Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à Proposta de Emenda à Constituição de limitação dos gastos públicos, por possuir ideologia neoliberal.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas à Proposta de Emenda à Constituição de limitação dos gastos públicos, por possuir ideologia neoliberal.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2016 - Página 58
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, LIMITAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, MOTIVO, IDEOLOGIA, LIBERALISMO, RESULTADO, PREJUIZO, DIREITOS SOCIAIS, COMPARAÇÃO, REGIME MILITAR, DESAPROVAÇÃO, CONDUTA, IMPRENSA, REJEIÇÃO, DISCURSO, ALVARO DIAS, SENADOR, OBJETO, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, é com imenso prazer que me dirijo ao Plenário e, principalmente, aos meus amigos aqui da frente, o Senador Reguffe e o Senador Dário Berger.

    Fiquei sabendo que o Sr. Presidente desta Casa e os Srs. Líderes programaram para o dia 13 de dezembro a votação final da PEC 241/55. Esta data cai à fiveleta, Senador Pimentel, como diriam os portugueses. Não sei se foi escolhida por acaso ou sugerida gaiatamente por algum bem-humorado Líder governista – afinal, foi em um dia 13 de dezembro, há 48 anos, também com o apoio irrestrito e entusiasmado do empresariado e da mídia, que se editou o Ato Institucional nº 5, a mais radical e destrutiva das intervenções do governo militar na vida brasileira.

    O AI-5 representou uma flexão à extrema direita dos golpistas de 1964. Foi um golpe dentro do golpe, definindo com mais clareza, sem pruridos ou rebuços, os novos rumos do regime. Como disse, então, o Ministro Passarinho, na reunião que aprovou o ato: "Às favas com os escrúpulos!" Assim como o AI-5 há quase cinco décadas, a PEC 241/55 também representa o projeto de poder e traz, em seu coração, igualmente, a truculência, a ferocidade, a impiedade e o ódio de classe, e manda às favas qualquer escrúpulo, na rendição ao mercado e à globalização.

    Logo na sequência do Ato 5, o governo militar disparou uma ampla e massacrante campanha publicitária – lembra, Senador Dário? Ela tinha como apelo central o dístico "Ame-o ou deixe-o!", estigmatizando, ferreteando como inimigos do Brasil aqueles que se opunham. Não havia meio-termo: ou você aceitava a ditadura militar e os seus horrores ou você era tido como um traidor da pátria.

    Hoje, farsescamente – pois sabemos que a história não se repete a não ser como bufonaria e pantomima –, as duas campanhas em defesa da PEC 55 que estão na rua, uma do Governo e outra do mercado, ressuscitam o mesmo apelo dicotômico, maniqueísta, faccioso e fascista do AI-5.

    Fico cá imaginando a quem teria ocorrido explorar hoje, como se explorava nos anos 50, 60 e 70, a fobia anticomunista. Sei lá, quem sabe tenha sido ideia daquela senhora que, ao ver a bandeira japonesa entrelaçada à bandeira brasileira em um painel na Câmara dos Deputados, horrorizou-se com o avanço da vermelhidão comunista sobre os nossos símbolos. Sei lá, Senador Pimentel.

    Já a campanha bancada pelo mercado – sim, senhoras e senhores, o mercado entrou firme nessa briga para garantir que se corte tudo, reduza-se tudo, menos os juros da dívida. A campanha do mercado, sem delongas ou pejo, foi beber diretamente no "ame-o ou deixe-o" da ditadura militar, que, por sua vez, bebeu em linha reta no nazifascismo dos anos 30 e 40. Em sua variante norte-americana nos anos 50, o macartismo.

    O conceito básico da campanha do mercado, à qual se associou a grande mídia, é o mesmíssimo conceito usado pelo nazifascismo e pelos ditadores latino-americanos para estigmatizar os indesejados, política, social e racialmente. Como os fascistas, a campanha do mercado reúne diante de um muro, para fuzilamento inapelável e imediato, todos os que se opõem à fixação do teto de gastos. Se você é contra a PEC 55, você é contra o Brasil, decretam os bancos, rentistas, sindicatos patronais e toda a sorte de gigolôs e proxenetas do capital vadio.

