Fala da Presidência durante a 180ª Sessão Especial, no Senado Federal

Encerramento da Sessão Especial destinada a comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS E MINORIAS:
  • Encerramento da Sessão Especial destinada a comemorar o Dia Nacional da Consciência Negra e à entrega da Comenda Senador Abdias Nascimento.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2016 - Página 29
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS E MINORIAS
Indexação
  • SESSÃO ESPECIAL, COMEMORAÇÃO, DIA NACIONAL, CONSCIENTIZAÇÃO, GRUPO ETNICO, NEGRO, ENTREGA, COMENDA, SENADOR, ABDIAS NASCIMENTO, OBJETIVO, HOMENAGEM, PERSONAGEM ILUSTRE, RELEVANCIA, CONTRIBUIÇÃO, PROTEÇÃO, CULTURA AFRO-BRASILEIRA, IMPORTANCIA, COMBATE, DISCRIMINAÇÃO RACIAL, ENCERRAMENTO, SESSÃO.

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Vocês ainda terão hoje – são 13h46... (Fora do microfone.)

    ... um sacrifício e um presente. O sacrifício é ouvir o discurso oficial que eu tenho de fazer em nome da Casa. E o presente é que quem vai encerrar – ele está aqui ainda, não é? Para não me deixar mal. Está aqui – a sessão será o nosso querido cantor Denilson, com a música Primavera, de Tim Maia.

    Segure aí, Denilson. É uma notícia boa e uma ruim; primeiro, a ruim. A boa será você no encerramento. Só um minutinho, pessoal, mas eu o farei o mais rápido possível.

    Em nome do Presidente do Senado e da Presidência da Comissão de Direitos Humanos, no encerramento desta sessão, fazemos o seguinte pronunciamento: no último domingo, lembramos todos o dia 20 de novembro, Dia de Zumbi dos Palmares.

    A celebração da consciência negra, contudo, para muito além das questões pessoais ou do interesse do conjunto de afrodescendentes, é algo a ser relembrado e comemorado por toda a sociedade brasileira.

    Senhoras e senhores, a despeito das tantas mazelas presentes em nossa história, no fio dos séculos, desde a chegada dos portugueses até a atualidade, a miscigenação representa um verdadeiro ativo de nossa cultura, que é real. O encontro de tantos povos nas terras brasileiras resultou nesse povo lindo, com a participação fundamental do povo negro e com uma mentalidade aberta e inclinada à aceitação das diferenças.

    Dos portugueses, herdamos a língua mãe, as instituições e a curiosidade para desbravar o mundo e investigar o novo. Poucos povos apresentaram tamanha coragem para transpor os mares e caminhar em terras desconhecidas.

    No Brasil, foi a nefasta escravidão que garantiu a Portugal o sucesso na impressionante tarefa de domínio da monumental colônia na América do Sul.

    A cultura portuguesa, todavia, guarda uma saudade lacrimosa e um recato entristecido, tão bem retratados nas melodias do fado. Eis porque o brilhante escritor Jorge Amado, certa vez, afirmou terem sido os negros os que nos salvaram da melancolia dos portugueses.

    Longe de nós – entendam bem –, senhoras e senhores, Senadores e Senadoras, aqui reforçar qualquer tipo de estereótipo ou opinião negativa em relação ao povo português, que nós tanto conhecemos, mas a verdade é que a carga humana dos navios negreiros despejou, em nosso litoral, muito mais do que os braços para o cultivo da terra. O que de mais valioso nos chegou foi toda uma luz bela, bonita, de culturas africanas, que, imersas na dor do trabalho forçado e no sentimento de saudade da terra, souberam imprimir máxima expressividade à nossa cultura tão solar.

    Somos, de fato, uma terra de enormes expressões culturais; somos esse samba longínquo esculpido em tambores e percussão imemoriais, porém cantado na expressiva língua de Camões. Somos, sim, a África; somos, sim, a Europa; somos, sim, um povo formado por italianos, alemães, portugueses, espanhóis e por tantas etnias; somos a Ásia dos japoneses que aqui também chegaram no início do século XX; somos o povo formado pelos indígenas; somos os povos que chegaram aqui não só da África, mas também dos cinco continentes. O Brasil, como eu disse antes, acolhe todos os continentes, todos que aqui chegaram.

    Fiquem com a canção de um cantor e poeta brasileiro que diz que o mundo cabe num abraço, e esse abraço o Brasil tem dado a muitos imigrantes que estão chegando ao País. Espero que eles encontrem aqui a sua nova pátria. A nossa luta pelos direitos humanos, podem crer, não tem fronteira, porque, afinal, pátria somos todos!

