Pela Liderança durante a 185ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Repúdio às alterações promovidas na Câmara dos Deputados ao projeto de lei das dez medidas de combate à corrupção.

Autor
Lasier Martins (PDT - Partido Democrático Trabalhista/RS)
Nome completo: Lasier Costa Martins
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Repúdio às alterações promovidas na Câmara dos Deputados ao projeto de lei das dez medidas de combate à corrupção.
Publicação
Publicação no DSF de 01/12/2016 - Página 21
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • REPUDIO, CAMARA DOS DEPUTADOS, ALTERAÇÃO, PROJETO DE LEI, COMBATE, CORRUPÇÃO, ORIGEM, MINISTERIO PUBLICO, DESRESPEITO, INTERESSE PUBLICO, EXCESSO, TIPICIDADE, PENA, CONDUTA, ABUSO DE AUTORIDADE, DECISÃO, MAGISTRADO, TENTATIVA, IMPEDIMENTO, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CRIME, AUTORIDADE PUBLICA, CRITICA, REDUÇÃO, PENA DE RECLUSÃO, DELITO, TORTURA, DEFESA, PROPOSTA, SERGIO MORO, JUIZ DE DIREITO, IMPORTANCIA, DEBATE, MATERIA, SENADO.

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS. Como Líder. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, eminente Senador Humberto Costa.

    Senadoras, Senadores, telespectadores, ouvintes, eu queria começar dizendo que ontem, dia 29, foi um dia sombrio para a democracia brasileira. À tarde, manifestantes, ou melhor dizendo, desordeiros mascarados danificaram prédios públicos na Esplanada, vandalizaram monumentos – que custam dinheiro a todos os brasileiros –, destruíram automóveis de vários trabalhadores que costumam deixar seus veículos estacionados enquanto cumprem suas jornadas na Esplanada dos Ministérios.

    Mas não foi só. O Estado de direito e o império da lei foram ridicularizados na calada da noite. Falo das mudanças que desfiguram as medidas contra a corrupção, propostas por mais de dois milhões de assinantes na iniciativa popular de uma lei. É óbvio que nem todas as medidas deveriam prosperar, mas o que foi feito ontem foi a demolição do essencial daquele projeto e a inserção de garantias não para proteger o patrimônio público, mas de mecanismos que visam a intimidar polícia, Ministério Público e Judiciário, bem como a legalizar o ilegalizável.

    Em entrevista ao portal de notícias G1, o Deputado e meu conterrâneo Onyx Lorenzoni declarou:

O parecer não era meu, era da sociedade brasileira que tinha depositado as suas esperanças na Câmara dos Deputados. Lamentavelmente, o que a gente viu aqui foi uma desconfiguração completa do relatório, ficando de pé, objetivamente, apenas as medidas de estatísticas e a criminalização do caixa dois. E trouxeram essa famigerada situação de ameaça, de cala-boca, de agressão ao trabalho dos investigadores brasileiros. Creio que a Câmara perdeu a chance de prestar um serviço ao Brasil. E, movidos por uma sede de vingança contra o MP e contra o Judiciário, acho que começaram uma crise institucional que deve se agravar nos próximos meses.

    A democracia no Brasil se enfraquece, e em nossas mãos está a apreciação do PLS 280, de 2016 – inoportuno para este momento.

    Sr. Presidente, entendo que o tema é, sim, importante. Milhares de brasileiros sofrem abusos de autoridades públicas. Há, sim, problemas de relacionamento entre cidadão e Estado. E pior: os que mais sofrem são os cidadãos pobres, aqueles que não têm recursos para contratar bons e caros advogados e se tornam vítimas da conduta imprópria de agentes públicos. Isso ocorre constantemente em todas as partes do País.

    Não creio, porém, que devamos tratar o problema de afogadilho. Este é o problema: a pressa. A lei – é verdade – é de 1965, e o projeto de lei que ora é proposto teve a sua redação feita em 2009. Ou seja, parece claro, que não é o interesse do cidadão comum, daquele que mora em favelas, que vive em bairros pobres e distantes, que está sendo levado em conta. Parece para a população, em centenas de manifestações que tenho recebido, que o objetivo do projeto é criar constrangimentos à ação de agentes públicos, que são a ponta de lança da Operação Lava Jato, que teima em querer mudar o Brasil para melhor, mais honesto e mais transparente.

