Pronunciamento de Jorge Viana em 24/11/2016
Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que torna o delito de estupro inafiançável e imprescritível.
- Autor
- Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
- Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO PENAL:
- Defesa da aprovação da Proposta de Emenda à Constituição que torna o delito de estupro inafiançável e imprescritível.
- Aparteantes
- Ana Amélia, José Pimentel.
- Publicação
- Publicação no DSF de 25/11/2016 - Página 55
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
- Indexação
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- DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, CONVERSÃO, DELITO, ESTUPRO, CRIME INAFIANÇAVEL, CRIME, IMPRESCRITIBILIDADE, SUJEIÇÃO, PENA DE RECLUSÃO, MOTIVO, AUMENTO, INCIDENCIA, CRIME CONTRA A LIBERDADE SEXUAL, RESPEITO, SEGURANÇA, MULHER, COMBATE, IMPUNIDADE.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente Renan, colegas Senadoras e Senadores, eu queria rapidamente, primeiro, agradecer às Senadoras e aos Senadores que estão subscrevendo uma proposta de emenda à Constituição que estou apresentando. Já colhemos aqui, no plenário, a assinatura de praticamente todos os Senadores presentes, muitos se manifestando e me cumprimentando pela oportunidade da iniciativa. Eu me refiro a uma proposta de emenda à Constituição que torna a prática de estupro crime inafiançável, imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei.
A iniciativa – agradeço à assessoria que me ajuda, Paulo Emílio, Yulo e outros – prevê uma mudança na Constituição, fazendo uma alteração no art. 1º e no que trata também do art. 5º da Constituição Federal, e passa a fazer uma pequena e muito importante alteração. Onde antes se previa que a prática do racismo constitui crime inafiançável, imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei, estou incluindo a prática do racismo e do estupro.
Nós tivemos recentemente divulgado o 10º Anuário Brasileiro de Segurança Pública, e é lamentável ter que registrar aqui. Nós acabamos de aprovar uma medida que dá mais direito, como bem colocou a Senadora Regina, a Senadora Simone Tebet, às mulheres que advogam. Mas, Senadora Regina, o que nós estamos tendo no Brasil lamentavelmente é, quando não há manutenção, o crescimento do crime de estupro. Isso é algo inaceitável.
São permanentes em todas as camadas sociais as denúncias de muitas mulheres, algumas que guardaram a agressão, a brutalidade que viveram, por décadas até, e revelam com a vida já bem avançada; outras que, com medo de represália, não denunciam. Mas os números são gritantes.
Em 2014, no Brasil, foram 50 mil registrados, 50 mil estupros. Em 2015, 45 mil. Quarenta e cinco mil mulheres, mães, vítimas dessa brutalidade e desse crime.
No meu Estado lamentavelmente também, o Estado do Acre, tem crescido esse crime. Em 2014, foram 478 e, em 2015, 524. No Estado de Rondônia, por exemplo, foram 778 crimes de estupro em 2014 e 692 em 2015. E eu me refiro àquilo que foi registrado, virou uma ocorrência policial. Quantos mais ocorreram, e não fazem parte da estatística?
Por isso eu apresento essa proposta de emenda à Constituição – agradeço as Senadoras e os Senadores, até o próprio Presidente Renan ainda há pouco subscreveu –, por meio da qual eu faço a modificação no art. 5º da Constituição e proponho a mesma tipificação dada ao crime do racismo, para que ele seja inafiançável. Ele tem que ser inafiançável, imprescritível também e sujeito à pena de reclusão.
Já temos tipificado na Constituição, Senador Pimentel, no art. 5º da Constituição, o crime do racismo, mas o trauma, a agressão, a brutalidade do estupro, que é noticiado no mundo inteiro, merece sim uma modificação na nossa Constituição, para que, da mesma maneira, não haja motivo para ele ser consumido pelo tempo.
Então, a ideia é que ele fique imprescritível, sujeito à pena de reclusão e inafiançável. É uma proposta, não tenho nenhuma dúvida, que fazemos em respeito às mulheres do País e também aos homens, porque não é possível que não se diferenciem aqueles assassinos violentos de outros homens, a grande maioria, que procuram uma relação harmônica na sociedade, especialmente com as mulheres.
Eu ouço o Senador José Pimentel, com muita satisfação.
O Sr. José Pimentel (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - CE) – Senador Jorge Viana, eu quero parabenizá-lo por essa iniciativa. Tive a oportunidade de subscrever essa proposta de emenda constitucional que vem em boa hora.