    Enfim, a campanha do mercado, em parceria com a mídia, não procura fazer pensar, convencer, estimular o debate. Nada disso. Ela tão simplesmente estigmatiza, sineta com o ferrete da segregação e do opróbrio os que divergem. Carimba como renegados, repudiados, proscritos os que são contra congelar por inacreditáveis 20 anos a ação do Estado na vida brasileira. Pois é, quando a gente imaginava, Srs. Senadores, que esse tipo de apelo odiento, oportunista, tosco e larvar houvesse sido vencido pela civilização, ei-lo ressuscitado no nosso Brasil.

    Sabemos muito bem qual é a consequência da divisão da sociedade entre bons e maus, entre nós e eles. Esse corte dualista é extremamente perigoso, pois só faz aprofundar as contradições e os conflitos sociais. Quer dizer, a defesa da PEC 55 flerta explicitamente com o fascismo, ao mesmo tempo em que desperta e estimula o espectro da luta de classes. De fato.

    A preocupação medular do governo, do mercado, dos rentistas, da grande mídia comercial, da classe média marchadora e batedora de panelas não é com as finanças públicas, com o equilíbrio ou desequilíbrio das contas, com o desemprego, com o enferrujamento e sucateamento das máquinas da indústria nacional. O projeto de poder embutido na PEC 241/55 passa ao largo dessas inquietudes. Elas são apenas pretexto para engambelar a massa rude e ignara e convencer Eremildo, o idiota, da necessidade de doar ouro para o bem do Brasil. Lembram disso? Isto é: renunciar ao bem-estar social, abrir mão do salário, do emprego, da aposentadoria, da casa própria e de outros sonhos.

    O projeto de poder entranhado na PEC 241/55 reordena o orçamento, os gastos públicos, as prioridades governamentais segundo os interesses de classe do mercado. Não há dúvida disto.

    O Ministro da Saúde, lá do Paraná, sempre muito espontâneo na revelação do que pensa, por isso mesmo aquele que melhor expressa o projeto de poder da PEC 241/55, afirma, por exemplo, que a universalização do atendimento à saúde é uma balela ideológica, porque não há dinheiro para tanto. Quer dizer, Senador Dário, morrer na fila do SUS, na espera por cirurgias, por falta de remédios ou tratamento é uma fatalidade à qual o País precisa se acostumar. E querer impedir que isso aconteça é, para o Ministro da Saúde, ideológico, é esquerdismo, é coisa de comunista.

    Já um outro ministro pregou contra a "cultura do benefício grátis" do brasileiro. O brasileiro, segundo ele, deve ser desmamado dessa mania de querer escola grátis, saúde grátis, segurança grátis, aposentadoria. Logo, o povo é o responsável por sua própria desgraça, já que, ao querer benefícios grátis ou subsidiados, sobrecarrega o orçamento público, desequilibra as contas; enfim, provoca toda uma cadeia, um dominó de consequências funestas.

    Como o malandro da ópera de Chico Buarque, que, ao não pagar a cachaça no botequim, provocou uma crise internacional, já que o prejuízo da cachaça não paga foi sendo repassado, encadeando prejuízos, da mesma forma, a PEC 241/55 atribui todos os males ao povo e à sua insaciável demanda por escola, hospital, casa própria, segurança, aposentadoria e aumento de salário. E, pobre, o malandro autuado é julgado e condenado pela situação, diz a letra da música de Chico Buarque. Mutatis mutandis: e o trabalhador autuado pela PEC 2541/55 é julgado e condenado pela situação.

