Pronunciamento de Roberto Requião em 08/12/2016
Discurso durante a 192ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal
Esclarecimentos acerca do Projeto de Lei que define os crimes de abuso de autoridade.
- Autor
- Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
- Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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LEGISLAÇÃO PENAL:
- Esclarecimentos acerca do Projeto de Lei que define os crimes de abuso de autoridade.
- Publicação
- Publicação no DSF de 09/12/2016 - Página 86
- Assunto
- Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
- Indexação
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- ESCLARECIMENTOS, PROJETO DE LEI, DEFINIÇÃO, CRIME, ABUSO DE AUTORIDADE.
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR. Sem revisão do orador.) – Ocupo a tribuna com a alegria do Senador Ferraço, que saudou meu anúncio com um "de novo, Requião?". Sim, de novo, afinal aqui somos Parlamentares e, além de legislar, uma das nossas funções é parlamentar, parlar.
Eu estou sendo assediado, Presidente, pela imprensa a me perguntar, a cada momento: "Requião, você fez parte de uma negociação para suspender a análise do abuso de poder?" Eu disse: nem eu, nem o Senado, nem ninguém. Não me consta que o Supremo Tribunal seja objeto de barganhas dessa natureza.
Mas eu queria esclarecer aqui – e esclarecer significa colocar de uma forma bem clara – o que significa esse projeto que analisa o abuso de poder e que está sendo discutido, em regime de urgência, no plenário do Senado Federal.
Em primeiro lugar, eu quero dizer que trabalhei muito nesses últimos dias. Conversei com todas as associações que me procuraram, de procuradores, de magistrados, e com juristas de todo o País. Mas é preciso que se entenda, afinal, o que estamos a fazer.
Este projeto, Senador Ferraço, destina-se a coibir o abuso de autoridade no Brasil, atualizando leis velhas, que já não funcionam. Nada nele se refere às autoridades nos diferentes níveis, do guarda da esquina ao magistrado de última instância, que não abusam de sua autoridade e que não usam suas prerrogativas para atingirem direitos alheios.
Nosso foco, Senador Ferraço, é o abuso, não é a autoridade. Nenhuma nação poderia subsistir sem autoridades que exerçam suas funções com diligência e com espírito público, mas nenhuma nação subsiste a autoridades que esmagam o pequeno, o pobre, o negro, na base de carteiradas.
É o projeto contra as carteiradas; não é um projeto para limitar prerrogativas de autoridades. Não estamos fazendo uma lei especial, que seria uma lei de exceção para os tempos de investigações, como as da Lava Jato.
A Lava Jato foi uma iniciativa extraordinariamente eficaz dos promotores e do juízo de primeira instância, da minha Curitiba, no combate à corrupção no Brasil. Contudo, esperamos que ela um dia acabe, não porque vá acabar a corrupção, Senador Bezerra – que por certo há de perdurar aqui e no mundo até que nasça o homem profetizado pelo Apóstolo Paulo: o homem novo –, mas porque os investigadores, cedo ou tarde, voltarão ao leito normal dos inquéritos e processos, sem os recursos espetaculosos da mídia. Isso é natural.
O nosso interesse não é propriamente a punição de autoridades. Absolutamente não! O nosso interesse é a proteção do fraco e perseguido pelo forte. Se essa proteção implicar em ações contra autoridades, que se faça de forma legal, pelos caminhos judiciais previstos em lei.
Eu não acredito que um juiz honesto venha a ser condenado por seus pares, por acusação infundada de abuso de autoridade. Ao contrário: tenho visto magistrados que praticam abuso de autoridade e, não obstante, foram absolvidos e até premiados por seus pares. É contra isso que esta lei se opõe. Mas é contra todo abuso de qualquer autoridade, em qualquer nível.
Não somos nós que pretendemos julgar autoridades infratoras. Por exemplo: juízes e promotores têm foro privilegiado, Senador Bezerra. Eles só poderão ser acusados, nos termos desta lei que define o que significa o abuso, por iniciativa do Ministério Público. E não serão julgados por um juiz singular, porque eles têm foro privilegiado, ou seja, foro especial. Eles serão julgados por juizados colegiados.
Eu não consigo entender que autoridades tenham medo do Judiciário. Não é preocupação com o Senado da República ou com a lei, mas existe, na discussão do direito brasileiro, uma contradição: aqui a lei é feita pelo Legislativo, e eles, em algumas posições tomadas por corporações, pretendem ir no caminho da commom law.
