Discurso durante a 162ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a lentidão do Supremo Tribunal Federal ao julgar casos de foro privilegiado.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Preocupação com a lentidão do Supremo Tribunal Federal ao julgar casos de foro privilegiado.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2016 - Página 72
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • APREENSÃO, DEMORA, PROCEDIMENTO JUDICIAL, PAIS, AUMENTO, IMPRESSÃO, IMPUNIDADE, ENFASE, COMPETENCIA, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), JULGAMENTO, AUTORIDADE PUBLICA, PROCESSO PENAL, FORO ESPECIAL, COBRANÇA, SOCIEDADE, EFICIENCIA, JUDICIARIO, ANDAMENTO, PROCESSO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, IMPORTANCIA, SUGESTÃO, LUIS ROBERTO BARROSO, MINISTRO, NECESSIDADE, REFORMULAÇÃO, SERVIÇOS JUDICIARIOS, REDUÇÃO, DURAÇÃO, ATO PROCESSUAL, EXTINÇÃO, EXCESSO, RECURSO JUDICIAL.

   

DISCURSO ENCAMINHADO À PUBLICAÇÃO, NA FORMA DO DISPOSTO NO ART. 203 DO REGIMENTO INTERNO.

    A SRª ANGELA PORTELA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, dizia Rui Barbosa, um século atrás: “a Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”. Esse conceito costuma ser repetido com frequência diante de um fato incontestável que é a lentidão da Justiça brasileira.

    Há muitas tentativas de explicar, ou justificar, a demora dos procedimentos judiciais no País. As explicações contam-se às dezenas, senão centenas, e vão do excesso de recursos em nosso Direito Processual ao acúmulo de trabalho para os magistrados, o que seria especialmente verdadeiro nos tribunais superiores.

    Existe, porém, inegável cobrança da sociedade por uma Justiça mais rápida e eficiente. Quando processos específicos despertam a atenção popular essa cobrança tende a se acentuar.

    É o caso das denúncias de corrupção feitas a propósito de operações como a Lava Jato. Não desejo aqui fazer juízos de valor a respeito das motivações que estão por trás dessas investigações e muito menos de seus efeitos políticos ou econômicos.

    Quero registrar, porém, a impaciência despertada pela lentidão verificada em determinadas instâncias judiciais, ainda mais em comparação com o que ocorre em outras instâncias.

    Apesar do elevado número de denúncias, só cinco detentores de foro privilegiado foram até agora efetivamente indiciados pelo Supremo Tribunal Federal.

    Um deles, por ter seu mandato cassado, perdeu esse foro. Seu caso deixou de tramitar no Supremo Tribunal Federal e, remetido à primeira instância, tramitou de forma mais rápida. Já está preso.

    Refiro-me, claro a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara dos Deputados, acusado de uma longa sequência de malfeitos. Há razões para crer que seu processo terá, agora, andamento mais rápido, o que não deixará de repercutir na opinião pública.

    Em contrapartida, a demora no trâmite de outras ações judiciais, em especial nas que têm detentores de foro privilegiado como denunciados ou indiciados, despertam inequívoco sentimento de que existe risco de impunidade. Pior, os beneficiários dessa impunidade seriam justamente os poderosos, os que detêm mandato parlamentar, os que mandam na República.

    Transcrevo aqui o que disse o eminente ministro Luís Roberto Barroso, a propósito da abertura de 28 milhões de processos judiciais no último ano.

    “Dizer que o sistema não funciona seria excessivo e injusto, mas acho que o sistema Judicial brasileiro tem muitos problemas e problemas graves”, afirmou o ministro Barroso.

    Afinal, completou, o Judiciário “não está funcionando de maneira satisfatória para atender as demandas da sociedade brasileira - e tudo que não esteja funcionando bem precisa ser repensado, precisa de um choque de criatividade, de pensamento original, para ser reformado”.

    “Portanto”, comentou o ministro, “acho verdadeira a premissa de que não funciona bem”.

    Para Barroso, “a segunda premissa que precisamos estabelecer como uma meta muito importante é a razoável duração do processo. Significa que um processo deve durar entre 3 e 18 meses - 3 meses se for simples e 18 meses caso seja mais complexo - e desenvolver uma cultura que produza esse resultado. Nós nos acostumamos com processos que duram 5 anos, 8 anos, 10 ou 12 anos. Aceitar isso com naturalidade é perder completamente a capacidade crítica do próprio trabalho”.

    Por isso mesmo, completa, “Nós precisamos fazer uma revolução no modo como o poder Judiciário funciona”.

