Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Contrariedade à tramitação com urgência do Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade, e defesa da necessidade de um debate amplo nas comissões pertinenetes da Casa.

Autor
Alvaro Dias (PV - Partido Verde/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Contrariedade à tramitação com urgência do Projeto de Lei do Senado nº 280, de 2016, que define os crimes de abuso de autoridade, e defesa da necessidade de um debate amplo nas comissões pertinenetes da Casa.
Aparteantes
Reguffe.
Publicação
Publicação no DSF de 06/12/2016 - Página 9
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DESAPROVAÇÃO, TRAMITAÇÃO, URGENCIA, PROJETO DE LEI DO SENADO (PLS), DEFINIÇÃO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE, DEFESA, DEBATE, GRUPO, COMISSÃO, SENADO.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Presidente, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores e Srªs Senadoras, o domingo de ontem foi mais um dia histórico na trajetória do povo brasileiro, que busca a construção de um novo país, de uma nova nação. A presença de milhares de brasileiros nas ruas deste País, representando milhões de brasileiros que certamente ficaram em casa, mas que alimentam as mesmas esperanças, os mesmos sonhos e sustentam as mesmas exigências, certamente nos reabilita a confiança de que o Brasil é uma nação em movimento na busca de uma mudança real que possa significar dias melhores para a população brasileira. Não há dúvida de que é preciso ler com clareza o que a população brasileira escreve nessa manifestação das suas legítimas aspirações nas ruas do País, nas redes sociais.

    Às vezes, ficamos confusos aqui, porque não entendemos o posicionamento de alguns políticos ou de vários políticos ou de muitos políticos que, me parece, não aprenderam ainda fazer a leitura do que o povo escreve; políticos que se recusam a ouvir esse apelo por mudança que há na sociedade brasileira e atuam na contramão da realidade nacional.

    A votação, por exemplo, desse projeto de abuso da autoridade, que está programada para amanhã, em regime de urgência, é um exemplo presente dessa marcha na contramão da realidade do País. Não há razão para se votar apressadamente um projeto dessa natureza. Se ele está nas gavetas do Congresso há mais de sete anos, por que essa correria neste momento? Nós já temos Lei de Abuso da Autoridade, o abuso da autoridade já é crime, não há um vácuo na legislação. Nós já citamos, desta tribuna, os três dispositivos ou as três normas legais que estabelecem os crimes praticados por autoridades e a responsabilização criminal delas. Além da Lei de Abuso da Autoridade, que também entendemos ser uma lei antiga, que precisa ser modernizada, mas que está em vigor, produzindo efeitos de natureza jurídica, há ainda a Lei Complementar nº 35, que dispõe sobre a Lei Orgânica da Magistratura Nacional; e há o Código de Processo Civil, a Lei nº 13.105, que estabelece, no art. 143, que o juiz responderá civil e regressivamente por perdas e danos quando praticar crimes – os crimes estão aqui elencados. Portanto, não há razão para este açodamento. Este açodamento fica sob suspeição. É natural que suspeitemos dessa pressa.

    Nesse clima de revanche exposta, de tensões nervosas, não é o momento adequado para legislar sobre matéria dessa natureza. É evidente que não temos condições de produzir uma boa lei neste momento. Por isso, a nossa solicitação.

    Aliás, vejo que há coincidência, porque, desde ontem, estou com requerimento pronto para colher assinaturas propondo a extinção da urgência, nos termos do inciso II do parágrafo único do art. 352 do Regimento Interno, para o Projeto de Lei do Senado nº 280, que diz respeito ao abuso de autoridade. Desde ontem, esse requerimento está redigido para a coleta de assinaturas. E soube hoje que também o Senador Ronaldo Caiado preparou requerimento com esse objetivo. Certamente, terá a assinatura também do Senador Paulo Paim, que comunga do propósito de que temos de discutir com cautela e, nesta hora, sobretudo, com muita prudência uma legislação que não venha a significar cerceamento do trabalho dos investigadores e dos julgadores, especialmente na Operação Lava Jato. Então, a nossa proposta, que, coincidentemente, é também do Senador Ronaldo Caiado e de outros Senadores, é no sentido de apresentarmos, amanhã, requerimento para eliminar a urgência, para extinguir a urgência, a fim que o Projeto de Lei do Senado nº 280 possa tramitar regularmente, sendo debatido nas comissões onde deve ser debatido.

