado, mantendo as bases das constituições anteriores, mas com redação mais aprimorada.

    As Constituições ditatoriais militares, tão diferentes em quase tudo da Constituição democrática de 1946, incorreram na mesma inércia de manter tal prerrogativa.

    A Carta de 1988 foi além. A Constituição Cidadã merece todo o nosso aplauso. Eu sempre digo e repito que nós votamos contra muita coisa, mas assinamos, reconhecendo, e eu estava lá, a Constituição Cidadã liderada por Ulysses Guimarães. Uma das cartas sociais mais importantes do mundo, mas andou mal na questão do foro privilegiado, pois teve a oportunidade de enxugá-lo naquele momento da Constituinte, mas, pelo contrário, inchou o instituto a níveis nunca antes imaginados.

    Nós Constituintes, porque eu fui Constituinte, posso ter votado contra, mas eu estava lá, assinei e reconheci, com certeza erramos. O ordenamento constitucional atual protege o Presidente e o Vice-Presidente da República; os membros do Congresso Nacional; os Ministros do Supremo Tribunal Federal; o Procurador-Geral da República; os Ministros de Estado; os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica; os membros dos Tribunais Superiores, do Tribunal de Contas da União; os chefes de missão diplomática de caráter permanente; as autoridades ou servidores cujos atos estejam sujeitos diretamente à jurisdição do Supremo Tribunal Federal, em caso de habeas corpus; os Governadores dos Estados e do DF; os desembargadores dos Tribunais de Justiça dos Estados e do Distrito Federal; os membros dos Tribunais de Contas dos Estados e do DF, os dos Tribunais Regionais Federais, dos Tribunais Regionais Eleitorais e do Trabalho; os membros dos Conselhos ou Tribunais de Contas dos Municípios e os do Ministério Público da União que oficiem perante tribunais; as autoridades federais da Administração Direta ou Indireta, em caso de mandado de injunção; os juízes federais, incluídos os da Justiça Militar e da Justiça do Trabalho; os membros do Ministério Público; os juízes estaduais, do DF e Territórios; bem como – aqui vai avançando – os Prefeitos; os oficiais generais das três Armas; os juízes eleitorais, nos crimes eleitorais. Essa lista é absurdamente extensa, eu diria, de fato, um absurdo. Os constituintes de 1988 exageraram nessa questão.

    Senhoras e senhores, quando, com certeza, há motivos razoáveis para se estabelecer uma exceção na lei, qualquer que seja, que se faça pacientemente, com equilíbrio e justiça. Mas quando a exceção cresce a ponto de se banalizar, alguma coisa não vai bem, vai muito mal. Entendo que é hora de nós corrigirmos esse erro da nossa Constituição Cidadã.

    Hoje em dia há tanta gente com foro privilegiado que fica até difícil saber quem, além do cidadão comum, porque esse não tem nada, não desfruta dessa anomalia brasileira. É bom que se diga, aliás, que o foro privilegiado ganhou contornos de anomalia no Brasil, mas ele existe, em menor grau, em todos os países civilizados do Ocidente. O exagero está aqui. O instituto em si não é uma criação brasileira, não é uma jabuticaba. O nosso problema foi o abuso.

    Nos Estados Unidos, por exemplo, são protegidos o Presidente da República, o Vice-Presidente e os Ministros. Assim também é na Argentina. Na França e na Alemanha, apenas o Presidente tem tal prerrogativa – lembramos: na França e na Alemanha, apenas o Presidente da República tem a prerrogativa do foro privilegiado.

    No Chile, no Peru, na Colômbia, no México, na Áustria, na Dinamarca e na Noruega, a lista de autoridades protegidas é um pouco maior, mas nada que se compare ao caso brasileiro. Apenas Portugal e Espanha se aproximam do Brasil em termos de elasticidade do foro privilegiado, o que ajuda a entender a influência ibérica em nossa legislação desde sempre, mas, mesmo assim, aqueles países não ousaram ampliar tanto a prerrogativa de foro como o Brasil ousou.

    Os Senadores podem e devem alterar a Constituição Federal quando esta se mostra fora de sintonia com os anseios populares, fora da perspectiva do interesse de nosso povo e de toda a nossa gente. E o momento exige que revisemos o privilégio do foro por prerrogativa de função.

    O cidadão comum tem mostrado dia após dia seu descontentamento com a classe política. E uma das manifestações de inquietude vem da sensação de que o povo sustenta uma casta que retorna muito pouco em termos de benefícios à sociedade, mas é extremamente cuidadosa quando se trata de blindar os seus interesses, ou seja, a si mesma.

    É hora de olharmos os exemplos de outros países que reduziram drasticamente a lista de autoridades com privilégio de foro, a ponto de se contarem suficientemente com os dedos de uma mão – a ponto de se contarem, veja bem, suficientemente com os dedos de uma mão. É hora de darmos o exemplo.

    O cidadão comum não pode, sozinho, mudar a legislação, mas nós podemos. Sinto que esse é um clamor muito forte da ampla maioria – eu diria 99% – do povo brasileiro. E devemos avançar. Só assim teremos moral para olhar nos olhos do eleitor e justificar a democracia representativa que tanto defendemos. Portanto, reitero mais uma vez: sou totalmente favorável ao fim do foro privilegiado.

    Srª Presidenta, esse foi o assunto que entendi que deveria usar, no dia de hoje, como instrumento da minha fala na tribuna, o fim do foro privilegiado, sendo bem objetivo, diminuindo ao nível, eu diria até, de equilíbrio, como é no resto do mundo. Não há motivo nenhum, no meu entendimento, de manter foro privilegiado, inclusive para Deputados, Senadores, Vereadores, Prefeitos e Governadores.

