Discurso durante a 186ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão destinada a debater o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Sessão destinada a debater o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2016 - Página 20
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • SESSÃO, OBJETIVO, DEBATE, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), OBJETO, DEFINIÇÃO, GRUPO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – A minha saudação respeitosa aos membros da Mesa, ao Presidente mentor desta proposta, Senador Renan Calheiros, Senador Roberto Requião, Relator da matéria, Ministro Gilmar Mendes, Juiz Sergio Moro, Dr. Silvio, Srs. Senadores, visitantes.

    Eu creio que não há ninguém que discorde da necessidade de aprimorarmos a legislação vigente no País, inclusive, no que diz respeito a abuso de autoridade. Mas há uma pergunta que deve ser formulada preliminarmente: é esse o momento? É possível produzir uma boa legislação em um ambiente de tensões expostas, em uma circunstância de revanchismo inevitável? É esse o momento adequado? É essa a prioridade? A meu juízo, discordando do Ministro Gilmar Mendes, esse não é o momento adequado. Não creio ser possível produzir uma boa legislação, nessa hora, a esse respeito.

    Aliás, nós somos constantemente acusados de legislarmos mal ou até de não legislarmos, obrigando o Supremo Tribunal Federal a assumir a nossa posição e legislar naquilo que constantemente se reitera abuso, invasão de competência.

    É preciso legislar bem, e o Presidente Renan Calheiros, nos últimos tempos, tem adotado a prática salutar de constituir comissões de especialistas, integrando-as a Parlamentares, para elaboração de pré-projetos, que são depois submetidos à análise do Senado Federal. Uma iniciativa que tenta corrigir exatamente esse conceito de que legislamos mal, compartilhando a responsabilidade do ato de legislar.

    O apelo que eu formulo é no sentido de retirarmos esse regime de urgência. Eu não estava presente quando esse requerimento foi aprovado, e consta que apenas seis Senadores se encontravam no plenário do Senado Federal quando se aprovou o regime de urgência – essa é a informação que recebi ainda agora. De qualquer forma, Presidente, com seis ou com mais, eu acredito que não foi um ato feliz aprovar um regime de urgência para matéria dessa natureza. Por isso, respeitosamente, humildemente, eu faço o apelo ou a sugestão de que o regime de urgência seja retirado, para que esse debate possa ganhar dimensão e profundidade, para que a proposta, que tem V. Exª como mentor, possa ser aprimorada, ouvindo os especialistas – que V. Exª convida e já estiveram aqui e outros que certamente se pronunciarão – e oferecendo aos Srs. Senadores a oportunidade também de debater essa matéria.

    Acho importante fazer a leitura correta do que a população escreve na manifestação das suas aspirações legítimas. Eu posso estar equivocado, mas leio que o que a população deseja, nesse momento, é a conclusão da Operação Lava Jato com eficiência e competência. Essa é a prioridade.

    Eu não creio que essa proposta vá comprometer a Operação Lava Jato, mas, como afirmou o Juiz Sérgio Moro, essa ação atropelada na deliberação de uma matéria de tamanha importância pode, sim, passar a ideia de que estamos tentando comprometer o trabalho da Operação Lava Jato.

    É preciso entender que o Brasil é uma nação em movimento, que a mudança é irreversível. Ela começou no povo, passou a instituições essenciais ao Estado de direito democrático, como o Ministério Público, a Polícia Federal, a Justiça, e essa manifestação do desejo incontido de mudança no País há de chegar ao Congresso Nacional, à atividade pública, à política do País com a mudança da cultura política e com esse esforço que se deve fazer para que a leitura das aspirações populares seja correta.

    Nós teríamos mais tempo para o debate.

    Vejam, por exemplo, o que eu retiro de uma nota técnica do Ministério Público Federal.

    Da forma como está redigido, o projeto, a pretexto de aperfeiçoar a legislação vigente, poderá embaraçar o regular andamento das atribuições de cada órgão do Estado, resultado diverso daquele almejado pelo autor.

