Discurso durante a 181ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Críticas à Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que limita os gastos públicos.

Autor
Paulo Rocha (PT - Partido dos Trabalhadores/PA)
Nome completo: Paulo Roberto Galvão da Rocha
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL:
  • Críticas à Proposta de Emenda à Constituição nº 55, de 2016, que limita os gastos públicos.
Publicação
Publicação no DSF de 25/11/2016 - Página 62
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • CRITICA, PROPOSTA DE EMENDA A CONSTITUIÇÃO (PEC), ASSUNTO, LIMITAÇÃO, GASTOS PUBLICOS, VERBA, SAUDE, EDUCAÇÃO, CIENCIA E TECNOLOGIA, CULTURA, AGRICULTURA FAMILIAR, ASSISTENCIA SOCIAL, PREVIDENCIA SOCIAL, MOTIVO, CONTRIBUIÇÃO, POBREZA, DESEMPREGO, FAVORECIMENTO, CLASSE EMPRESARIAL, COMENTARIO, PESQUISA, DIVULGAÇÃO, INTERNET, REFERENCIA, DESAPROVAÇÃO, MATERIA, REGISTRO, PARECER, CONSULTORIA TECNICA, SENADO, OBJETO, CONCLUSÃO, EXISTENCIA, VIOLAÇÃO, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, SEPARAÇÃO, PODER, SEGURANÇA, ORDEM JURIDICA, REPUDIO, VIGENCIA, LONGO PRAZO, EMENDA, DEFESA, INVESTIMENTO, FORMAÇÃO PROFISSIONAL, CIDADÃO.

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Srª Presidenta, Srªs e Srs. Senadores, raras vezes, desde que o Brasil conquistou a democracia, vimos o País tão mobilizado contra uma proposta de emenda à Constituição como a onda popular a que estamos assistindo nessas últimas semanas.

    A PEC 55, antes 241 na Câmara dos Deputados, também popularmente chamada PEC da maldade, ou a PEC do fim do mundo, mobilizou até mesmo a consultoria técnica deste Senado, que produziu diversos estudos e pareceres sobre a proposta. Um deles, talvez o mais importante, classifica a PEC como inconstitucional. Outros questionam, do ponto de vista jurídico, se a decisão deliberada de impor sacrifício à população, particularmente os mais pobres, contraria ou não as funções do Poder Executivo constitucionalmente definidas. A essas interrogações eu acrescento mais uma: até que ponto não será inútil ou até prejudicial à economia brasileira?

    A inconstitucionalidade da PEC 55 causa espanto até mesmo entre os Senadores da Base do Governo. A emenda pretendida, entretanto, é bom que se lembre, é fruto de um Governo ilegítimo, sem a aprovação do voto popular. Só com o referendo da cidadania, conforme estamos propondo, as medidas claramente recessivas, causadoras de pobreza, desemprego e desamparo social estariam plenamente em conformidade com a lei. Somente o povo pode avaliar se aceita ou não sacrifícios como os que aqui estão sendo propostos.

    Mas a PEC 55 não é apenas inconstitucional, é também imoral, porque pretende impor para os próximos 20 anos um modelo financeiro ultra neoliberal que privilegia bancos, rentistas milionários e especuladores do mercado financeiro no acúmulo diário de fortunas construídas com títulos do Governo Federal, enquanto castiga a maioria da população com menos escolas, menos postos de saúde, menos segurança nas ruas, entre outros efeitos danosos e nefastos.

    Entre os Deputados, a medida foi aprovada na Câmara depois que o trator do Governo, com uso do Tesouro, esmagou as resistências com o convencimento daqueles votos sempre vacilantes, que vendem seu apoio em troca de vantagens.

    Mas, no Senado, a minha esperança é que essa lógica não prevalecerá, pois já se forma a conscientização do desastre que representa o chamado Novo Regime Fiscal pretendido pela PEC 55.

    Na sociedade, a reprovação é generalizada, como o próprio DataSenado pôde comprovar, na consulta popular que abriu em seu site, em que os que participaram da sondagem se posicionaram contra a PEC, majoritariamente: cerca de 90%.