    Srª Presidenta, eu não poderia deixar de falar do que está acontecendo no Brasil no dia de hoje. Não há como negar... E sou muito tranquilo nessa fala, porque, quando houve os grandes movimentos, 2013, 2014, 2015, independente de quem era a favor ou contra, eu sempre defendi. Entendo que o Congresso tem que ser a caixa de ressonância da batida dos tambores nas ruas do povo, nas suas caminhadas, nas suas passeatas, nos seus atos, nos seus comícios, nos seus debates permanentes, nas audiências públicas, nas palestras, enfim, nos movimentos, que são liderados ora por intelectuais, ora por artistas, ora por estudantes, como é o caso de mais de 1,5 mil entre secundaristas e agora também as universidades, que estão ocupadas, protestando contra a reforma na educação e também a reforma trabalhista e previdenciária, na 241, que é 55 aqui no Senado.

    No dia de hoje, não há como negar ou até mesmo não comentar desta tribuna as manifestações que estão ocorrendo em todo o País a partir das 6h da manhã. O movimento social, sindical e estudantil está chamando para um dia de mobilização nacional. Está havendo uma grande mobilização para mostrar que querem debater, que querem discutir. Por exemplo, fiz ontem aqui uma audiência pública, reunindo nove países, para discutir a mobilização que está acontecendo não só no Brasil, mas também em outros países, fortalecendo o direito dos trabalhadores, fortalecendo o direito dos estudantes e, naturalmente, claro, fortalecendo a própria democracia.

    Hoje, pelas informações que recebi do meu gabinete, informações noticiadas pela imprensa nacional, 19 Estados estão inseridos ativamente nessa mobilização, com paralisações parciais, como foi o caso aqui de Brasília. E vi mesmo, na manhã, o caso dos ônibus. Entre esses Estados – não vou citar aqui, claro, os 19 –, destaco Rio Grande do Sul, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará, Distrito Federal e por aí vai.

    O movimento é pela garantia dos direitos dos trabalhadores, pela garantia de tudo aquilo que consta na Constituição cidadã, pela garantia dos direitos trabalhistas. Enfim, há uma grande mobilização pelo fato de a PEC 55, antiga PEC 241, congelar investimentos públicos, através de um teto, por 20 anos, motivo por que estamos fazendo um amplo debate aqui no Senado da República, já que ela está aqui neste momento.

    Eu já realizei, para debater este tema, na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, eu creio que, até o momento, em torno de oito audiências públicas. E teremos, durante esta semana, até chegar o dia da votação no plenário, inúmeras audiências públicas, para que o povo aprofunde o conhecimento sobre este tema. Depois, claro, passaremos a fazer esse debate no mínimo em cinco sessões, e eu espero até numa comissão geral, aqui no plenário do Senado.

    Ter posição contra ou a favor é natural. O que não podemos é proibir o bom debate, como fizemos aqui em todos os momentos em que matérias polêmicas chegaram a esta Casa. Lá na Câmara não sei se houve o debate necessário, mas aqui no Senado, ainda ontem, quando eu estava presidindo a Comissão de Direitos Humanos, debatendo diversos temas com representantes de nove países presentes, inúmeros deles destacaram a liberdade que estavam tendo naquele momento, pela TV Senado, de falarem o que pensam sobre a educação, sobre o direito dos trabalhadores, sobre a democracia para todo o Brasil. É elogiável a postura aqui do sistema de comunicação do Senado da República.

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Eu dizia a eles que aqui não existe corte e que tudo o que era dito lá era de responsabilidade de cada um. E foi um debate equilibrado que permitiu discutir, inclusive, a greve dos técnicos e funcionários das universidades.

    Enfim, no tema, é claro, sempre entra a reforma trabalhista, entra a reforma da previdência, entra o debate da terceirização, entrou o debate, no País todo, do negociado acima do legislado, entra o debate da Medida Provisória 746, que trata da reforma do ensino médio.

    Srª Presidenta, sobre a paralisação de transportes, as assembleias estão ocorrendo em porta de fábricas e fazendo esse mesmo debate. O importante é a população saber, cada um expresse seu ponto de vista. Depois, naturalmente, democraticamente, é aqui, no plenário do Senado, que vamos fazer a votação final, seja da 241, seja da reforma da previdência, seja da reforma trabalhista, seja do negociado sobre o legislado, seja sobre a jornada intermitente, que é o salário por hora, e a pessoa só recebe as horas trabalhadas, somente isso, quando for chamado a trabalhar. É um debate que vamos fazer, construindo uma linha no sentido de que cada um expresse o seu pensamento e que, no final, prevaleça a vontade que o processo democrático apontar.

    Enfim, hoje é um dia de mobilização, quando a população está debatendo todos os temas a que me referi aqui. Isso é fundamental para a vida de milhões e milhões de brasileiros. Claro que faço sempre o apelo no sentido de que, sendo a mobilização, a greve, a pressão naturais, não haja violência e que cada um possa expressar o seu ponto de vista sobre todos os temas, inclusive este do foro privilegiado, sobre o qual quis mostrar aqui a minha posição, sendo totalmente favorável ao fim do foro privilegiado.

    Era isso, Srª Presidenta, agradeço pela tolerância de V. Exª, que me deu mais do que 20 minutos, o que seria o natural. E agora, com satisfação, se assim V. Exª entender, vou presidir, para ouvir o seu pronunciamento.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/11/2016 - Página 4