O Brasil é um dos países do mundo que têm mais crime de estupro, de perseguição aos mais fracos, aos mais frágeis, às mulheres e às crianças, principalmente. Por isso, já era a hora de pensar nessa inclusão na Constituição Federal para torná-lo imprescritível e com isso em qualquer época que se praticar, como é o crime de tortura, que é imprescritível também. Nós precisamos ter essa posição no Brasil, até porque a nossa cultura é de não respeito à mulher. Se observarmos por 300 anos, na época do Brasil escravo, a mulher negra era objeto do dono da casa grande para o que ele bem quisesse e pudesse fazer. Era considerada um semovente. Não era um ser humano, era um animal, como é o burro, o cavalo, o jumento, os animais que têm uma atividade laboral dentro da propriedade e junto àqueles que acumulam riquezas. As mulheres negras, as mulheres índias, mas principalmente as mulheres negras. Era dessa forma que até 1888, finalzinho do Século XIX, elas eram tratadas. Muitas vezes, o filho do dono da casa grande tinha com a negra a sua iniciação sexual, sem nenhum respeito, sem nenhuma atenção para com esse ser humano, filho de Deus também, mas que, lamentavelmente, era escravo. Esse público era, basicamente, todo analfabeto. Em 1822, quando o Brasil se tornou independente, 98% da população brasileira era analfabeta. Entre os negros e os índios, esse índice era alarmante. Exatamente por isso, V. Exª traz essa proposta numa boa hora, quando estamos rediscutindo os valores e a necessidade de respeito a todos, independentemente da cor, da religião, da sua filiação político-partidária e da sua visão de mundo. Por isso quero parabenizá-lo. Vamos trabalhar junto ao nosso Presidente José Maranhão, da Comissão de Constituição e Justiça, para dar a celeridade que ele sempre deu em atenção a essas matérias. Parabéns!
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Agradeço o aparte. Devo dizer que a Senadora Regina foi a segunda a subscrever, junto comigo. Tenho aqui também a colega Senadora Ana Amélia.
A proposta que estou fazendo, de mudança da Constituição para prever a mesma tipificação para o crime de estupro e o crime de racismo, é para que sejam imprescritíveis, para que levem à reclusão. Tenho os dados do Anuário Estatístico da Segurança. Foram, no ano de 2015, 45 mil estupros registrados. Agora veja o que diz o Ipea: no mesmo ano, não registrado, houve meio milhão de mulheres, meio milhão de brasileiras que sofreram estupro. Então, mais de dez vezes. Para cada registro de estupro numa delegacia, num órgão de segurança, você tem dez outros que não foram registrados. Isso mostra que é uma situação invisível, porque a mulher, com medo, com receio, com vergonha, enfim, com insegurança, não se manifesta.
Senadora Ana Amélia, Senadora Regina, para cada grupo de 100 mil habitantes do Brasil, 22 mulheres são estupradas por ano. Para cada grupo de 100 mil.
Nós temos outra chaga: para cada grupo de 100 mil habitantes, 25 pessoas são assassinadas no Brasil. Lamentavelmente, o meu Estado já foi um dos mais violentos nas décadas de 80 e 90. Era o campeão de criminalidade. Passava de quase 60 mil assassinatos para cada grupo de 100 mil. Alagoas, antes do atual Governador, tinha mais de 50 assassinatos para cada grupo de 100 mil. O Acre agora está abaixo da média nacional, mas o índice ainda é muito elevado. Do ponto de vista do estupro, o Acre está no topo também.
É inaceitável. Eu, como Senador pelo Acre, acho que se conseguirmos aprovar essa medida – e agradeço ao Senador Pimentel, Vice-Presidente da Comissão de Constituição e Justiça –, coletando essas assinaturas, fazendo uma pequeníssima alteração, poderemos mudar definitivamente, e pela lei, o que não resolve, mas ajuda muito a combater, a enfrentar esse invisível problema que atinge, seguramente, mais de meio milhão de brasileiras todos os anos.
A alteração que estou fazendo é no art. 5º da Constituição, modificando o inciso que diz: "A prática do racismo [e estou incluindo "e do estupro"] constitui crime inafiançável, imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei".
É só isso, mas não tenho dúvida de que a impunidade daqueles que criam uma chaga na vida de milhões de mulheres no Brasil pode cessar, pode ter fim.
Ouço a Senadora Ana Amélia com muita satisfação. Como V. Exª não estava presente ainda há pouco, vou coletar imediatamente a sua assinatura, porque sei que V. Exª, com a Senadora Regina e as outras colegas, será defensora dessa proposta que considero uma resposta às mulheres que estão com medo, àquelas sofreram o trauma, que sofreram a violência e não recorreram às autoridades policiais com algum tipo de receio.
Se a lei mudar, se a lei for mais dura, quem sabe ganharemos um grande aliado para pôr fim a essa mancha que o nosso País carrega, a de ser um dos países onde mais ocorrem estupros no mundo.
Ouço a Senadora Ana Amélia.
