Discurso durante a 11ª Sessão Solene, no Congresso Nacional

Destinada a homenagear o decimo aniversario da Lei Maria da Penha.

Autor
Regina Sousa (PT - Partido dos Trabalhadores/PI)
Nome completo: Maria Regina Sousa
Casa
Congresso Nacional
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Destinada a homenagear o decimo aniversario da Lei Maria da Penha.
Publicação
Publicação no DCN de 18/08/2016 - Página 25
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • COMENTARIO, SESSÃO SOLENE, HOMENAGEM, ANIVERSARIO, APROVAÇÃO, LEI MARIA DA PENHA, IMPORTANCIA, COMBATE, VIOLENCIA DOMESTICA, PROGRESSO, SEGURANÇA, RECONHECIMENTO, MULHER, CONSCIENTIZAÇÃO, SOCIEDADE.

         A SRª REGINA SOUSA (Bloco Resistência Democrática/PT-PI. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Bom dia a todos e a todas, em especial à Sra. Presidenta Angela e à Sra. Maria da Penha, em nome de quem eu cumprimento toda a Mesa.

         Senadores e Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, antes de falar o que eu preparei, eu quero cumprir uma tarefa passada a mim pelas Senadoras Gleisi Hoffmann e Vanessa Grazziotin. S.Exas. estão numa reunião com o Ministro Lewandowski e me pediram para fazê-lo. Todo o mundo já recebeu um folder sobre o tema desta sessão, mas S.Exas. pediram que eu falasse alguma coisa a respeito, porque ele não é só um papel para ficar em cima da mesa, tem dados importantíssimos para conscientizar a respeito da grandeza do desafio que nós temos pela frente.

         Este folder aborda a relação entre participação política e violência. Está provado aí que ela é inversamente proporcional: onde há mais mulheres na política, o índice de violência é menor. Então é importante percebermos isso.

         O Brasil ocupa um dos últimos lugares no ranking da participação política. E nós sabemos disso, pois aqui temos 81 Senadores e somente 12 são mulheres. Quanto à violência, nós ocupamos o quinto lugar no mundo. Isso é muito grave e merece ser enfrentado por homens e mulheres.

         Aonde vou, faço esta queixa. Sempre que debatemos a questão de gênero, a presença maior é de mulheres. Hoje já contamos com alguns homens, e são bem-vindos -- bem-vindos os homens que aqui estão! --, mas poderiam ser muitos mais. Nós temos muitos Senadores e Deputados que poderiam estar aqui, ouvindo esses pronunciamentos e constatando os fatos, para agir junto conosco. Combater a violência não pode ser uma ação só de mulheres.

         A Senadora Gleisi Hoffmann também pediu para eu falar sobre o outro lançamento que é o curso Dialogando sobre a lei Maria da Penha. Este curso é uma iniciativa muito boa e acontecerá através do Instituto Legislativo do Senado. A inscrição é feita pelo site; fácil de entrar. O folheto diz como. O curso é um instrumento para a formação de pessoas a respeito da Lei Maria da Penha, para que tenhamos mais gente agindo contra a violência. A Lei Maria da Penha -- não tenho dúvidas -- é o nosso esteio, mas é preciso agirmos, pois, se não agirmos, ela não acontece. Portanto, é importante que homens e mulheres façam o curso no Instituto Legislativo. Há, inclusive, certificado para quem cumprir a carga horária de 60 horas, com 70% de aproveitamento.

         Esse é outro lançamento que seria feito aqui pela Senadora Gleisi Hoffmann, que está em reunião.

         A partir de agora começamos a contar meu tempo, Senadora Angela. Estava falando pelas outras Senadoras.

         Eu tenho o dever de exaltar a Lei Maria da Penha, que é um símbolo. Eu ouvi certa vez de um Parlamentar que estava em uma atividade comigo o seguinte: “Depois da Lei Maria da Penha, as mulheres criaram sangue no olho e soltaram a língua”. Que seja! Não foi uma expressão muito feliz, porque percebemos que não era uma coisa boa para ele, mas que bom que soltaram a língua, que denunciaram.

         Por isso, a impressão que temos de ter aumentado a violência. Na verdade, as mulheres realmente soltaram a língua.

         Eu fui Relatora da política pública de combate à violência na Comissão de Direitos Humanos, no ano passado, e pude constatar algumas coisas boas e ruins. Constatei, por exemplo, que falta um sistema de dados unificados mais consistente. Isso me inspirou, inclusive, a apresentar um projeto de lei. A partir desse relatório, apresentei um projeto de lei que já foi aprovado nesta Casa e está na Câmara dos Deputados. Os dados eram muito desencontrados para produzir o relatório.

         Constatamos também que, em 2013, 13 mulheres eram assassinadas por dia -- esse é um índice muito alto --, que 105 mil mulheres foram mortas de 2003 a 2013, em 10 anos. Isso representa uma cidade de porte médio. Constatamos ainda, com muita tristeza, que a violência contra a mulher tem um recorte de raça, de etnia, que as mulheres negras estão morrendo mais. O número de mortes das mulheres brancas está diminuindo, e o de mulheres negras está aumentando. Esse é um dado constrangedor que pude constatar a partir das pesquisas que fiz com a equipe, para a produção desse relatório.

         Ainda na legislatura passada, tivemos uma CPI que desnudou o que vivia escondido. Inclusive, atribuiu tarefas aos Estados. Eles têm que ler o relatório da CPI e ver quais tarefas lhes foram atribuídas pelo relatório.

