Comunicação inadiável durante a 181ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Elogio à aprovação, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da Proposta de Emenda à Constituição que limita a incidência do foro por prerrogativa de função.

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Comunicação inadiável
Resumo por assunto
PODER JUDICIARIO:
  • Elogio à aprovação, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, da Proposta de Emenda à Constituição que limita a incidência do foro por prerrogativa de função.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2016 - Página 37
Assunto
Outros > PODER JUDICIARIO
Indexação
  • ELOGIO, APROVAÇÃO, COMISSÃO DE CONSTITUIÇÃO JUSTIÇA E CIDADANIA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, LIMITAÇÃO, FORO ESPECIAL, MOTIVO, AUSENCIA, AGILIZAÇÃO, JULGAMENTO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), INCIDENCIA, PRESCRIÇÃO, RESULTADO, IMPUNIDADE, CRITICA, SISTEMA, JUDICIARIO.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Para uma comunicação inadiável. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores. Foi grande o esforço para que, na última sessão da Comissão de Constituição e Justiça, nós finalmente déssemos um fim a isto que vem se transformando no País, ao longo dos anos, em um escudo, em um biombo, de modo a permitir que pessoas busquem na política ou nos mandatos populares um biombo, um escudo para se afastarem dos seus crimes comuns.

    Eu estou me referindo ao foro privilegiado, que, no Brasil, se banalizou e se transformou, na prática, em uma imoralidade. É esse tema, Sr. Presidente, que quero abordar na tarde desta quinta-feira.

    Não conseguimos, Líder Aloysio Nunes Ferreira, votar essa matéria na última quarta-feira. Não conseguimos a inversão de pauta, mas conseguimos o compromisso da parte do Senador Maranhão – o nosso Presidente da Comissão de Justiça – de que, na próxima quarta, este será o primeiro item da pauta. E, assim sendo, nós estaremos enfrentando esse debate de maneira absolutamente destemida.

    O foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, é o instrumento pelo qual os tribunais específicos têm o poder de processar e julgar determinadas pessoas ou grupos de pessoas.

    No Brasil, o foro privilegiado já vem de muito longe e hoje se apresenta como um remédio que, graças à dosagem extrema com a qual é apresentado, já virou há muito veneno e deixou de ser remédio.

    Mas quem surgiu primeiro no País? A nossa Constituição ou o foro privilegiado? Os dois nasceram juntos. Logo na primeira Constituição do País, promulgada em 1824, no Império ainda, o foro privilegiado já estava lá marcando presença. Vejamos o que diz o art. 47 da nossa primeira Constituição Federal. Aspas:

Art. 47. É da atribuição exclusiva do Senado:

I - Conhecer dos delitos individuais, cometidos pelos membros da Família Imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado e senadores; e dos delitos dos deputados, durante o período da Legislatura.

    Agora, vejamos o absurdo adicional aos olhos de hoje: outro artigo da Constituição de 1824, a nossa primeira Constituição Federal, o seu art. 99, com relação à figura do imperador, que era inimputável.

    Diz o artigo, Senador José Aníbal: "A Pessoa do Imperador é individual e sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma". Isso era o que prosperava em 1824.

    Ao Supremo Tribunal de Justiça, à mais alta Corte da época, a Constituição reservava o seguinte papel: "Conhecer dos delitos e erros do Ofício que cometeram os seus ministros, [...] os empregados no Corpo Diplomático e os Presidentes das Províncias." – equivalentes hoje aos governadores de Estado.

     Portanto, essa coisa do foro privilegiado nasce com a nossa primeira Constituição Federal, e todas elas, ao longo da República, vêm se arrastando e ganhando em cada momento sentidos de banalização.

    A partir daí, o que ocorreu? O foro privilegiado não apenas continuou como também se ampliou largamente ao longo das nossas seis Constituições republicanas. Na Constituição de 1988, o instrumento atingiu o seu ápice, o topo, contemplando enorme leque de autoridades num patamar sem equivalência em parte alguma do mundo.

    Após debate intenso entre Constituintes, a atual Constituição, apesar de ser considerada a mais democrática de todas elas, não prevê expressamente vedação de foro privilegiado; muito pelo contrário, a Constituição cidadã acabou sendo muito generosa no quesito foro privilegiado, ampliando o fosso entre a maioria da população e uma parcela minoritária de privilegiados.

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – O resultado dessa banalização é que atualmente são 22 mil pessoas pelo menos em todo o Brasil que gozam desse privilégio, meio como que criando cidadãos de primeira e de segunda classe, pessoas que gozam de um inaceitável privilégio de responder a processos criminais diretamente a tribunais especiais e não a um juiz comum, de primeiro grau, fortalecendo, inclusive, a figura e a pessoa do juiz natural.

