Discurso durante a 186ª Sessão de Debates Temáticos, no Senado Federal

Sessão destinada a debater o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Sessão destinada a debater o Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade e dá outras providências.
Publicação
Publicação no DSF de 02/12/2016 - Página 23
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • SESSÃO, OBJETIVO, DEBATE, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), OBJETO, DEFINIÇÃO, GRUPO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Eu queria começar cumprimentando o Presidente do Senado Federal, Senador Renan Calheiros; o Relator, o Senador Roberto Requião; o Exmo Sr. Juiz Sergio Moro, o Exmo Sr. Juiz Silvio da Rocha; o Exmo Sr. Ministro Gilmar Mendes.

    Este debate não é recente. Na verdade, ele é fruto de um trabalho produzido por uma comissão integrada pelo então Desembargador Rui Stoco, pelo agora Ministro do Supremo Tribunal Federal Teori Zavascki, por Everardo Maciel, ex-Secretário da Receita. Na época, ela foi chamada a Comissão da República, que foi uma iniciativa do ilustre Ministro Gilmar Mendes, que está aqui presente.

    Uma lei contra abuso de autoridade no Brasil é uma necessidade. Por isso, acho que este é o momento de discuti-la. E mais do que uma necessidade, uma nova lei de abuso de autoridade é uma urgência. Diariamente, o povo brasileiro sofre na pele o abuso de autoridade. Segundo dados do CNJ, Presidente, 21 mil casos de abuso de autoridade foram catalogados em 2015.

    Ontem, Ministro Gilmar, houve aqui a votação da audiência de custódia. Nós temos 600 mil presos; desses, 240 mil em prisão preventiva. A sorte é que o CNJ implantou a audiência de custódia, porque, antes, existia a prisão em flagrante, e o preso demorava uma média de seis meses para ser levado ao juiz.

    V. Exª também falou da violência. Eu fui o Relator da CPI sobre assassinato de jovens. Há um verdadeiro genocídio no País. Morrem 59 mil pessoas por ano assassinadas; metade é de jovens; 77% são jovens, negros, moradores das periferias. E lá, como bem falou V. Exª, não tem mandado de busca e apreensão para entrar na casa do cidadão morador da favela; é pé na porta.

    Eu trago aqui as palavras de Pedro Aleixo a Costa e Silva no dia da assinatura do AI-5. Diz ele: "O problema de uma lei assim não é o senhor nem os que com o senhor governam o País, o problema é o guarda da esquina".

    Agora, na minha avaliação, tem que ter abuso de autoridade para todo mundo: para a polícia, para o Deputado, para o Senador, também para o Ministério Público e para o Judiciário. Impressionam-me algumas corporações entrarem nesse debate dizendo o seguinte: "Ah, não; Ministério Público e Judiciário ficam fora do abuso de autoridade". Impressionam-me também algumas entidades de classe dizerem que é ataque ao Judiciário, quando aqui foi formada uma Comissão de Senadores para discutir salários acima do teto. Há desembargador e juiz ganhando R$90 mil, R$100 mil. Isso não é ataque ao Judiciário. Agora, a discussão não é abuso de autoridade tirando Ministério Público e Poder Judiciário; a discussão tinha de ser outra: como construir uma lei de abuso de autoridade que não atrapalhe as investigações. É nisso que nós temos de nos deter aqui.

    Eu conversei com os membros do Ministério Público e concordo com eles quando dizem o seguinte: "O Ministério Público é responsável por abrir o inquérito. Se eu não consigo colher provas mais à frente para apresentar uma denúncia..." Ele não pode ser responsabilizado, porque ele está trabalhando, inicialmente, com indícios. Eu falo aqui, porque nós queremos investigações amplas neste País. Agora, investigações dentro da lei, respeitando a Constituição.