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) – Peço que V. Exª considere o meu tempo como destinado a orador inscrito, uma vez que há espaço para isso.

    Repito, pois é preciso deixar bem clara esta minha posição: não sou contra a discussão de um projeto de lei que trate do abuso de autoridade. No entanto, não creio que o texto-base do PLS 280 seja o melhor – aliás, tem muitos defeitos –, tampouco que o devamos fazer de maneira atabalhoada.

    Gostaria, pois, até de tecer algumas considerações a respeito desses problemas do PLS 280.

    A Ministra Cármen Lúcia, por exemplo, atual Presidente do Supremo, em pronunciamento no Conselho Nacional de Justiça, observou que:

Os juízes brasileiros tornaram-se, nos últimos tempos, alvo de ataques, de tentativa de cerceamento de atuação constitucional e, o que é pior, busca-se até mesmo criminalizar o agir do juiz brasileiro, restabelecendo-se até mesmo o que já foi apelidado de crime de hermenêutica no início da República e que foi ali repudiado.

    Continua ela, a Presidente do Supremo:

Criminalizar a jurisdição é fulminar a democracia. Eu pergunto a quem isso interessa. Não é ao povo certamente, não é aos democratas, por óbvio.

    O PLS 280, pois, não serve à democracia, tampouco serve o que foi aprovado ontem na Câmara dos Deputados – aberrações, uma série de aberrações, de um... Estou procurando recordar o que disse aqui, há pouco, o Senador Magno Malta. "O que votaram ontem, na Câmara dos Deputados, foi uma mula sem cabeça", isso foi dito aqui, e eu concordo.

    O Juiz Sergio Moro, em entrevista ao portal G1 declarou, em relação ao PLS 280, que:

Eu teria várias sugestões, mas vou fazer a sugestão de um único dispositivo, visando evitar que esse projeto, ainda que eventualmente bem-intencionado, seja utilizado para intimidação da independência da magistratura. A sugestão que vou apresentar é a inclusão de um artigo na parte final dizendo literalmente: 'Não configura crime previsto nesta lei a mera divergência na interpretação da lei penal e por si só penal, ou na avaliação de fatos e provas'.

    Disse bem. A proposta do Juiz Sergio Moro me parece propícia e pretendo encampá-la e apresentar emenda com esse teor.

    Aliás, estamos esperando, amanhã de manhã, a partir das 11h, o Juiz Sergio Moro para uma audiência pública aqui, no plenário.

    Além disso, é preciso observar que há vários problemas com o PLS 280. Vejamos alguns.

    Há o problema da tipificação vaga de vários dos dispositivos da lei. Nota de membros do Ministério Público alerta a esse respeito:

Além de serem propostos crimes de redação propositalmente aberta, como faltar com o 'decoro do cargo', os quais são punidos com demissão (sem qualquer gradação), os próprios investigados poderão processar criminalmente os investigadores. [Imaginem a inversão de valores.] Crimes excessivamente vagos dão margem a subjetivismo na aplicação da lei e perseguições, não toleradas pelo Direito Penal. Isso abre espaço para retaliação, vingança, intimidação e acovardamento, amordaçando o exercício legítimo da função.

    É o que temos. Isso é visível, por exemplo, no art. 30 do PLS 280, sobre o qual já falei aqui no Senado duas vezes, que determina que é passível de reclusão de 1 a 5 anos "dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa, sem justa causa fundamentada". Isto é: eles têm que explicar; o investigador, a Polícia Federal, o Ministério Público têm que dizer que vão começar a investigar.

    Exigir justa causa fundamentada para dar início ou proceder à persecução penal, civil ou administrativa configura desconsideração à supremacia do interesse público, que autoriza o Ministério Público a atuar. Significa invadir a competência de um outro poder e inclusive fere a lógica do nosso sistema jurídico, haja vista que o processo é o espaço próprio...