    Eu não estou me referindo aqui à chamada imunidade material, mas a crimes comuns. São protegidos pelo foro especial não apenas políticos, não apenas Presidente e Vice-Presidente da República, ministros, deputados estaduais, Deputados Federais, Senadores, comandantes das Forças Armadas, governadores, prefeitos, mas não apenas isso. Também juízes de primeiro grau, juízes dos Tribunais Superiores, juízes federais, desembargadores federais e membros, em toda a sua inteireza, do Ministério Público e dos Tribunais de Contas. Na prática, não é difícil chegar à conclusão de que o foro privilegiado no Brasil se transformou numa farra, e essa farra tem potencializado a impunidade. Essa é que é a verdade.

    Conforme o cargo que ocupam, esses brasileiros são julgados por Tribunais de Justiça dos Estados, Tribunais Regionais Federais, Superior Tribunal de Justiça e até mesmo pela mais alta Corte do nosso País, o Supremo Tribunal Federal, inclusive em um desvio absoluto daquilo que a Constituição preserva para a nossa maior Corte. Ou seja, esses temas não deveriam e não podem continuar trabalhando no congestionamento da nossa mais elevada Corte. É algo intolerável.

    Precisamos acabar com essa verdadeira farra do foro privilegiado, até porque o art. 5º da Constituição Federal estabelece que todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas o foro privilegiado é uma exceção imoral, que acabou virando regra e não exceção. Na República, a lei nos iguala ou pelo menos deveria nos igualar.

    Estamos aqui a avaliar um instrumento que nega a igualdade e exalta a impunidade para nós Parlamentares. Que prerrogativas deveríamos ter para o exercício das nossas tarefas, que são delegadas pela população brasileira? Evidentemente só as que garantem a palavra para firmar nossas convicções, sem qualquer tipo de censura.

    É excesso qualquer prerrogativa para além do limite da chamada imunidade material, que torna invioláveis as nossas opiniões, as nossas convicções, por qualquer que sejam elas. Esse é o limite daquilo que nós precisamos para o exercício dos nossos mandatos em favor da sociedade brasileira, até porque, Senador José Aníbal, mandato não é propriedade particular de quem o exerce; mandato é propriedade da sociedade. Nós recebemos uma delegação para atuar em seu nome e não podemos nos valer disso para continuarmos com esses excessos – e o foro privilegiado seguramente é um desses excessos.

    Falemos aqui, então, em bom português: o foro privilegiado serviu e serve até hoje de biombo para ocultar delitos praticados por uma minoria, como escudo para retardar ou anular punições, porque as prescrições, aos montes, estão presentes no julgamento no Supremo Tribunal Federal.

    Há hoje, no Supremo Tribunal Federal, 84 inquéritos envolvendo 53 Deputados e Senadores e que se tornaram ações penais no Supremo Tribunal Federal. Elas estão, em média – creiam V. Exªs ou pasmem V. Exs –, há mais de sete anos sem previsão desfecho. Desse total de processos, 22 tramitam há mais de dez anos na instância do Supremo Tribunal Federal. Outros 37 casos já passaram de seis anos à espera de julgamento. O foro privilegiado afronta a democracia, a cidadania, quando se sabe também que só 16 dos mais de 500 Parlamentares...

(Soa a campainha.)

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES) – ... processados no Supremo Tribunal Federal, entre 1988 e o ano passado, foram condenados por crimes contra a Administração Pública.

    Estamos, pois, diante de um sistema absolutamente falido, carcomido e esgotado. Os processos não andam, os tribunais não conseguem julgar os privilegiados, e a Justiça deixa de ser efetiva.

    Em 2003, o Supremo Tribunal Federal levava, em média, 277 dias para julgar ações penais com foro privilegiado. Em 2016, são mais de 1.200 dias, um avanço de aproximadamente 400%, e o volume de ações novas subiu para mais de 150%.

    Essa morosidade toda nos faz lembrar de Rui Barbosa quando afirmou certa vez que: "Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta." É diante disso que nós estamos.

    A ninguém, em nenhuma República, pode ser dado o privilégio de ser julgado em uma corte especial por crime comum. A lei nos iguala, pois a todos submete da mesma forma ou, pelo menos, deveria submeter. É das ruas que vem o clamor por mais igualdade de tratamento aos cidadãos, por uma Justiça eficiente e por mais decência no trato da coisa pública.

    Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é com essa expectativa que, na próxima quarta-feira, nós estaremos lá, não apenas eu, mas quero crer que o meu Partido, o PSDB, e todos nós que fazemos parte daquela Comissão, para que possamos estar em linha, brigando e brindando contra, naturalmente, a manutenção do foro privilegiado, que, no Brasil, banalizou-se e já ganha ares de criminalidade.

    Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2016 - Página 37