         Também vi coisas boas. Fizemos muitas audiências públicas e vimos iniciativas muito boas, inclusive para reeducar o agressor. Tivemos aqui iniciativas muito importantes de Estados, de ONGs, do Ministério Público e até de alguns Governos, visando reeducar o agressor. Nós só pensamos na mulher violentada. O homem vai preso, cumpre a pena. E depois? Vai ser agressor na vida? Esse processo de reeducação inspirou um projeto de lei de minha autoria que também já foi aprovado aqui e que se encontra na Câmara dos Deputados. Então, é importante cuidar também dessa parte. Foram contribuições muito importantes para o que eu estava fazendo.

         As políticas públicas do Governo Federal, que já foram citadas aqui, também são muito importantes, entre elas a Casa da Mulher Brasileira. Inclusive, apresentei emenda à Lei de Diretrizes Orçamentárias -- espero o apoio dos pares para aprová-la -- para garantir a continuidade da Casa da Mulher. Espero ter apoio para manter a verba para a construção das casas. (Palmas.)

         Está aqui o Relator, que já nos apoiou. Agora, quero apoio para aprovar essa matéria no plenário. Isso é muito importante, e temos que dar a nossa colaboração para que as coisas andem.

         Surgiram outras leis, depois da Lei Maria da Penha, pela garra das poucas mulheres no Parlamento. A Lei do Feminicídio é uma delas, que precisamos destacar.

         Também precisamos olhar as outras violências, as violências mais sutis, e não o assassinato ou a agressão física. Existem abusos que têm uma sutileza, mas são violência.

         Nós estamos vivendo dois momentos importantes que contêm algumas coisas que não podemos aceitar. Por exemplo, nas Olimpíadas eu constatei que 45% dos atletas são mulheres, o que é bom, estamos chegando perto, mas também descobri que o prêmio é diferenciado. A medalha da mulher vale menos que a medalha do homem. Isso é um absurdo, um absurdo!

         Ainda no esporte, há o problema da comparação. A jogadora de futebol feminino Marta deu uma resposta importante quando disseram que ela era o Neymar do futebol feminino. Ela não tem que ser o Neymar! Ela tem que ser a Marta do futebol e ser melhor do que o Neymar. (Palmas.) Ela deu uma resposta à altura. Eu gostei de sua resposta. Essas sutilizas vamos deixando passar, não nos importamos com elas.

         Nas eleições, somos 6,5 milhões de eleitoras a mais. Vamos ver o resultado dessa eleição. Na próxima semana, acho que já poderemos fazer a estatística das candidaturas. No entanto, já sabemos como se dão as candidaturas nos partidos, inclusive no meu, que foi o primeiro a fazer discussão relativa às questões de gênero. Ainda temos dificuldades. Por isso, precisamos tomar conta dessa situação.

         Apesar da campanha do Tribunal Superior Eleitoral em prol da participação da mulher na política, ainda não conseguimos superar essa barreira.

         Nós temos uma batalha importante também contra o fundamentalismo que não quer discussão de gênero na escola. Vimos esse debate aqui nesta Casa. Esses fundamentalistas não querem que nas leis da educação conste a palavra “gênero”. Isso é um absurdo!

         Onde vamos educar esses meninos e meninas para não sentirem vontade de agredir? Temos que educá-los para não sentirem essa vontade, porque os adultos já foram educados na cultura da violência. Eles se seguram. Eles discutem, ficam se segurando, mas está na cabeça. Quando dizem uma frase infeliz, é porque ela está na cabeça, não é porque ele seja má pessoa. E está na cabeça dele, porque ele aprendeu isso o tempo todo. Ouvi o depoimento de um agressor que dizia: “Mas eu não sabia que eu não podia bater na minha mulher. Eu pensei que não podia bater na mulher dos outros.” E ele disse isso na maior inocência.

         É na escola que a criança tem que aprender que não pode bater, que menino é igual à menina. (Palmas.) Mas não! Não querem fazer essa discussão. Há toda uma batalha para não haver essa discussão de gênero na escola. Querem uma escola sem partido, uma escola que não educa para pensar. Está correndo o risco de a escola domesticadora voltar para o nosso País. É preciso ficarmos atentos a isso.

         Eu gostaria de homenagear a Eugênia Villa, que é delegada e Subsecretária de Segurança Pública do meu Estado. Ela está fazendo uma revolução na Secretaria de Segurança junto com a Coordenadoria da Mulher. No Piauí, temos plantão de gênero, na delegacia, na Central de Flagrantes. Lá, tivemos a primeira Delegacia do Feminicídio, além das Delegacias da Mulher espalhadas pela cidade geograficamente. Isso é fruto do trabalho dela e das companheiras que estão trabalhando juntas no Governo do Estado.

         É claro que ainda há muito a fazer. A Lei Maria da Penha foi o nosso despertar. Já criamos outras leis e temos que fazer valer. Alguém disse aqui que há lei que pega e há lei que não pega. Temos que lutar para que essas leis peguem.

         Para eliminar essa dor, a violência contra a mulher, que talvez seja a mais doída, porque ela é violentada por alguém do seu convívio, da sua relação, do seu bem querer, ainda vamos levar um tempo nesse caminho.

         Cora Coralina já foi citada várias vezes aqui, e ela disse que, no caminho que percorrermos, temos que remover pedras e plantar flores. Ainda temos muitas pedras para remover nessa nossa caminhada.

         Para quem duvida da nossa capacidade, respondemos com a letra de Maria, Maria, de Milton Nascimento, dizendo que temos garra, força, coragem, sonhos. Por isso, vamos vencer essa batalha. É preciso vencer essa batalha para termos um mundo mais igual.

         Por último, quero dedicar a minha fala a uma mulher que está sendo violentada no seu direito, porque está tendo o seu mandato usurpado. Dedico a minha fala à Presidenta Dilma Rousseff. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DCN de 18/08/2016 - Página 25