A Srª Ana Amélia (Bloco Parlamentar Democracia Progressista/PP - RS) – Caro Senador Jorge Viana, caras colegas Senadoras e Senadores, com muito prazer vou apor a minha assinatura nessa proposta de V. Exª, Senador Jorge Viana. Eu até gostaria que não fosse necessária a lei. Eu gostaria que o tratamento desses dois temas a dispensasse, exatamente pela compreensão das pessoas de que é impossível, no século XXI, conviver com o racismo ou com a discriminação de minorias na questão de gênero, especialmente a violência contra a mulher. Nós temos a Lei Maria da Penha, que foi um avanço, reconheço, extraordinário em relação às medidas protetivas contra a violência à mulher. Mas, lamentavelmente, mesmo com essa lei decorrente de uma exemplar testemunha, porque leva o nome de uma mulher que foi violentamente agredida pelo companheiro, Maria da Penha, esse crime continua. Nos corredores da nossa Casa, ouço com muita frequência: "Senadora, faça alguma coisa, porque a violência contra as mulheres em meu Estado está aumentando". Sou do Rio Grande do Sul, um Estado considerado politizado, de uma cultura forte, com uma boa vivência social, um Estado hospitaleiro. No entanto, temos regiões em meu Estado em que a violência contra a mulher é também alarmante, com altos índices. Então, penso que talvez essa iniciativa possa avançar o sinal. O grande problema de fato, Senador, é a impunidade. Isso agrava a situação da violência contra a mulher e as questões relacionadas ao racismo. Então, vou dar apoio à essa iniciativa, desejando que nós não precisássemos fazer leis e que a sociedade se comportasse de maneira adequada. Muito obrigada.
O SR. JORGE VIANA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - AC) – Eu que agradeço. E devo dizer que essa alteração no inciso XLII do art. 5º da Constituição, eu não tenho dúvida de que é uma necessidade, porque esse é o crime praticado na calada da noite, de surpresa. Todo e qualquer crime tem que ser repudiado, tem que ser punido, mas esse crime do estupro é algo que a mulher não tem a quem recorrer depois que está consumado. E nós precisamos, sim, mandar uma mensagem para todos que usam dessa violência de que a lei vai ser duríssima, a punição será em qualquer tempo, porque é inafiançável e é também imprescritível.
Com essa mensagem, eu acho que nós ganhamos, do ponto de vista da legislação, um grande e importante aliado para enfrentar essa violência contra as mulheres. E mais grave ainda, se é que pode ser mais grave, com jovens, muitas jovens. Eu tenho duas filhas e tenho uma neta. Na minha casa, na minha família, a maioria é de mulheres, e não tenho nenhuma dúvida de que temos ainda muita coisa para fazer neste País.
A Senadora Regina falou ainda agora que não é para igualar homem e mulher, não. Somos diferentes. Temos que ter leis diferentes. Se somos diferentes, tratamento diferente. Isso é ser justo, isso é ser adequado. E o que eu estou buscando aqui é também algo que atende o meu Estado.
Sei do esforço do Governador Tião Viana. Melhoramos os indicadores econômicos, melhoramos fortemente os indicadores de educação e também de saúde, apesar de termos ainda problemas em todas essas áreas a serem enfrentados. Mas o que nós estamos vendo no Acre? O crescimento do crime de estupro. E isso é inaceitável! Como é que melhoramos tantos outros indicadores e esse piora, esse nos coloca entre os Estados com maior percentual de estupros por habitante?
Essa iniciativa minha, não tenho nenhuma dúvida, se soma à possibilidade de políticas sociais. Estive esta semana reunido com a equipe da Prefeitura e do Governo do Estado, pois me preocupa muito este momento que estamos vivendo. Não é uma recessão que o Brasil está enfrentando neste momento; é uma depressão. Há uma tendência de se agravarem fortemente, aceleradamente os problemas sociais, especialmente das parcelas mais frágeis da população. E a violência certamente é um grande aliado quando existe a dificuldade econômica e a dificuldade social de uma parcela maior da população.
Então, nesse sentido, apresento essa proposta de emenda à Constituição que modifica o art. 5º da Constituição, altera, faz uma pequena, mas muito forte e significativa alteração no inciso XLII do art. 5º da Constituição, que é o artigo das garantias que nós temos, talvez um dos mais importantes artigos da Constituição, tanto é que tem essa quantidade de incisos. Se aprovada esta proposta de emenda à Constituição aqui no Senado, ele passará a ter a seguinte redação:
Art. 5º
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XLII – a prática do racismo [e eu incluo com a minha proposta: e do estupro] constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei;
É essa a colaboração, como legislador, como Senador, que quero dar, oferecer a todas as mulheres de todo o Brasil e à nossa sociedade como um todo, para homens e mulheres, porque só vamos poder nos tipificar como uma sociedade contemporânea deste milênio, deste século se crimes como esse não fizerem mais parte da rotina da vida e do sofrimento de milhões de brasileiras.
Então, era isso, Sr. Presidente. Peço, mais uma vez, a assinatura das Senadoras e dos Senadores que ainda não assinaram essa proposta de emenda à Constituição que trago para o Senado, torno pública hoje e espero que, muito breve, possa estar sendo pautada na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.
Muito obrigado.