Discurso durante a 176ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão destinada ao debate da Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.

Autor
Gleisi Hoffmann (PT - Partido dos Trabalhadores/PR)
Nome completo: Gleisi Helena Hoffmann
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA:
  • Sessão destinada ao debate da Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que altera o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, para instituir o Novo Regime Fiscal, e dá outras providências.
Publicação
Publicação no DSF de 23/11/2016 - Página 32
Assunto
Outros > ECONOMIA
Indexação
  • SESSÃO, OBJETIVO, DEBATE, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), OBJETO, ASSUNTO, ALTERAÇÃO, REGIME FISCAL, LIMITAÇÃO, AUMENTO, GASTOS PUBLICOS, REFERENCIA, INFLAÇÃO, EXERCICIO FINANCEIRO ANTERIOR.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) – Obrigada.

    Só quero dizer ao Senador Medeiros para não se aborrecer: papagaio é mais inteligente que tucano.

    Mas eu queria fazer uma saudação à Mesa: saudar o nosso Presidente Jorge Viana, saudar o Prof. Belluzzo – é um prazer imenso tê-lo aqui novamente conosco. Também quero saudar o Dr. Mansueto, a quem tivemos o prazer de receber na Comissão de Assuntos Econômicos, no primeiro debate que nós fizemos sobre a PEC, o Prof. Fernando e o Prof. Castelar, e dizer que é um prazer muito grande ouvi-los neste debate. É muito importante para a Nação brasileira.

    Eu não me canso de dizer que essa é a matéria mais importante que nós temos em tramitação nos últimos tempos no Congresso Nacional. Nós estamos fazendo uma mudança na Constituição Federal; e uma mudança exatamente em direitos que são fundamentais para o povo brasileiro – e que foi a Constituição cidadã que nos proporcionou –, que é desvincular das determinações constitucionais saúde e educação. E penso que essa desvinculação... Esse remédio, que está sendo dado para a crise econômica que nós vivemos, está errado, porque parte de um diagnóstico errado.

    Eu estava ouvindo com atenção a exposição do Prof. Castelar e também do Dr. Mansueto. E por que digo que o diagnóstico está errado? Porque é repetido muitas vezes que nós estávamos com uma gastança desenfreada, que a nossa dívida pública estava ou está praticamente incontrolável, mas todos os gráficos que os senhores trouxeram aqui – todos, tanto o Prof. Castelar quanto o Dr. Mansueto – mostram exatamente o contrário. Como você tem uma gastança desenfreada se você teve, por dez anos consecutivos, um superávit primário em relação ao seu Produto Interno Bruto? O que é superávit primário? Como V. Sªs disseram, é o meu total de receita menos as despesas não financeiras. Então, eu tenho uma economia, e foi essa economia que fez com que eu pudesse pagar juros e com que eu pudesse reduzir a minha relação dívida/PIB. Olhem aqui a queda no resultado primário. Foi mostrado. Quer dizer, nós temos sempre a receita acima da despesa. É em 2014 e 2015 que nós começamos a ter déficit.

    Por que estou dizendo que o diagnóstico está errado e o remédio também? Porque vocês estão propondo um remédio que é uma reforma estrutural para um problema conjuntural da crise. É óbvio que não pode dar certo.

    Em momentos em que nós tivemos condições na economia de crescimento e de arrecadação maior, nós economizamos; nós fizemos superávit primário – que é o que recomenda a boa prática da gestão econômica. Em momentos em que nós temos uma economia depressiva, nós temos que fazer o contrário, porque aí nós temos déficit. E nós vamos fazer o quê? Vamos arrochar ainda mais as despesas?

    Não é verdade que o que teve de impacto nas despesas públicas foi despesa primária. Não foi despesa primária que deu um aumento nas despesas; foi despesa financeira. É efeito da taxa de juros que nós temos. Os juros cresceram muito neste País – muito. Se pegarmos o nosso déficit nominal do setor público, por exemplo, que o senhor falou, Dr. Mansueto, olha aqui o pedacinho que faz parte de todo o déficit nominal. É esse aqui só o déficit primário: muito pequeno. O resto o que é? Juros, swaps cambiais, reservas cambiais, juros, e demais juros. Juros, juros, juros! Mas, sobre os juros, nós não estamos fazendo nada. Então, nós estamos cortando despesas que não são as essenciais ou que acabam dando impacto nas contas públicas.

    A questão da dívida é outro mito. Nós temos um estudo da Consultoria Econômica do Senado, do Dr. Petrônio. O senhor até elogiou muito a Consultoria do Senado – nós temos bons consultores, técnicos de primeira qualidade. E ele fez um estudo sobre a evolução da dívida. Vamos pegar a dívida bruta, que é o dado que V. Sªs estão gostando de colocar. Nós nunca medimos o nosso endividamento por dívida bruta, mas, a partir de um determinado momento, nós medimos. 

