Pronunciamento de Roberto Requião em 16/11/2016
Discurso durante a 172ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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ECONOMIA:
- Defesa da rejeição da Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
- Aparteantes
- Gleisi Hoffmann.
- Publicação
- Publicação no DSF de 17/11/2016 - Página 16
- Assunto
- Outros > ECONOMIA
- Indexação
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- DEFESA, REJEIÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, REGIME FISCAL, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, REFERENCIA, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, se me fosse dado escolher as expressões, os símbolos, as traduções exatas da votação da PEC 241, na Câmara dos Deputados, escolheria uma foto e uma justificativa de voto.
A foto seria a do ministro da Saúde, Ricardo Barros, comemorando, sorridente, feliz e realizado o corte brutal, sanguinário e impiedoso dos recursos para o atendimento à saúde dos brasileiros.
A declaração de voto, Sr. Presidente, seria a do Deputado Nelson Marquezelli. Extremamente prático. A mesma praticidade que o levou, na condição de grande produtor de suco de laranja, a apensar um jabuti em um projeto do Senado, tornando obrigatório o suco de laranja na merenda escolar. Marquezelli, aparentemente, resumiu o espírito da emenda constitucional: quem tiver dinheiro para estudar, estude; quem não tiver, não estude.
São os Barros, os Marquezelli, em sua sinceridade tosca, que revelam o que há por baixo da roupa do novo rei. Embora, no caso da PEC 241 – aqui no Senado PEC 55 –, não tenha havido tanto esforço assim para disfarçar, das vistas dos brasileiros, as partes pudendas da proposta governamental.
Na campanha do impeachment imaginei ter visto, como raras vezes na história pátria, a exposição do que há de pior do ser humano, todas as suas entranhas. Sinceramente fico na dúvida se, na campanha pela aprovação da PEC 241/55, não acontece o pior ainda. A campanha do impeachment explorou a insatisfação dos brasileiros com o governo da Presidente Dilma: a crise econômica, o desemprego, as denúncias de corrupção, a tendenciosidade das investigações da Lava Jato, o parti pris da mídia monopolista, o acuo do Judiciário, as manobras de Eduardo Cunha. Tudo isso somado e mais um pouco desembocou no impedimento da Presidente.
Na votação da PEC 241/55, sem a agitação e a mobilização das ruas, a campanha fica por conta do mercado e dos bancos, dos porta-vozes dos mercados e dos bancos, das associações e sindicatos patronais, da pelegada sindical, da manipulação de informações dos meios de comunicação, na informação de uma só via, na contramão da verdade dos fatos.
O pouco, insignificante espaço do contraditório, que houve na campanha pelo impeachment, é agora simplesmente suprimido. O caráter fascista dessa cruzada midiática e empresarial se expõe claramente no conteúdo das campanhas publicitárias patrocinadas pelo Governo e pelo mercado. A do mercado, disse a mídia, sem corar de vergonha, foi voluntária, sem custos. Ora, sem custos, Presidente?
O Governo ressuscitou, com a sutileza de uma manada de elefantes ou de hipopótamos em debandada, a mais rastaquera, primitiva e estúpida exortação da guerra fria. A quem teria ocorrido explorar hoje, como nos anos 50 e 60, a fobia anticomunista?
Já a campanha da bancada pelo mercado, sem rebuços ou mais delongas, foi beber diretamente no "ame-o ou deixe-o" da ditadura militar que, por sua vez, também sem pruridos, bebeu em consignas nazistas e fascistas dos anos 30 e 40 e no macarthismo, variante norte-americana do fascismo nos anos 30.