    A Base do Governo pode querer rebater esses números, repetindo a velha ladainha de que houve aparelhamento das hordas petistas na pesquisa. A realidade desmente essa lorota. Não há sequer um movimento social, espontâneo ou organizado, que tenha vindo a público para defender a PEC 55. Pelo contrário: sua condenação, como medida amaldiçoada, mobilizou desde médicos e cientistas, reconhecidos pelos serviços que prestaram à Nação, até artistas, líderes religiosos e sindicatos de trabalhadores. Todos, sem exceção, apontaram a catástrofe social que ela vai causar. Todos preveem ruína no horizonte do Brasil, caso ela seja aprovada.

    Os danos não serão apenas de ordem material; são também – o que é mais grave – de ordem moral.

    O parecer da Consultoria Técnica do Senado que estabelece que a PEC 55 é inconstitucional tem como baliza a conclusão de que o texto da emenda desrespeita várias cláusulas pétreas da Constituição. A primeira delas, que também já foi apontada pela Procuradoria-Geral da República, é a de que a PEC 55 fere o princípio da separação dos Poderes – essencial para qualquer regime que queira ser chamado de democrático.

    A segunda violação afeta a segurança jurídica do País, pois a deterioração dos direitos trazida no bojo da PEC vai estimular uma judicialização ainda maior. O resultado nós sabemos: o STF será entupido com dezenas, centenas, talvez milhares de ações, reivindicando direitos sociais fundamentais, cujo provimento é obrigação do Estado.

    O quadro de caos na Justiça, por sua vez, servirá de argumento para investidores não depositarem sua confiança no Brasil. Seu produto, ao fim e ao cabo, é a incerteza. No lugar de políticas públicas que, com diferentes graus de sucesso, são conduzidas de forma organizada e planejada pelo Executivo, o que teremos serão decisões judiciais pontuais que causarão perdas ainda maiores nas contas públicas.

    Outro parecer técnico deste Senado aponta deformidade constitucional na PEC 55. Ela viola o chamado "princípio de vedação do retrocesso social", pois o Governo ilegítimo está jogando com o futuro dos próximos 20 anos, com a imposição de um limite declinante para as despesas e investimentos sociais, tomando como ponto de partida uma conjuntura recessiva que vai aumentar a pressão por mais serviços essenciais.

    O investimento será declinante em relação à renda gerada na economia, à arrecadação federal e, principalmente, por cidadão. O retrocesso social nessa conjuntura, portanto, é líquido e certo, e plenamente previsível, constituindo nova ilegalidade quando é implantado conscientemente pelo Governo.

    A destruição de direitos e as garantias sociais e sua inconstitucionalidade é o insulto mais grave à consciência cidadã da Constituição de 1988.

    Nascida após o fim do período repressivo e desastroso da ditadura militar, nossa Carta Maior também garantiu esperança e total liberdade de manifestação para o cidadão. Hoje, não por acaso, enquanto o Governo ilegítimo de Michel Temer cobra a rapidez na aprovação da PEC neste Congresso com uma mão, com a outra desfere seu porrete autoritário contra a oposição e os movimentos sociais que se opõem à emenda.

    Como se não bastasse, a PEC 55 também viola o princípio da razoabilidade. Outros países já mostraram que há soluções mais adequadas e justas para tratar a questão do equilíbrio dos gastos públicos e dos problemas a eles associados. Nunca, em tempo algum, em nenhum país soberano, foram definidas restrições orçamentarias que podem durar 20 anos. É também um disparate, porque estipula o prazo de 20 anos para emendar, justamente, o Ato das Disposições Transitórias da Constituição. Vinte anos para uma disposição transitória é mais do que um contrassenso, é uma agressão à inteligência.

    Entre 2014 e 2015, o que caiu foi a arrecadação do governo. Para fazer política anticíclica, o governo deu uma série de desonerações para os industriais, IPI e contribuições sociais sobre a folha de pagamento. Somado a isso, houve uma desaceleração econômica muito forte. Assim, houve um impacto gigantesco na arrecadação. O governo abriu mão de receitas, achando que os patrões iriam investir, mas os patrões ficaram com as desonerações para eles, e o governo ficou sem arrecadação. Uma alternativa seria manter a arrecadação e usar o governo para investir, o que não foi feito.

    Uma economia desindustrializada, que não vende produtos com valor agregado, só commodities, cujos preços são e estão baixos, entra em crise, ainda mais em um contexto mundial de retração e com forte queda dos preços desses produtos. E um governo golpista, que não se elegeu, adota a plataforma política que atende aos seus próprios interesses, sem a menor vergonha.