    Eu olhei os gráficos que os senhores trouxeram aqui: todos os gráficos são a partir de 2006. Eu disse: "Mas por que será que eles não puseram o gráfico a partir da década de 90 para ter uma evolução da dívida bruta mais consistente?" Colocaram 2006, que foi quando conseguimos uma redução grande por conta da política econômica feita por um governo do PT.

    E o que acontece? Nós temos hoje 72% de dívida bruta; é um absurdo a dívida bruta. Fernando Henrique entregou este País com uma dívida bruta de 76% do Produto Interno Bruto. E não havia ativos – não havia ativos! O que nós não tínhamos na dívida bruta? Nós não tínhamos as reservas e nós não tínhamos recursos no BNDES. Então, a nossa dívida bruta de 72% é muito menor. E, se você for pegar a dívida líquida, ela tem trajetória decrescente.

    O aumento da dívida, no governo do Fernando Henrique, foi de 752%. Podem me dizer: "Ah, porque agregou a dívida dos Estados." Não tem problema, mas a administração dessa dívida melhorou o tempo, porque, com o governo Lula, o aumento foi de 79% e, com o governo Dilma, 31%. Prof. Belluzzo, foi menos do que a inflação no período. A inflação foi 41%; a dívida foi 31%. Então, nós não tivemos aumento real da dívida. Nós não tivemos aumento real!

    Nós fechamos 2015 com uma relação dívida/PIB de 35%. Nós já tivemos uma relação dívida/PIB de 60%. Onde está o estouro da dívida pública? Por favor, temos que falar para a população o que é correto, senão nós vamos fazer um ajuste dando argumentos que não são corretos. Nós não temos explosão da dívida pública e nós não temos explosão das nossas despesas primárias.

    Nós tivemos uma Constituição em 1988 que colocou um desafio ao Estado brasileiro, um Estado com pobreza imensa, com disparidades regionais, com dificuldades. Era para melhorarmos a vida do povo brasileiro. E, de lá para cá, é natural que a despesa cresça.

    Agora, sobre aquele gráfico que o senhor apresentou sobre as despesas – que tem o vermelhinho –, pega de 2006 a 2010. Mantém-se; não cresceu. Desculpa, não cresceu! Começou a crescer em 2013, 2014 e, depois, em 2015, porque o PIB caiu. É isto: a relação despesa/PIB – é óbvio – vai crescer quando o Produto Interno Bruto encolhe. E nós estamos com o mesmo ritmo de crescimento da despesa que nós tivemos desde 1988 – também da receita. A receita agora caiu, é óbvio que vai haver déficit.

    Nós estamos pegando um problema conjuntural de dois, três anos, vamos aplicar uma medida estrutural e vamos dizer para o Brasil e para o povo brasileiro: "Vocês se virem. Se virem, porque o Estado brasileiro não vai mais cuidar de vocês."

    E, aí, não adianta dizer, Dr. Mansueto, que esta Casa vai ter condições de dizer em que é melhor aplicar. Acho que V. Sª falou que trabalhou aqui; V. Sª, então, conhece os mecanismos da Casa. V. Sª sabe que aqui não vem o trabalhador que ganha salário mínimo fazer lobby com Senador, certo? O senhor sabe disso. O senhor sabe que, quando há disputa para o Orçamento, quem entra nesta Casa para fazer lobby com Senador é funcionário público que ganha muito bem – é juiz, é Ministério Público.

    Aliás, é tão absurdo isso que o Relator do Governo na Câmara, o Relator desta PEC – e isso foi mantido aqui –, está fazendo um escape para o Judiciário e para o Ministério Público e para o Parlamento. Veja: nos próximos três anos, se os outros Poderes não mantiverem o teto, poderá ser tirado do Orçamento do Executivo 0,25%. E o Executivo tem que compensar.

     Vai tirar de onde? Do Bolsa Família? Do salário mínimo? Da Previdência, porque é isso que os senhores acham que dá problema na economia brasileira? São os 70% de aposentados do INSS que ganham um salário mínimo – um salário mínimo? Qual é o salário que esta Casa ganha? Que os funcionários públicos deste País ganham? E o senhor acha, mesmo conhecendo a Casa, que nós vamos conseguir aqui tentar mudar essa situação?

    Vou lhe dizer uma coisa: hoje nós fizemos uma sessão na CAE, nossa reunião de comissão, e procuramos pautar projetos que não impactassem na despesa, afinal nós estamos discutindo a PEC 55, que é de corte de despesa. Como é que nós vamos colocar na CAE projetos que aumentem a despesa?

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Na CAE é o seguinte, Prof. Belluzzo: só aumenta a despesa e faz também a renúncia de receita – esses são os projetos clássicos que esta Casa, que diz que apoia a PEC 55, faz. Eu quero ver quando começarem a vir os lobbies aqui para dentro, como é que esta Casa vai se comportar, porque o que mais tem na CAE é isso.