    Eu falo isso com autoridade, por fazer parte de um Partido que é muito atacado, mas não teríamos essa legislação de combate às investigações sem os governos do Presidente Lula e da Presidenta Dilma: a Lei de Organizações Criminosas, e aí estão as delações; a Lei de Transparência; a Lei de Acesso à Informação; a Constituição do CGU; a nomeação do promotor do Ministério Público mais votado. Antes, eu lembro, na época do governo do Fernando Henrique Cardoso, havia o "Engavetador-Geral" da República. O Brindeiro foi o sétimo votado. Não! Conosco, é autonomia do Ministério Público plena, colocando o mais votado. E as operações da Polícia Federal em oito anos de governo Fernando Henrique Cardoso? Sabem quantas foram? Foram 48, 6 por ano. Nós aparelhamos a Polícia Federal. Sabem para quantas saltaram? De uma média de 6 por ano, para 385. Por isso, eu digo que nós queremos investigação, mas tem que haver o respeito à lei e o respeito à Constituição.

    E nos impressiona e nos preocupa a generalização de medidas de exceção, o uso abusivo de prisões preventivas para forçar delação, o uso abusivo de interceptações telefônicas, vazamentos, a discussão sobre direitos e garantias individuais, a presunção da inocência. Preocupa-nos a seletividade quando se trata de agentes públicos, porque está na cara que tratam as organizações de esquerda, o PT, de forma diferenciada nesse processo todo.

    E aí eu digo com todo o respeito ao Juiz Sergio Moro: não deixa de ser interessante a presença de V. Exª para discutir aqui abuso de autoridade, e eu quero mostrar que há abuso de autoridade no Judiciário também. Eu digo no caso das conduções coercitivas, algo em torno de 200 na Lava Jato. No caso do Presidente Lula, não podia ter intimado o Presidente? Ele iria lá depor. A lei é clara. O art. 260 do Código de Processo Penal diz o seguinte:

Art. 260. Se o acusado não atender à intimação para o interrogatório, reconhecimento ou qualquer [...] ato [...] poderá mandar conduzi-lo à sua presença.

    Isso se ele não atender à intimação. No caso do Lula, o que fizeram? Um grande espetáculo atacando o Presidente Lula, conflagração das ruas, passeatas.

    E o pior, Dr. Sergio Moro, é o argumento de V. Exª, que disse o seguinte: "Foi para garantir a segurança do Lula, a fim de evitar a perturbação da ordem pública". Aí o senhor o levou para o aeroporto. E o que houve? Brigas de grupos rivais lá na frente.

    Eu falo isso, porque o Ministro Marco Aurélio foi muito claro...

    O SR. ATAÍDES OLIVEIRA (Bloco Social Democrata/PSDB - TO. Fora do microfone.) – Esta não é a discussão, Sr. Presidente.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – ... naquele caso, Dr. Sergio Moro, com todo o respeito.

(Intervenção fora do microfone.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Eu só queria que V. Exª garantisse o meu tempo, Sr. Presidente.

    O SR. PRESIDENTE (Renan Calheiros. PMDB - AL) – O tempo de V. Exª está garantido.

    Senador Ataídes, calma, chegará a sua vez. Por favor, não interrompa o Senador Lindbergh.

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Naquele caso daquela condução coercitiva do Lula, o Ministro Marco Aurélio disse o seguinte: "Eu não entendo. Um mandado de condução coercitiva só é aplicável quando o indivíduo apresenta resistência e não aparece para depor. E Lula não recebeu intimação". E diz mais: "Será que ele, Lula, quer esse tipo de proteção oferecida pelo Juiz Sergio Moro? Eu acredito que, na verdade, este argumento foi dado para justificar um ato de força. Esse é um revés e não um progresso. Somos juízes, e não legisladores, ou vingadores."