    Se aprovada, a PEC da maldade levará o Brasil a se converter no principal paraíso da agiotagem na Terra, com o intuito claramente de beneficiar o sistema financeiro e a prática do "rentismo", através da especulação financeira.

    Usa-se o argumento de que, com a criação de um suposto "Novo Regime Fiscal" – nome dado pelo Governo ilegítimo a esta engenharia antipovo, programada para durar 20 anos –, os gastos públicos na saúde, na educação, na ciência e tecnologia, cultura, agricultura familiar e etc. competem com a meta do superávit primário, conceito contábil que corresponde ao valor poupado pelo Governo para pagar o sistema da dívida.

    Esse é o primeiro passo para uma série de retrocessos sociais, que vai reduzir os gastos de saúde e da educação em relação aos atuais mínimos constitucionais, reduzir o número de famílias contempladas com o Bolsa Família, evitar novos aumentos reais do salário mínimo, gerar uma reforma na Previdência com impactos imediatos, reforma do abono salarial e do seguro-desemprego, redução dos subsídios agrícolas e industriais, redução dos investimentos públicos, além da revisão de diversas leis e atos normativos de repasse a Estados e Municípios.

    É, portanto, desonesto afirmar que os gastos com saúde, assistência social e educação, que respondem por apenas 11% das despesas federais, são a causa do desequilíbrio fiscal. Estudos da Associação de Secretários Municipais de Educação, Saúde e Assistência Social estimam que, nos primeiros 10 anos de vigência do Novo Regime Fiscal, as perdas dessas áreas poderão alcançar R$1,3 trilhão, que será canalizado à especulação financeira.

    Para os servidores públicos, será o fim da reposição da inflação nos salários e não haverá novos concursos por 20 anos.

    Com todos esses argumentos concretos, faço desta tribuna um chamamento à responsabilidade de todos os meus colegas. Nós não estamos aqui, como representantes eleitos, majoritariamente, de nossos Estados, para atropelar a Constituição com a aprovação rasteira dessa emenda, apenas para dar um verniz de legalidade ao chamado Novo Regime Fiscal. Não, Srªs e Srs. Senadores: nós estamos aqui para representar os cidadãos que nos escolheram para defender os seus direitos. Nós aqui estamos para assegurar dignidade e bem-estar social à cidadania e ao povo que nos escolheu pelo seu voto.

    Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a PEC que ganhou aqui o nome de PEC dos gastos públicos tristemente representa o aniquilamento de todas as esperanças de que, a cada nova lei que aprovávamos, estávamos erguendo um País mais igualitário. E o pior de tudo é que essa imposição parte de um Governo que não recebeu o aval das urnas. Por via indireta, estão nos forçando a aceitar um projeto de País que vinha sendo sistematicamente derrotado nas urnas, nos últimos anos. Não é só a esperança de um País mais justo que vai se esvaindo: é também a esperança de um Brasil mais democrático, que se fragmenta.

    Portanto, Srª Presidente, eu queria registrar esse meu posicionamento, aqui, em relação ao debate da PEC...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... um pronunciamento mais longo, que requeiro seja registrado nos Anais desta Casa.

    Quero, portanto, chamar a atenção dos nossos pares para o fato de que há outras saídas para resolver o problema do crescimento econômico, do desemprego, saídas capazes e que se contrapõem ao velho debate. Gastar com pobre, gastar com saúde, com educação, é gasto para aqueles que defendem um Estado mínimo. Para nós, é investimento, investimento na dignidade, na cidadania e no bem-estar do nosso povo, da nossa gente. Investir na qualificação profissional, investir na educação do nosso povo, da nossa juventude, é preparar um País não só para o futuro, mas um País que nós já estávamos...

(Soa a campainha.)

    O SR. PAULO ROCHA (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - PA) – ... construindo desde antes, um Estado social. Com tantas riquezas que há neste País, temos condições de construir um Estado social que dê oportunidade para todos e dignidade para a nossa gente, para o nosso povo.

    Muito obrigado, Srª Presidente. 

    DISCURSO NA ÍNTEGRA ENCAMINHADO PELO SR. SENADOR PAULO ROCHA EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 203, do Regimento Interno.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/11/2016 - Página 62