    A bem da verdade, os responsáveis pela persecução penal e condução do processo penal estarão expostos a retaliação por parte do investigado ou acusado em razão não do abuso do poder praticado por eles, mas em razão da redação excessivamente aberta e subjetiva dos tipos penais.

    Outro tópico.

    Há de se reconhecer que os tipos penais arrolados no projeto são um curinga hermenêutico de conteúdo vago e impreciso que podem encontrar preenchimento naquilo que a parte quiser.

    Se entenderem necessário, os nossos convidados poderão se manifestar a respeito dessas afirmações.

    O que é importante destacar, quando se discorda da pressa, é que já existe legislação para coibir o abuso de autoridade. Não só a Lei de Abuso de Autoridade, mas também a Lei Complementar nº 35, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional, que, no art. 49, diz que "responderá por perdas e danos o magistrado quando...", e aí elenca as motivações que levarão o magistrado a responder por perdas e danos, e a Lei nº 13.105, Código de Processo Civil, que diz que o juiz também responderá civil e regressivamente por perdas e danos.

    É evidente que nós temos que aprimorar essa legislação sobre abuso de poder, mas, evidentemente, não há um vácuo. Há uma legislação em vigor. E o que é importante agora para a sociedade brasileira é a conclusão da Operação Lava Jato, que, certamente, nos inspirará a propor uma legislação mais adequada nesse caso.

    Eu poderia analisar o conteúdo da proposta.

    Sobre o art. 15, as considerações já foram aqui, didaticamente e com clareza, expostas pelo Juiz Sérgio Moro.

    O art. 22 deixo de abordar em razão do tempo.

    Restrinjo-me ao art. 38, que propõe a criminalização do agente público que se exceder, sem justa causa, ainda que não se valha de meio violento, no cumprimento de ordem legal, de mandado de prisão ou de mandado de busca e apreensão.

    Na prática, o que poderá ser considerado excesso? Como se dará essa valoração da conduta do agente no caso concreto? No momento da ação, o agente, antes de mais nada, precisa se precaver para proteger sua vida e as daqueles que com ele atua, afinal, salvo raras exceções de erro judicial, os...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – ... agentes estão lidando com bandidos que praticaram crimes diversos, como corrupção, tráfico de influência, formação de quadrilha, tráfico de entorpecentes, fraudes em geral, etc.

    Com preocupação, podemos verificar que os tipos penais construídos não primam por uma clareza de definição que permita que o caso concreto seja bem identificado e delineado em face à norma posta. Alguns tipos penais são genéricos, a ponto de deixar ao critério de doutrinadores e de operadores do Direito a qualificação e enquadramento da ação à norma. Ao construir tipos penais com expressões vagas ou imprecisas, o legislador acaba por deixar a própria lei frágil e ao sabor das interpretações. Fica a lei refém do subjetivismo conceitual, e não cabe nem mesmo ao juiz substituir o legislador que não construiu tipo penal claro.

    Os tipos penais abertos, com infrações formuladas de maneira vaga, em que podem ser enquadrados atos variados, não apenas provoca a insegurança jurídica, mas...

(Interrupção do som.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Vou concluir.

    ... mas afronta o princípio da legalidade, que exige objetividade dos tipos penais.

    No caso do projeto em análise, a situação ganha contornos preocupantes, visto que atualmente vários agentes públicos estão confrontando interesses de grandes corporações privadas – diversos agentes políticos poderosos e, inclusive, outros agentes públicos bem posicionados na estrutura administrativa do Estado.

    Existem outras observações, mas em razão do tempo não as farei.

    Aliás, o tempo exíguo é o retrato do que nós estamos vivendo: é um tempo exíguo para uma matéria tão importante. Por isso, Sr. Presidente, mais uma vez, o apelo para que se retire o regime de urgência e possamos debater adequadamente essa proposta.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2016 - Página 20