    O que nós fizemos? Fizemos uma pauta para ajudar o Governo e a Nação brasileira. Colocamos projetos sobre, por exemplo, a regulamentação dos juros, porque é importante – não dá para ficar pagando 400% de juros no cartão de crédito, com a Selic em 14%, que já é um absurdo. Pusemos um projeto, de que o Senador Jorge Viana fez o relatório, sobre imposto de renda sobre lucros e dividendos – desde 1996 nós não cobramos sobre lucros e dividendos no Brasil. É uma loucura isso. Pusemos também uma proposta de juros sobre capital próprio. Juros sobre capital próprio é um absurdo nós termos aqui!

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Só o Brasil e a Estônia que não cobram.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – O Brasil e a Estônia.

    O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Só os dois países.

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Eu entendo que na época do Plano Real era necessário, porque fizemos uma paridade entre real e dólar, e o povo brasileiro ficou sem inflação. Coitado, o povo não tinha o mercado financeiro para se proteger, mas os que tinham o mercado financeiro para se proteger chiaram, não iam deixar aprovar o real. Tinham que fazer alguma coisa para dar equilíbrio: lá foram os juros sobre capital próprio!

    Mudou a conjuntura econômica, e nós continuamos com os juros sobre capital próprio! Não conseguimos mudar! A Presidenta mandou uma MP para cá, eu fui Relatora, e esta Casa não aprovou! Mandaram uma segunda MP, e esta Casa não aprovou! E aí o senhor vem me dizer que esta Casa vai ter coragem, condições de cortar subsídios para colocar na educação? O senhor sabe que não vai! O senhor sabe disso! Quantas vezes passou um projeto aqui de corte de subsídio ou de subvenção? É muito difícil! Vem para aumentar!

    Então, o que vai sofrer é a despesa que está computada. E nós fizemos essa discussão na CAE, e não foi ninguém do Governo lá.

    Ah, propusemos também duplo mandato... 

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – ... do Banco Central, porque nós achamos que é importante – o Banco Central tem que cuidar da inflação e tem que cuidar do emprego –, e propusemos também uma redução no salário dos Senadores, sim. Se nós vamos ter a coragem, a galhardia de votar uma PEC da austeridade aqui, nesta Casa, dizendo para o mundo que seremos austeros, tenhamos pelo menos a decência de votar uma redução dos nossos salários. Como vamos olhar para o trabalhador, para aquele que ganha um salário mínimo, e dizer assim: "Olha, você vai ter o salário congelado, e depois ele vai ser reduzido, porque isso é muito impactante para a Previdência, mas nós outros, aqui, vamos ter tudo certinho, deixado de forma correta; os servidores públicos também, o Judiciário também", porque o Judiciário vai ter isso.

    Sabe por que fizeram essa válvula de escape no Judiciário? Porque esta Casa deu aumento para o Judiciário, para o Ministério Público; deu aumento para o Legislativo – já estou encerrando, Senador Jorge –, aí tem válvula de escape. Agora, não tem válvula de escape para quem ganha salário mínimo. Não tem válvula de escape para quem precisa de benefício social. Eu digo o que para essa gente? Morram? Porque é isto: na hora de socorrer banco, nós reviramos as contas públicas e colocamos dinheiro em banco – porque, se quebrar o sistema bancário, é um horror para a economia –, mas, na hora de deixar um pobre morrer, nós deixamos, afinal é estatística e "ah, não fica perto de mim mesmo!" Não é assim que tratamos?

    Então, eu acho lamentável o que os senhores estão fazendo, inclusive com os dados que os senhores apresentaram aqui, porque não são dados verdadeiros. Dizer que o PIB cai à medida que cai o superávit primário é enganoso! É enganoso! O superávit primário caiu porque o PIB caiu. É um problema de economia, não é um problema fiscal.

    Por favor, os senhores acham que nós não estamos inseridos no mundo? Onde os senhores acham que nós estamos? Nós enfrentamos a crise de 2008, 2009, 2010...

(Soa a campainha.)

    A SRª GLEISI HOFFMANN (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PR) – Enquanto o mundo caía com o seu PIB, nós subíamos com o nosso. E agora não dá para a gente encarar um problema como esse que estamos vivendo?

    Não se faz isso com o povo brasileiro. Não se faz! Não vendam uma medida que vai deixar o nosso povo na mão. Por favor, não façam isso! Nós demoramos para construir um Estado mínimo de bem-estar social. O mínimo que nós podemos fazer aqui como agentes públicos é conservá-lo. Se nós precisarmos tomar medidas, vamos tomar medidas que onerem aqueles que têm.

    Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 23/11/2016 - Página 32