O conceito da campanha do mercado a favor da PEC 241/55 é o mesmíssimo conceito que Hitler, Mussolini e depois militares latino-americanos, nas décadas de 60 e 70, utilizaram para estigmatizar os indesejados política e racialmente. A campanha do mercado não procura convencer ou estimular o debate, nada disso. Como os fascistas faziam, ela reúne na frente de um muro para fuzilamento, inapelável e imediato, todos os que se opõem ao estabelecimento do teto de gastos. "Se você é contra a PEC, você é contra o Brasil!" "Ame-o ou deixe-o!" E eu imaginei que esse tipo dicotômico, tão primitivo, obtuso e tosco, houvesse sido vencido no Brasil pela civilização.
Mais ainda: eu me surpreendi com o tamanho da campanha do mercado em favor da emenda. Qualquer meio de comunicação, por pequeno ou insignificante, foi programado para receber os anúncios. Todos foram programados.
Vimos, no decorrer da história recente, na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina, que campanhas massivas como esse tipo de conceito e apelo despertaram em setores da população os seus piores demônios, impulsos rudimentares e, por isso mesmo, perigosos, assustadores.
Com toda certeza, estes foram os propósitos dos criadores tanto da campanha do Governo, quanto da campanha do mercado: acuar, silenciar e sinetar os opositores da emenda como comunistas e traidores da Pátria. Como é possível que permitamos esse tipo de campanha que simula o ódio e o rancor e – pior – uma campanha que provoca a intolerância e a hostilidade baseadas em mentiras?
Ao mesmo tempo, combinados com as duas campanhas, os meios de comunicação estão sendo invadidos, diária e incisivamente, pelos tais especialistas, pelos economistas do mercado, pelos banqueiros e financistas, todos eles despudoradamente fraudando a verdade, trapaceando números, encobrindo fatos. Os telejornais, especialmente os da Globo, são um primor de tendenciosidade e unilateralismo. Quando, a muito custo, abrem dois, três segundos para o contraditório, é como se concedessem uma meia palavra para o condenado antes do tiro de misericórdia.
Assim, mal informados, deliberadamente desinformados, os brasileiros não têm ideia do que significa e quais as consequências da PEC 241/55. A criminalização da política, das estatais e do próprio Estado, nos últimos tempos, alcançou tal popularidade que falar em cortes de gastos públicos soa bem, tem apoio. Só que o brasileiro não tem ideia de que gastos serão cortados. A propaganda do Governo e do mercado trapaceia e mente sobre os cortes.
Divulga-se, na internet, uma pesquisa sobre a malfadada PEC 241/55...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... que dá bem a medida da desinformação e fraude nas informações contidas na propaganda do Governo e do mercado e nos noticiários da mídia.
Eis os números da pesquisa: 77% dos brasileiros desconhecem o conteúdo da PEC 55; 46% nunca ouviram falar na PEC 241/55; 83% não sabem que a PEC vai congelar o valor real do salário mínimo por 20 anos; 88% não sabem que saúde e educação vão ter o valor real dos investimentos congelados por 20 anos. Mas 88% dos consultados, quando informados sobre o conteúdo da PEC, manifestam-se contra o congelamento do valor real do salário mínimo e dos investimentos em saúde, educação, habitação, saneamento, segurança, assistência social e mais.
Quer dizer, por ignorância, desinformação ou informação mentirosa, o brasileiro não sabe que o objetivo central da PEC é congelar investimentos em áreas vitais, mas, quando ele fica sabendo, posiciona-se claramente contra. Daí essa mobilização do mercado, da banca, do Fundo Monetário Internacional, do Banco Mundial, dos meios de comunicação, do Governo e de seus operadores para a rápida aprovação dessa intrujice.
O ilustre Presidente desta Casa, segundo li nos jornais, teria se comprometido com o Governo a aprovar a PEC 241 rapidamente e teria ainda ameaçado suspender o recesso se os Senadores postergassem a votação. É a segunda vez no ano que esta Casa se desmerece, dá-se pouco respeito e anuncia disposição para atropelar uma decisão de grande importância. Primeiro, foi o impeachment; agora, a PEC 241. Não basta a Câmara ter abreviado todos os trâmites, cedendo às pressões do Governo, da mídia, do mercado, vamos também acelerar a marcha para aprovar essa absoluta insensatez?