    Eu vou mais adiante, Dr. Juiz Sergio Moro, para mostrar abuso no Judiciário: interceptação telefônica de uma conversa da Presidenta Dilma com o Presidente Lula. V. Exª gosta muito dos Estados Unidos, vai muito e fala muito dos Estados Unidos. Imagine, nos Estados Unidos, um juiz de primeira instância do Texas gravar uma conversa de Bill Clinton com Obama e divulgá-la em horário nobre horas depois da gravação?! Foi isso o que houve naquele caso. E o senhor sabe que a gravação foi ilegal, porque o senhor já tinha mandado interromper a interceptação às 11h12. A gravação foi às 13h32 e, às 18h, estava na Globo News. Dá para aceitar isso? Naquele caso, o Ministro Teori fez o seguinte: determinou que as razões dadas pelo Juiz Moro eram insuficientes para justificar essas medidas excepcionais, que foram tomadas por razões meramente abusivas. Quem diz é o Ministro Teori.

    Diz mais o Ministro Teori:

Em linhas gerais, houve usurpação de competência do STF [...] No curso de interceptação telefônica deferida pelo juízo reclamado, tendo como investigado Luiz Inácio Lula da Silva, foram captadas conversas com a Presidente da República; o magistrado de primeira instância, "ao constatar a presença de conversas de autoridade com prerrogativa de foro, como é o caso da Presidenta da República, [...] deveria encaminhar essas conversas interceptadas para o Supremo Tribunal Federal".

    Vai mais o Ministro Teori – porque há uma lei de interceptação telefônica, cujo art. 8º diz que não pode haver vazamento. E diz o Ministro Teori:

A divulgação pública das conversas é inaceitável. Contra uma regra constitucional expressa, não é razoável dizer que o interesse público justifica a divulgação ou que as partes afetadas são figuras públicas. [...] É preciso reconhecer a irreversibilidade dos efeitos práticos decorrentes...

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) –

... da divulgação indevida de conversas telefônicas.

    Há mais, para que divulgar conversa da ex-Primeira-Dama, D. Marisa, com seus filhos. Conversas íntimas. De sua nora. Nós não podemos aceitar isso. Estou discutindo abusos.

    Há mais: interceptação de advogados. Isso no mundo inteiro, em canto nenhum, é aceito. Há uma nota da OAB. Interceptaram e gravaram o escritório de advocacia que defendia o Presidente Lula: 25 advogados gravados; 300 clientes. Há uma nota da OAB contra isso.

    Prisões preventivas abusivas. Há um caso, agora, de um funcionário da OAS. Foi preso preventivamente por nove meses. Condenado pelo Juiz Sergio Moro a 11 anos de prisão. O caso foi para o TRF. Sabe o que aconteceu? Absolvido por unanimidade. Agora, o senhor prendeu por nove meses: prisão preventiva. Como restituir isso? Como restituir...

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Presidente, esse uso abusivo de prisão preventiva está acontecendo a todo o instante. Eu falo isso, Sr. Presidente, para encerrar aqui os meus questionamentos.

    Volto a dizer, nós defendemos investigações amplas, mas nós achamos que investigações amplas podem ser conduzidas respeitando a lei. Então é isso que está em jogo aqui. Eu estou tendo coragem de vir aqui para dizer o seguinte: eu acho que vivemos uma escalada autoritária. Há ameaça ao Estado democrático de direito. Há elementos de um Estado de exceção se construindo.

    Há um filósofo italiano, chamado Giorgio Agamben, que fala da convivência do Estado de exceção com o Estado de direito. Muitos falaram de Rui Barbosa, e eu encerro, Sr. Presidente, pedindo 30 segundos.

(Interrupção do som.)

(Soa a campainha.)

    O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RJ) – Eu citei Giorgio Agamben, porque me impressionou. No caso, quando houve a reclamação do Presidente Lula no TRF4, disseram o seguinte – a decisão do TRF: "No caso da Lava Jato, é uma situação excepcional". Como situação excepcional? Toda investigação tem que respeitar a lei. No caso da interceptação telefônica, não houve respeito à lei.

    Eu encerro falando de Rui Barbosa, que muitos falaram. Rui Barbosa dizia: "A pior ditadura é a ditadura do Judiciário. Porque, contra ela, você não tem a quem recorrer."


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/12/2016 - Página 23