    Verificamos que há uma reação enorme contra essa proposta. Por exemplo, do Ministério Público. A Procuradoria-Geral da República publicou nota técnica em que coloca que, da forma como está redigido o projeto, a pretexto de aperfeiçoar a legislação vigente, ele poderá embaraçar o regular andamento das atribuições de cada órgão do Estado, resultado diverso daquele almejado pelo autor. A bem da verdade, os responsáveis pela persecução penal e condução do processo penal estarão expostos à retaliação por parte do investigado, do acusado, em razão não do abuso de poder praticado por eles, mas em razão da redação excessivamente aberta e subjetiva dos tipos penais. Há de reconhecer que os tipos penais arrolados no projeto são um curinga hermenêutico, de conteúdo vago e impreciso, que pode encontrar preenchimento naquilo que a parte quiser, ou seja, a interpretação, é livre e, evidentemente, a interpretação fica à disposição, inclusive, da má-fé de quem a interpreta. E nós não podemos sujeitar investigadores e julgadores a um cenário de perseguição e, certamente, de injustiça.

    Nós temos hoje um artigo publicado pelo Procurador Deltan Dallagnol – e não só por ele, assinam conjuntamente Helio Telho e Deltan Dallagnol, Procuradores da República – que trata do abuso de autoridade e faz referência à pena de aposentadoria de magistrados, descrevendo o que é mito e o que é verdade, já que se propala que a pena imposta a procuradores e juízes por crimes praticados é a aposentadoria remunerada. E esses dois procuradores, que, aliás, realizam um trabalho de excelência, sobretudo na Operação Lava Jato, procuram colocar nos seus devidos termos essa questão. A síntese deste artigo é demonstrar que existe legislação severa para punir crimes praticados por autoridades.

    Dizem:

Como todo e qualquer cidadão ou servidor público, os juízes respondem pelos crimes que praticam, podendo ir para a cadeia, ter seus bens confiscados para ressarcir e perder o cargo sem direito à aposentadoria. O mesmo vale para promotores e procuradores.

    E citam o exemplo do Juiz Nicolau dos Santos Neto, conhecido como Juiz Lalau:

[...] foi condenado a mais de 26 anos de reclusão, em regime fechado, pelos crimes de peculato, estelionato e corrupção passiva, pelo desvio de R$170 milhões das obras do fórum trabalhista de São Paulo. A sentença ainda o condenou à perda do cargo, sem direito à aposentadoria. O ex-juiz Lalau, que teve seus bens confiscados, cumpriu parte da pena na penitenciária de Tremembé, outra parte em prisão domiciliar e, por fim, foi beneficiado por indulto concedido pela presidente Dilma.

O juiz João Carlos da Rocha Mattos, por sua vez, foi condenado a 12 anos de prisão em regime fechado, por formação de quadrilha, denunciação caluniosa e abuso de autoridade, dos quais cumpriu quase 8 anos na cadeia. Depois, foi novamente sentenciado a mais 17 anos de prisão, também em regime fechado, pelos crimes de lavagem de dinheiro e evasão de divisas. O ex-juiz Rocha Mattos, que se encontra atualmente preso e cumprindo pena, foi ainda condenado à perda do cargo, sem direito à aposentadoria, e teve mais de R$77 milhões de reais em dinheiro apreendidos e confiscados.

    Portanto, temos legislação rigorosa para a punição de autoridades.

O problema é que são raros os casos em que as penas da corrupção são aplicadas – apenas 3 a cada 100 desses casos são punidos no Brasil. Os exemplos dos ex-juízes [...] são oásis de Justiça no deserto de impunidade da corrupção.

A percepção geral de impunidade [dizem os Procuradores] que cerca Ministério Público e Judiciário é a mesma percepção quanto à impunidade dos corruptos. Ela decorre da morosidade e das brechas da lei que protegem os réus do colarinho branco. [...]

A solução para esse problema é clara. As dez medidas contra a corrupção, rejeitadas pela Câmara dos Deputados [...], oferecem soluções para esse problema, porque propõem tornar mais célere e efetivo o processo de punição. Acabam com os recursos protelatórios, agilizam a solução dos processos, permitem a execução provisória da condenação, reduzem os casos de cancelamento da pena pela prescrição, fecham as brechas para a anulação de casos e facilitam a recuperação do dinheiro público roubado. [...]

Além disso, acabar com o foro privilegiado daria mais agilidade às punições de magistrados. Proposta com esse objetivo [aliás, de nossa autoria] foi aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça [...] e conta com o [...] apoio [...] de todas as associações de magistrados judiciais e do Ministério Público [afirmam os Procuradores]. Contudo, o Congresso resiste em acabar com essa proteção dada também aos parlamentares que são investigados [...]