    Enfim, a PEC 241/55 não é tão simplesmente uma emenda constitucional como tantas que tramitaram e tramitam pelo Congresso; é muito mais que isso. Insisto, repito, grito: a PEC 241/55 é um projeto de poder. Um projeto de poder neoliberal, ultraconservador, excludente que, externamente, amarra o Brasil à globalização neocolonial, e, internamente, dobra-se aos rentistas, às elites agroexportadoras e ao que há de mais atrasado, inculto, provincial e reacionário em nossa sociedade.

    A PEC 241/55 é a revogação da Constituição de 1988 e, como tal, é um golpe, pois revoga a Carta Magna sem que para isso se convoque uma Constituinte. Por emenda constitucional, impõe-se um projeto de poder que é a antítese do espírito da Constituição de 1988. Isso é ou não é um golpe, Senador Pimentel? É ou não é um golpe de Estado? E, como o AI-5, é um golpe dentro do golpe, que derrubou a Presidente Dilma.

    Como diria Mino Carta: nunca subestime a capacidade de nossas elites de regredir, de restabelecer o mundo da casa-grande e da senzala. Foi uma ilusão, é uma ilusão, a que eu próprio cedi: achar que havia ou há consciência democrática nas classes dominantes brasileiras. Triste ilusão! Quando elas não se sentem seguras, quando seus privilégios correm risco, elas não vacilam um segundo em golpear as instituições, as instituições democráticas. Depois do golpe do impeachment, o golpe contra a Constituição de 1988, o golpe contra o Estado de bem-estar social.

    Senhoras e senhores Senadores, em pronunciamentos nesta tribuna, nos debates na CAE e na CCJ, afirmei que a PEC 55 pode levar o País ao conflito civil. Nós somos os senecti, isto é, os mais velhos; em consequência, supostamente mais experientes, mais sensatos, mais responsáveis. Logo, é de nossa obrigação evitar que o País se conflagre.

    Não escapa a ninguém. Basta que se tenha os olhos e ouvidos abertos à realidade nacional; não escapa a ninguém que, de 2013 para cá, fermentam-se a radicalização e a intolerância no País. Na internet, nas redes sociais, nas ruas transbordam-se manifestações arrepiantes, medonhas. O ódio libera-se, berra, proclama-se e se transforma em tragédia, como no dia 15 passado, em Goiânia. Segundo os jornais, lá, um pai, Senador Pimentel, depois de uma conflituosa discussão, matou o filho e suicidou-se por não aceitar o envolvimento do rapaz em movimentos sociais, por divergir dele em relação à ocupação de escolas.

    No Paraná, em Curitiba, no meu Estado, na minha cidade, esse tal de MBL, tão incensado pela mídia e aqui no Congresso, organizou-se em milícias para desocupar escolas em posse dos estudantes contrários à PEC 55 e à reforma do ensino médio.

    Flagrados, fotografados, filmados, identificados, esse arremedo histriônico das SAs agiu sem qualquer impedimento de parte da nossa polícia.

    Nenhum editorial furibundo da imprensa local apostrofou os baderneiros, afinal, na visão de nossa mídia comercial, tratava-se de "baderneiros do bem", Senador Hélio José.

    Como já disse, a história não se repete a não ser farsescamente, temos aqui a ameaça de uma reanimação do Comando de Caça aos Comunistas (CCC), ativo nos anos de chumbo da ditadura como braço auxiliar da repressão.

    E, dias passados, um desses tantos grupelhos fascistas que se organizam no País tomou a Câmara dos Deputados e o fez, certamente, com alguma cobertura, pois, como todos sabemos, especialmente nós que fazemos oposição à proposta econômica do Governo, não é tão fácil assim o acesso às Casas do Congresso. Até eu, como Senador, já fui barrado aqui na entrada da chapelaria por um agente que não sei de onde saiu.

    O ovo da serpente, mais uma vez, incuba-se pela incúria, pela temeridade e pela imprudência das classes que dominam o País.