    Além disso, Barroso lembra uma terceira premissa, que na verdade, observa, nem deveria merecer referência. “É preciso criar uma cultura de que o devido processo legal se realiza efetivamente em dois graus de jurisdição, o primeiro e o segundo. Idealmente, a maior parte dos processos deveria acabar no primeiro grau de jurisdição, em que a pessoa obtém um pronunciamento estatal sobre aquela questão, e pronto. Isso talvez seja um choque excessivo ainda no Brasil, embora essa deva ser a meta. Mas no segundo grau o processo tem que acabar, tem uma decisão de um juiz singular e tem uma decisão colegiada. Acabou, vai embora para casa, transita em julgado”.

    Não é o que acontece, diante da excessiva judicialização com que os brasileiros convivem. Recursos habituais para instâncias como o Superior Tribunal de Justiça ou o Supremo Tribunal Federal constituem um absurdo de natureza prática.

    Mesmo assim, impõe-se uma reflexão. A prisão preventiva do ex-deputado Eduardo Cunha tem um claro significado moralizador. A condescendência com o crime causa efeitos deletérios, como dizíamos, e a ordem de prisão expedida contra o ex-presidente da Câmara dos Deputados repercutiu como um poderoso símbolo do combate à impunidade.

    Em contrapartida, evidenciou-se, de novo, a disparidade que existe entre a primeira e a última instância do Poder Judiciário a respeito do significado do tempo.

    O pedido de prisão de Cunha foi formulado pela Procuradoria-Geral da República no início de junho, quando a ação ainda estava no Supremo Tribunal Federal sob a relatoria do ministro Teori Zavascki. Na ocasião, Eduardo Cunha ainda tinha foro privilegiado. O pedido do Ministério Público ficou por quatro meses sem qualquer resposta da parte do Supremo.

    Uma vez cassado o mandato de Cunha, a ação foi remetida à primeira instância e em apenas uma semana fora expedido um fundamentado mandado de prisão.

    Já na última instância, o ritmo é outro. Não se pode negar a existência de avanços na Lava Jato no Supremo Tribunal Federal, mas numa velocidade bem diferente da que se constata em instâncias inferiores.

    Sim, o Supremo Tribunal Federal não é uma corte penal. É preciso termos uma natural compreensão do ritmo mais pausado do STF, tendo em vista sua natureza de tribunal constitucional.

    Agora mesmo o Supremo debruça-se sobre questões tão diversas como o fornecimento de medicamentos para doenças raras, desaposentação de assalariados, correção monetária de débitos bancários remotos e sabe-se lá quantos mais temas de difícil exame.

    Nem por isso se deve ter paciência infinita. Não é de hoje que o STF tem competência penal nos casos de foro privilegiado, algo que vem da Constituição de 1824. O Supremo precisa estar preparado para se desincumbir dessa missão constitucional relevante, ainda que espinhosa.

    Mesmo com o expressivo número de processos que cada ministro do STF tem sob sua responsabilidade, cada um também tem a prerrogativa de requisitar juízes que o auxiliem em seu vasto e minucioso trabalho.

    A verdade é que não se pode dar a impressão de que, no Supremo, as questões penais de foro privilegiado entram na fila comum dos processos. Certamente, se assim for, razão há para um ritmo bem lento.

    Não faz muito o STF julgou uma ação de reconhecimento de paternidade que tramitava por 33 anos. Quando por unanimidade os ministros decidiram o desfecho do caso, o pai, a mãe e o filho já haviam falecido. É um caso escandaloso, mas afeto, enfim, a uma única família.

    Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, tenho pautado toda a minha vida pública pela defesa da transparência, pela aplicação correta dos recursos públicos e pelo permanente combate à corrupção. Sinto-me, portanto, à vontade para comentar a impaciência da população diante do que lhe parece impunidade.

    Os casos relacionados às denúncias de corrupção referem-se à moralidade da administração, à lisura da atividade política e à correção da vida social. Referem-se a todos os brasileiros, reconhecidos constitucionalmente como iguais.

    A lentidão deixa, no País, a ideia de que as autoridades se deixam enredar pela Justiça e, quando têm seus casos avocados pelo Supremo, contam as horas em ritmo diferente dos mortais que começam a penar na primeira instância.

    Essa ideia pode ser vista como falsa, mas nem por isso deixa de se tornar desagregadora. Como já dizia o velho Rui, a Justiça não pode tardar.


    U:\SUPER\AAAAAESCRIBA.doc 6:04



Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2016 - Página 72