    Eu creio, Senador Paulo Paim, que nós superaremos essa barreira. Assim como aprovamos na Comissão de Constituição e Justiça, haveremos de aprovar, no plenário do Senado Federal, essa proposta que acaba com o privilégio concedido a autoridades brasileiras como se estivessem em um pedestal, constituindo uma casta de superiores, julgados apenas pelo Supremo Tribunal Federal ou não julgados, em razão da morosidade dos procedimentos adotados na Suprema Corte, até porque é humanamente impossível para 11 juízes julgar mais de 32 mil autoridades ou autoridades que estão nesse contexto de 32 mil, pois, obviamente, nem todas as autoridades cometem delitos. Porém, hoje temos 364 inquéritos em andamento no Supremo Tribunal Federal envolvendo autoridades brasileiras. Seria um avanço civilizatório emblemático eliminar o foro privilegiado de autoridades no Brasil.

A PEC 291 [...], que [também] tramita na Câmara e que já foi aprovada no Senado, propõe acabar com a pena disciplinar de aposentadoria compulsória de magistrados e criar ação civil de perda do cargo (sem direito à remuneração). Aprová-la é outra medida importante [...] [E os Procuradores apoiam que isso ocorra.]

Existe ainda um substitutivo a [esse] projeto de lei de abuso de autoridade [...]

    Esse substitutivo foi assinado, em primeiro lugar, pelo Senador Randolfe Rodrigues, e nós o acompanhamos. Vários Senadores assinaram esse substitutivo – o Senador Lasier Martins, o Senador Cristovam Buarque, o Senador João Capiberibe e outros Senadores.

    É por essa razão que nós desejamos mais tempo para que o debate seja aprofundado e nós possamos encontrar uma legislação compatível com as aspirações da sociedade brasileira e para que não se passe a ideia, como disse aqui Juiz Sergio Moro, de que esse projeto do abuso de autoridade tem por objetivo intimidar investigadores e julgadores, especialmente na Operação Lava Jato.

    Nas últimas duas décadas, nós podemos verificar que o Brasil se tornou um País adepto ao direito penal de emergência, de última hora, feito de afogadilho. Constantemente, tem sido assim. Sempre que um evento danoso afeta, com impacto, a sociedade e ocupa, por um longo espaço de tempo, a mídia televisiva, surgem a emergência e o imediatismo de produzir uma lei penal para dar resposta à sociedade. Além do direito penal de emergência, estamos vendo agora o direito penal do oportunismo. No momento em que a Operação Lava Jato, que já levou a mão da Justiça aos operadores, funcionários públicos e empresários envolvidos em ações criminosas – e agora caminha para tirar o manto da impunidade de muitos representantes da classe política –, surge a urgência de votar um projeto sobre abuso de autoridade.

    O problema do Brasil não é excesso de abuso de autoridade, mas sim abuso da prática da corrupção, do tráfico de influência, da formação de quadrilha. As prioridades são outras. Esta não foi a prioridade da multidão que foi às ruas do Brasil ontem.

    O Parlamento deve gastar a sua energia com a reforma administrativa, a reforma tributária, a reforma do sistema de gestão da dívida pública. A definição dos crimes de abuso de autoridade pode ficar para depois, especialmente, da Operação Lava Jato, mas, se não pudermos esperar tanto, esperemos até o próximo ano, para que a Comissão de Constituição e Justiça, especialmente, possa aprofundar o debate sobre essa questão.

    Se debatida em momento oportuno, não há dúvida de que acrescentará, que atenderá à necessidade de aprimoramento da legislação do nosso País, especialmente da legislação penal.

    Eu concedo um aparte, com satisfação, ao Senador Reguffe, que tem sido intérprete das aspirações da nossa sociedade, que tem feito a leitura correta do que o povo brasileiro escreve nas suas manifestações do dia a dia, de todas as formas.

    Por isso, é com satisfação que eu concedo ao Senador Reguffe este aparte.

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – Senador Alvaro Dias, eu quero, em primeiro lugar, parabenizar V. Exª por este pronunciamento, aqui nesta Casa, na tarde de hoje. Quero aqui dizer que V. Exª pode contar com a minha assinatura. Eu quero e vou assinar esse documento de retirada da urgência desse projeto, de retirada de pauta, para que essa discussão possa ser feita com toda a calma, com todo o critério que esse tema deve ter, e não num momento em que o País todo está apoiando uma operação importante neste País, que é a Operação Lava Jato. Acho que...

(Soa a campainha.)