    Srªs e Srs. Senadores, os dicionários Oxford, editados pela Universidade de Oxford, Inglaterra, escolhe anualmente a palavra do ano. A palavra deste ano é pós-verdade. Pós-verdade é a irrelevância da verdade, é a banalização, a insignificância da verdade produzida pelos meios de comunicação, pelos tais formadores de opinião, pela máquina política que tritura a realidade dos fatos. É a contrafação da verdade que se impõe como verdade.

    A PEC 241/55 é um bom exemplo de pós-verdade.

    Qual é a verdade? A verdade é que a PEC 241/55 é um projeto de poder neoliberal, concentrador de riquezas e de rendas, antipopular e antinacional. A pós-verdade, que os meios de comunicação e o mercado vendem ao País, é que a PEC 241/55 torna-se necessária para fazer o País crescer, para combater o desemprego, para equilibrar as contas públicas e outras falsificações claríssimas da realidade.

    A verdade é que a PEC 241/55 vai muito além de uma reforma constitucional. A pós-verdade impingida ao País e aos brasileiros transforma investimentos e compromissos sociais e constitucionais em gastos, em despesas, em desperdício do dinheiro público, em sobrecarga ou carga morta sobre o orçamento.

    Fico aqui matutando, especulando, perguntando: será que o Governo não se deu conta? Será que esta Casa não de se deu conta do buraco que se cava sob os nossos pés?

    Acho que sim, Senadora Vanessa.

    Penso que se deu conta e já está se preparando para o que há de vir; pois, em perspectiva, o único caminho que resta ao Governo e aos seus apoiadores no Congresso, na mídia e no mercado é preparar a repressão contra a inevitável revolta popular.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Dezenas de milhões de brasileiros que pela primeira vez em 500 anos experimentaram as delícias de fazer três refeições por dia, de viajar de avião, de comprar um carro e uma casa própria, de botar o filho na faculdade não vão permitir que sejam novamente trancados na senzala.

    Não se trata de meu desejo. A pós-verdade, como falsificação da verdade, não há de resistir à realidade dos fatos que entra pela porta e pela janela das casas e cobre a pós-verdade divulgada pelos rádios, pelos jornais e pelas televisões.

    Quem viver verá.

    Encerro aqui o meu pronunciamento. Mas quando entrava no plenário deste Senado, depois de sair...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... de uma reunião na Comissão de Assuntos Econômicos, alguns Senadores me diziam que o Senador Alvaro Dias subiu à tribuna para fazer uma diatribe pesadíssima em relação ao projeto de abuso de autoridade, do qual sou relator.

    Eu quero dizer aqui ao Senado que quem é contra o projeto de abuso de autoridade é porque é manifestamente a favor do abuso de autoridade. Eu entendi perfeitamente o horror do Senador Alvaro Dias, que foi Governador do Paraná, como eu. Ele não pode ser a favor de um projeto que confronte o abuso de autoridade. No seu governo, enquanto governador, ficou famoso por pôr a cavalaria da Polícia Militar a massacrar os professores do Paraná, reunidos à frente da Assembleia Legislativa para levar suas reivindicações.

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – Houvesse, naquela época, um projeto como esse que estou relatando, o Governador deixaria de ser governador naquele momento e iria enfrentar a enxovia de uma cadeia pública pelo ato criminoso de massacrar professores. Entendo, assim, que ele realmente não pode ser a favor de um projeto que defende a cidadania das agressões das famosas autoridades pequenas e grandes, os malandros do "sabe com quem você está falando", da carteirada, da impiedosa, irresponsável e absurda atitude de colocar policiais armados a cavalo em cima de professores indefesos.

    Está aqui a minha forma de entender o protesto do Senador Alvaro Dias.

    Como dizia, lá no Paraná, um radialista...

(Soa a campainha.)

    O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ...e homem de televisão famoso: Governador Alvaro Dias, se é esse o embate que você quer, vem que tem. Tem café no bule.

    Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2016 - Página 58