Supostamente – pelo menos, até a arquitetura deste plenário foi concebida por Niemeyer e dá-se a entender isso –, esta Casa é a Casa da reflexão, do debate, a Casa da ponderação e da prudência. Os senecti aqui reunidos, não apenas pela idade, mas também pela experiência, amadurecimento e bom senso, deveriam rejeitar qualquer apressamento e convocar o País para debater essa revogação dos primados da Constituição de 1988, que é a PEC 241/55.
O País não deu à Câmara, não deu ao Senado o poder constituinte para revogar e sepultar a Constituição cidadã. Se não vamos convocar uma Constituinte agora para rever ou confirmar a Carta de 88, que, pelo menos, convoquem-se brasileiros a opinar, que se façam quantas audiências públicas forem necessárias, ouvindo as correntes de opinião, para que cada Senador e o País estejam suficientemente esclarecidos sobre o assunto.
Como é possível, de forma apressada, açodada, interferir tão profundamente na Constituição deste País, deste nosso País, na vida de centenas de milhões de brasileiros? Mas, se a maioria desta Casa pensa como o Deputado Marquezelli ou como o Ministro Barros, peço desculpa por ter tomado o tempo deste Senado, das Excelências aqui presentes e que me ouvem nos gabinetes, e vamos em frente acender uma fogueira de conflagração nacional.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Permite um aparte, Senador Requião?
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – O povo brasileiro não aceitará o retrocesso providenciado...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... por essa louca, amalucada e esquizofrênica Proposta de Emenda à Constituição nº 241/55.
Com todo o prazer, concedo o aparte à Senadora Gleisi Hoffmann.
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Obrigada, Senador Requião. Eu estava aqui ouvindo seu pronunciamento e quero parabenizá-lo. Eu acho que ele é muito certeiro, porque, de fato, se não houvesse essa pressa toda, se a Câmara não tivesse votado de forma açodada, e o Senado não fizesse esse calendário apressado, jamais nós teríamos condições de aprovar essa PEC. Por isso é que nós insistimos tanto em haver o referendo. Mesmo esta Casa aprovando, porque eu acho que é o que vai acontecer, pelo trator, pelo rolo compressor com que estamos vendo o Governo atuar aqui, nós podemos levar ao povo brasileiro para que se manifeste. Não é possível que se retirem direitos da população, como se está propondo nessa PEC 55, e o povo não seja ouvido. E que se faça isso em nome do equilíbrio das contas públicas, quando não vai ser a diminuição de dinheiro para a educação, para a Previdência, para a assistência, que vai resolver os problemas da economia brasileira. Temos de entender que estamos num período de recessão fortíssima – não é só no Brasil, mas no mundo todo –, que nós temos as mais altas taxas de juros, que a nossa dívida pública não está descontrolada. Muito pelo contrário: nos governos do Lula e da Dilma, o crescimento da dívida pública caiu. E nós vamos cortar agora os benefícios pequenos que nós conquistamos com a Constituição de 1988, o primeiro degrau para um Estado de bem-estar social mínimo para a população. V. Exª tem toda a razão de estar indignado nessa tribuna. Não é possível que o Senado da República, que representa os Estados federados, mas também a população deste País, possa chancelar uma coisa tão ruim como essa para o povo brasileiro. As consequências vão ser perversas. Não é possível que a conta de desequilíbrios seja colocada para os mais pobres ou para aqueles que são mais frágeis.
(Soa a campainha.)