    O Sr. Reguffe (S/Partido - DF) – ... se existe uma coisa que une as pessoas de bem deste País, neste momento, é a Operação Lava Jato. As pessoas têm dúvida, nas ruas, sobre muitas coisas, inclusive sobre o Congresso Nacional, mas a Operação Lava Jato vem cumprindo um excelente papel. E, num momento em que nós estamos vendo as instituições funcionando, nós temos que dar força a essas instituições. Se houver desvios ou excessos, que punamos os desvios ou excessos, mas nunca enfraqueçamos instituições importantes para o cidadão deste País, para a população deste País. Então, eu quero, aqui, estar junto a V. Exª nessa luta. V. Exª conte com a minha assinatura, para retirar a urgência desse projeto, para que esta Casa possa debater isso com calma, no ano que vem, sem ter esse afogadilho. Acho que isso é o melhor para todos, com prudência, com calma, a fim de que cada um possa discutir, democraticamente, colocando a sua opinião, até porque é uma Casa democrática e prevalece a vontade da maioria, mas não me parece que o melhor seja discutir isso, neste momento. Eu, como V. Exª, votei contra a urgência, na última quarta-feira, de se votar aquele projeto que veio da Câmara dos Deputados, esse projeto que desfigurou as dez medidas contra a corrupção, que é um projeto de iniciativa popular importantíssimo, que teve a assinatura de mais de dois milhões de brasileiros.

    Não é só um projeto oriundo do Ministério Público, como muita gente coloca; é um projeto que teve a assinatura de mais de dois milhões de brasileiros. Então, eu, como V. Exª, votei contra a urgência desse projeto na quarta-feira, e nós fomos vitoriosos. O Senado não votou isso na quarta-feira, e eu espero que não vote amanhã, principalmente no momento em que não é essa a discussão que a sociedade quer. O que a sociedade quer, neste momento, do Parlamento, é que se discuta uma reforma política, que se discuta uma reforma tributária, que se discutam os problemas reais da vida dessa sociedade, e não que se tente interferir numa operação que está tendo todo o aplauso – e merecido – por parte da população deste País. Quero me congratular com V. Exª e dizer-lhe que pode contar com a minha assinatura nesse requerimento. Eu considero importante que esta Casa, que representa a população, esteja em consonância com a população, de mãos dadas com a população, e nunca contra a população. Então, V. Exª conte com a minha assinatura. E quero parabenizar V. Exª por esse pronunciamento.

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – Muito obrigado, Senador Reguffe.

    O espetáculo que nós vimos ontem foi o espetáculo da democracia direta. Muitos defendem a democracia direta.

    A população foi às ruas do Brasil, exigindo, opinando, decidindo, enfim. E nós temos que repercutir essa decisão do povo brasileiro, que não é outra a não ser a consolidação desse projeto de limpeza geral, representado emblematicamente pela Operação Lava Jato, mas não só por ela. É a representação emblemática desse momento de limpeza, de assepsia geral no País, na atividade pública brasileira. Essa é uma exigência coletiva, e nós temos que repercutir, aqui, exatamente esse apelo popular cada vez mais veemente e indignado.

    Senador Reguffe, nós vamos colher assinaturas para esse requerimento e certamente vamos somá-las ao requerimento do Senador Ronaldo Caiado, para completarmos a exigência regimental de mais de 21 Senadores, a fim de que nós possamos eliminar a urgência e iniciar um debate construtivo, para que a legislação que for oferecida em relação a abuso de autoridade seja compatível com as aspirações do povo brasileiro. Que seja uma legislação distante da ideia de que o objetivo é intimidar, é atemorizar...

(Soa a campainha.)

    O SR. ALVARO DIAS (Bloco Social Democrata/PV - PR) – ... é cercear a eficiência da investigação e do julgamento. Ao contrário: nós não podemos admitir que esse abuso... Isto, sim, se configuraria em abuso de autoridade, a imposição de um projeto votado apressadamente, de forma açodada, para impor normas e, certamente, controlar a atividade de juízes, promotores, enfim, de investigadores e julgadores.

    Muito obrigado, Senador Paulo Paim.

    E vamos aguardar que uma maioria expressiva de Senadores possa se somar, alimentando, aqui, as expectativas do povo brasileiro de que é possível, sim, mudar este País.

    A caminhada de ontem foi uma caminhada na direção do futuro. Aqueles que caminharam, pelas ruas do País, caminharam na direção do amanhã, que há de ser a construção de uma Nação que atenda às aspirações da nossa gente.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/12/2016 - Página 9