    Muito antes do que conhecemos como história da humanidade, já se desenrolava neste Planeta uma história...

(Soa a campainha.)

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – ... geológica talvez só perceptível aos olhos de Deus.

    E, antes deste minúsculo Planeta azul se configurar como no presente, havia, em sua superfície quente, a imensa massa de terra denominada Pangeia, que, então, reunia os cinco continentes, tal qual sabemos.

    Mesmo ao exame vivaz de uma criança na interpretação cuidadosa do globo terrestre ou do mapa-múndi, não escapa a perfeita coincidência do recorte da pátria mãe, África, com a silhueta da América do Sul, que da África se desprendeu na noite dos tempos.

    Terras e mares moveram-se no passado e ainda se movem, porém o Brasil e a África jamais se desprenderam, porque apresentam forte amarração espiritual, afetiva e intelectual.

    Hoje, aqui, tanto quanto reconhecer em um País edificado no modo de produção escravista e agrário-exportador, reconhecemos a imensa felicidade de nossa pluralidade.

    Celebramos o reflexo humano de nossos olhos e faces nos olhos e faces de mulheres e homens diferentes de nós, e, a um só tempo, tão iguais a nós. Sim, tão iguais a todos nós.

    Senhoras e senhores, a consciência negra tem como preceito básico a liberdade que, por sua vez, tem como pré-requisito políticas de igualdade.

    Liberdade e igualdade são os ideais da força predominantes na trajetória do grande Zumbi, um inquestionável símbolo da grande luta dos negros contra a escravidão. Zumbi, sim, Zumbi, para mim, foi o maior líder de todos os tempos da história deste País. Zumbi dos Palmares já sabia que outro mundo é possível; por isso, lutou por um quilombo igualitário. No Quilombo de Zumbi dos Palmares, negros, brancos e índios, todos eram bem vistos, e ele os recebia.

    Enfim, amigos, nesta sessão especial, o Senado Federal homenageia, personalidades que se destacaram na luta tão bem representada pela figura daquele líder negro, mas que revelou outras figuras notáveis; figuras como a de um homem que tão bem utilizou as tribunas do Congresso como Deputado Federal e como Senador da República, alguém que se tornou um dos mais Importantes ativistas dos direitos do Brasil e do mundo; um idealista que escolheu a luta contra a discriminação e contra o preconceito como a razão de sua própria vida; um poeta, um ator, um escritor, um artista, um professor universitário, um secretário de Governo, um Parlamentar, tudo isso, mas, acima de tudo, um incansável lutador, um guerreiro na defesa da cultura e da igualdade de direitos para a população afrodescendente. Refiro-me, claro, ao único e grande líder, a quem eu peço uma salva de palmas, Abdias do Nascimento. (Palmas.)

    Abdias Nascimento, receba, lá no alto, as palmas desta sessão.

    A concessão da Comenda Senador Abdias Nascimento consolida, por parte desta Casa, o reconhecimento dessa magnífica figura, mas é ainda uma insígnia destinada a homenagear pessoas ou organizações que têm oferecido contribuições relevantes à proteção e à promoção da cultura afro-brasileira.

    Este ano, o Conselho da Comenda Senador Abdias Nascimento, que tenho a honra de presidir, decidiu agraciar, em sua 3ª edição, o Instituto de Mulheres Negras de Mato Grosso (Imune), o cantor Lazzo Matumbi – ambos nos brindaram com belas oratórias, tanto a representante do Mato Grosso como também o cantor Lazzo Matumbi –, a atriz Zezé Motta e o percussionista Naná Vasconcelos, in memoriam.

    Fundado em 2002, o Imune se autodefine como uma organização social que tem como objetivo orientar dinamicamente o processo de crescimento das mulheres negras. Para além desta modéstia, de fato o Imune consolidou-se como uma organização sem fins lucrativos, que prioriza as questões de gênero, sem abrir mão de buscar o reconhecimento dos valores históricos, sociais e culturais das comunidades afrodescendentes de Mato Grosso e do Brasil.

    Verbete do Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira, refiro-me, agora, ao grande Lazzo Matumbi. Baiano de Salvador, mas um menino de Cotegipe, não fugiria jamais do destino e da sua própria história – de soteropolitano a afrodescendente, cantor e compositor, poeta com vários álbuns gravados, sendo um deles classificado como um dos 100 melhores CDs do Brasil no ano de 2013. Lázaro Jerônimo Ferreira, o Lazzo, em 1978 foi convidado para integrar o Ilê Aiyê. Depois de alguns anos, dedicou-se a fazer ação social dentro do carnaval de Salvador. Pensando na importância do trabalho coletivo para que a comunidade negra continue conquistando dias melhores, criou o seu próprio bloco, Coração Rastafari, que troca alimentos não perecíveis por camisas, sempre tocando reggae e o coração dos brasileiros.