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Eu acabei de ver uma reportagem agora e, no Rio de Janeiro, estão fazendo a mesma coisa que fizeram com os professores no Paraná, Senador Requião. V. Exª me acompanhou naquela manifestação dos professores, viu como nossos professores são tratados, com cachorro, com bombas, com cassetetes. No Rio de Janeiro, agora, a mesma coisa: os servidores públicos que foram à Assembleia protestar contra o pacote que o Governador mandou foram tratados assim. Agora, me diga, Senador Requião, como um servidor público não vai protestar se ele vai ter 30% do seu salário cortado? Chegam para você e dizem: "Olha, a partir de tal data, você vai ter 30% a menos do salário, porque nós vamos precisar de dinheiro para pagar as aposentadorias." Ora, não é responsabilidade dele. A gestão não foi dele. É uma loucura o que nós estamos vendo no Brasil hoje. É uma inversão completa das responsabilidades e da responsabilização. Então, eu queria me somar ao pronunciamento de V. Exª e parabenizá-lo. Eu acho que só há um jeito, Senador Requião...
(Interrupção do som.)
A Srª Gleisi Hoffmann (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Obrigada, Senadora Fátima. Acho que só tem um jeito, Senador, pois não há mais ninguém para nós recorrermos a não ser o Papa. Obrigada.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Senadora, na verdade, os cortes não são para pagar a Previdência. A Previdência é uma carga menor da dívida pública. Os cortes são para pagar bancos, rentistas e juros, tanto que essa PEC autoriza cortes pesadíssimos em saúde, em educação, em salários, mas libera o pagamento dos juros escorchantes da dívida pública e deixa o Copom e o Banco Central, que fixam a taxa Selic, a taxa de referência do Brasil, na mão dos banqueiros. Meirelles é banqueiro; Ilan Goldfajn é banqueiro do Banco Itaú, ex-chefe da economia do Itaú; o outro diretor é indicado pelo Bradesco; e as taxas de juros são as mais altas do mundo: 6,8% no Brasil; 2,8% na União Soviética.
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – E a banca carrega essa taxa estimada de 14% – 6,8%, retirando a inflação e o spread que eles colocam –, esse spread brutal de 14% no cartão de crédito, que vai para 481% ou 483%. E, no cheque especial, duzentos e trinta e poucos por cento.
Então, na verdade, estamos estabelecendo o governo, o mandato dos bancos e do capital. Isso num momento em que a Inglaterra votou o Brexit para sair da mão do domínio do capital financeiro; num momento em que o Trump ganha a eleição dos Estados Unidos porque se coloca, pelo menos teoricamente, a favor do capital produtivo e enfrenta Wall Street, o capital financeiro que está mandando no país; num momento em que Trump contesta a globalização, que tira emprego dos americanos, para investir em projetos industriais em países onde o salário do trabalhador é aviltado e os impostos são baixíssimos para aumentar o lucro dos detentores do grande capital, ao tempo em que, nos Estados Unidos, por exemplo, marginalizam os trabalhadores e massacram os ganhos, que vêm descendo a cada ano. E nós estamos repetindo essa bobagem.
O sonho do nosso Governo era fazer do Brasil o celeiro do mundo – a agricultura mecanizada e intensa, que desemprega de forma brutal, não emprega ninguém. Então, seria o celeiro do mundo com o desemprego dos trabalhadores do campo. E o sonho de que o capital, basicamente norte-americano, investiria no Brasil...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... para aproveitar o salário mínimo degradado, a CLT revogada e uma diminuição brutal de impostos, o que não acontecerá porque não ia acontecer mesmo e porque o Trump está exigindo investimentos, como Presidente dos Estados Unidos, no território norte-americano. Era hora de este Senado abrir os olhos e arquivar essa emenda constitucional que nos levará a uma regressão social brutal e muito provavelmente a uma guerra civil que já existe, que é a dos pobres, sem emprego e sem renda contra os que gozam as benesses de detentores do capital.
Obrigado pelo aparte, Senadora. Obrigado à Mesa pela tolerância.
O que nos resta, Senadora Fátima Bezerra, é o Facebook, o Twitter, a TV e a Rádio Senado para conversarmos com o Brasil, porque não temos rigorosamente nenhum espaço na mídia controlada pelo poder econômico, que trabalha contra os interesses do povo brasileiro.
Obrigado, Presidente.