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) – ... para que se possa formar a inocência ou a culpa do acusado.

    A vagueza conceitual do projeto se manifesta também no art. 21, em que se usa o advérbio astuciosamente, ou no art. 24, em que se usa o advérbio artificiosamente. São palavras inadequadas para um texto legal, que regula matéria penal, em especial porque carregam vocábulos cheios de ambiguidades e confusão.

    Do mesmo modo, em certos aspectos há uma piora em relação à lei de 1965, o que é incrível. Digo isso em relação às penas. A lei de 1965 define também punições administrativas. Sei que o abuso de autoridade é algo grave, mas criminalizar toda e qualquer conduta relativa ao abuso parece equivocado, em especial porque sabemos que existe um outro movimento em curso – e acertado, em meu entendimento – de retirar...

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) – ... da esfera penal uma variedade de condutas, justamente porque a punição criminal é inadequada e ineficaz. Assim, parece-me que é preciso trazer de volta para o texto as sanções administrativas.

    Do mesmo modo ao criminalizar todas as condutas relativas ao abuso de autoridade: as penas previstas no texto do PLS 280 são muito mais duras, excessivamente mais duras. Para várias condutas, acredito que as penas já existentes na Lei nº 4.898, ainda de 1965, são ainda mais condizentes com a realidade.

    Ainda em relação a essa fúria em criminalizar as autoridades, parece-me que houve um equívoco, porque muitas das condutas determinadas pelo Projeto nº 280 já constam do Código Penal ou da legislação penal esparsa e lá fazem muito mais sentido lógico.

    Exemplifico com o mais grave abuso de autoridade que pode ser cometido pelo Estado: o crime de tortura. A tortura é o abuso da autoridade na sua forma mais absoluta e insuperável. É algo absolutamente inaceitável. É uma das violações mais terríveis do Estado democrático de direito. A tortura, todos sabemos, já é tratada pela Lei nº 9.455, de 1997. Essa lei define quais são os crimes de tortura, estabelece pena de reclusão de 2 a 8 anos e, além disso, estabelece as medidas agravantes da pena.

    Pois bem. O PLS 280, de que aqui tratamos, traz uma inovação ruim em seu art. 23, ao estabelecer que praticar ou mandar praticar violência física ou moral contra pessoa, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la, têm a pena de detenção de 1 a 4 anos, ou seja, abre um escape para que um torturador venha a buscar abrigo em uma pena mais branda!

(Soa a campainha.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) – Não é razoável, de modo algum, criar um bis in idem e ainda ocasionar conflitos legais em razão de a pena proposta ser inferior àquela já existente em nosso ordenamento jurídico, especialmente quando é um tema tão sensível.

    Em nosso entendimento, também merece um debate mais profundo o art. 2º do projeto, que trata dos sujeitos ativos dos crimes. O PLS 280 não inclui os servidores militares. É incrível este esquecimento, esta omissão: não inclui servidores militares. É sabido – e não quero aqui estabelecer nenhum preconceito – que diversos crimes de abuso de autoridade são também cometidos por policiais militares. Não seria lógico, então, incluí-los entre os sujeitos ativos da lei?

    A omissão parece fazer parte da pressa, ou, quem sabe, de alguma segunda intenção. É uma discussão importante e merecedora da realização de audiência pública...

(Interrupção do som.)

    O SR. LASIER MARTINS (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PDT - RS) – Vou encerrar.

    Parece, então, indispensável uma audiência pública.

    Em razão de ter ultrapassado o meu tempo, quero concluir, Sr. Presidente, enfatizando algo que me trouxe a este pronunciamento: sou favorável a uma lei que trate, de maneira moderna, do abuso de autoridade. Sou a favor da substituição da Lei nº 4.898, de 1965, mas não por esse sofrível diploma que aí nos apresentaram.

    Entendo que é importante uma lei sobre abuso de autoridade para aprimorar o Estado democrático de direito, mas não isso que está aí, que é um projeto de lei açodado e confuso.

    Espero a colaboração, a compreensão e o entendimento. Apelo aos meus pares que protelem para um debate esse PLS 280, tão defeituoso.

    Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/12/2016 - Página 21