    Vamos em frente.

    "Tem gente que me chama Xica, outros de Zezé, podem me chamar como quiser", essa é a nossa Zezé Motta, que, em 2017, sentirá a emoção de ser homenageada na Marquês de Sapucaí. A Escola de Samba Acadêmicos do Sossego, de Niterói, escolheu, como tema do seu próximo enredo, "Zezé Motta – A Deusa de Ébano". Nada mais justo em se tratando dessa fluminense de Campos, mas carioca da Gema desde os dois anos de idade. Aluna do tablado, começou a carreira de atriz em 1967, estrelando a peça Roda Viva, de Chico Buarque. Zezé, Zezé, além de se imortalizar como Xica da Silva, atuou em incontáveis obras artísticas, peças de teatro, telenovelas, filmes, shows, discos, sendo considerada uma das mais importantes atrizes negras do Brasil.

    Um dos maiores percussionistas da música mundial, Juvenal de Holanda Vasconcelos, nosso querido Naná, que morreu em 9 de março deste ano, é uma referência internacional. Naná Vasconcelos venceu oito prêmios Grammy e também foi escolhido pela revista americana DownBeat, em oito oportunidades, como o melhor percussionista do mundo. Responsável por quase toda a trilha sonora de O Menino e o Mundo, animação brasileira de Alê Abreu indicada ao Oscar de 2016, Naná, em 2013, ao ser o grande homenageado do Carnaval do Recife, declarou: "Ser homenageado vivo já é uma vitória; na minha terra, são duas. O que mais posso querer?" Infelizmente para nós, não deu tempo, Naná. Mas você está aqui entre nós, tão presente que dispensa maiores comentários. Dada sua grandeza, meu caro doutor honoris causa pela Universidade Federal Rural de Pernambuco, o seu percussivo nome ecoará sempre em nossas mentes – não apenas nesta sessão, mas por toda nossa existência.

    Por tudo isso eu digo: vida longa, vida longa aos ideais de Abdias Nascimento! Vida longa, vida longa aos discípulos de Abdias Nascimento! Que as causas de Abdias Nascimento se eternizem nas nossas lutas.

    Gostaria muito, muito que a humanidade fosse uma aquarela, em que todas as cores brilhassem de forma natural, numa grande integração – até porque os grandes diamantes se confundem pela beleza das cores, sejam brancos ou sejam negros.

    Adoro tanto a visão do encontro de raças, que termino esta minha fala com um poema de canção que tem norteado muito também o meu próprio caminhar ao longo da minha vida. Eu só acredito num Brasil novo, numa grande Nação, quando negros, brancos e índios sentarem à mesma mesa e comerem do mesmo pão – parafraseando Martin Luther King. Por isso, esse é o eixo deste meu pronunciamento.

    Termino lendo um poema, que é uma verdadeira canção, que leva o nome de Eu só peço a Deus, imortalizado na voz de Mercedes Sosa, La Negra, na minha visão de que os direitos humanos não têm fronteira:

Eu só peço a Deus

Que a dor não me seja indiferente

Que a morte não me encontre um dia

Solitário, sem ter feito [tudo] o q'eu queria

Eu só peço a Deus

Que a injustiça não me seja indiferente

Pois não posso dar a outra face

Se já fui machucada brutalmente

Eu só peço a Deus

Que a guerra não me seja indiferente

É um monstro grande e pisa forte

Toda a pobre inocência dessa [nossa querida] gente

Eu só peço a Deus

Que a mentira não me seja indiferente

Se um só traidor tem mais poder que um povo

Que este povo não esqueça facilmente

Eu só peço a Deus

Que o futuro não me seja indiferente

Sem ter que fugir desenganando

Pra viver uma cultura diferente

    E termino com a última estrofe, que cai muito neste momento:

Eu só peço a Deus

Que a mentira não me seja indiferente

Se um só traidor tem mais poder que um povo

Que este povo não esqueça facilmente

    Muito obrigado a todos. (Palmas.)

    Está encerrada a nossa sessão de homenagem com a fala – tenho certeza – emocionante, na voz do querido Denilson, lembrando Tim Maia, com a música Primavera.

(Procede-se à interpretação da música.)

    O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS) – Grande Denilson Bhastos!

    Uma salva de palmas de pé para o Denilson por essa bela interpretação! (Palmas.)

    Está encerrada a sessão de homenagem ao nosso líder inesquecível, o grande Abdias Nascimento.

    Palmas ao movimento e à consciência negra. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2016 - Página 29