Eles acreditam que o magistrado não precisa cumprir a lei, que ele fará uma interpretação livre da lei, com seu convencimento livre. Mas esta noção de convencimento livre não consta mais nem do novo CPC. É claro que nós não podemos voltar à visão positivista, que dizia que o magistrado lê a lei em voz alta; ele não raciocina em cima dela. Mas, por outro lado, isso tem um limite: é o limite do abuso; é o limite do excesso na interpretação, que escapa completamente ao conhecimento e à definição contida na literalidade da lei. Mas nós estamos precisando regulamentar isso. A lei é velha, é da época da ditadura.
Eu trago ao Plenário do Senado uma notícia que recebi agora há pouco, Presidente, através da internet. Vocês lembram daquela juíza que foi afastada pelo CNJ, porque colocou uma menina de 15 anos numa cela, com 15 homens, por 20 dias? Pois muito bem: ela recorreu a um tribunal superior, e o tribunal superior revogou a sua aposentadoria estabelecida pelo CNJ. Mas não foi só isso. Lá, na sua base, na sua sede, a Presidenta do Tribunal de Justiça a coloca encarregada chefe da Vara de Criança e de Adolescente. Isso é um escárnio!
Daí, temos o juiz que andava com o carro do Eike Batista, como se fosse dele; temos o juiz que prendeu um agente de trânsito que ele havia multado. Mas não se trata de juízes; trata-se de abuso de autoridade, que pode ser do juiz, do guarda da esquina, do fiscal municipal de renda, do fiscal estadual de renda, do fiscal do Imposto de Renda, e até de Parlamentares, caracterizadamente nos abusos cometidos em uma Comissão Parlamentar de Inquérito.
Não é possível, por exemplo, que promotores e juízes, insistindo nessa visão de que a lei é aquilo que o juiz diz e não o que o legislador legisla, que se suportam no livre convencimento e na jurisprudência, prevaleçam no Brasil. Não é o nosso sistema. O nosso é de um sistema de países que têm uma velha tradição legal e que não se suportam nos conhecimentos do Direito romano. Este é o nosso caso...
(Soa a campainha.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... Direito romano e legislação.
Então, eu espero que não se alegue, neste plenário, que estamos tratando disso numa velocidade enorme. Esse projeto dorme na Casa há sete anos. Votado pelo Plenário do Senado, que poderá fazer emendas, numa discussão aberta, com Senadores inteligentes e ligados à realidade do Brasil, ele irá à Câmara. E a Câmara vai fazê-lo tramitar por uma série de Comissões, seguramente. Essas Comissões e o Plenário da Câmara farão modificações no projeto. E essas modificações retornarão ao Senado da República. Então, não há que se falar em urgência sobre um projeto que seguramente irá para a sanção do Presidente da República daqui a um ano, senão mais que um ano.
Mas o que eu não posso admitir é que a relatoria que me foi oferecida, com alegria e a concordância entusiasmada das Lideranças dos partidos, seja submetida a uma capitis diminutio media, em função do temor de que ela tenha sido objeto de um acordo com o...
(Interrupção do som.)
O SR. ROBERTO REQUIÃO (PMDB - PR) – ... Supremo Tribunal Federal. O Supremo não faz acordo. O juiz monocrático errou quando determinou... (Fora do microfone.)
... e o erro foi corrigido pelo Plenário. Não há nada atrás disso. Não há nada diferente disso. Nada que possa inibir uma discussão franca e aberta.
Quero dizer a vocês que incorporei à lei quase todas as sugestões do Juiz Sergio Moro, que é um juiz do meu Estado, que já trabalhou comigo, quando eu era governador do Estado, em algumas ações contra o narcotráfico. Quero dizer que incorporei a opinião da Associação Nacional dos Procuradores da República, do Dr. Robalinho; incorporei sugestões do Silvio Rocha; incorporei sugestões do Gilmar Mendes; incorporei sugestões de um número enorme de juristas, associações e pessoas singulares, interessadas, expertas no Direito, que me chegaram às mãos. Acho que tenho um projeto "redondo". A única coisa que não incorporei foi a revogação do Legislativo na formulação das leis, porque isso me parecia, no nosso sistema e diante da nossa realidade, a tal da common law, o livre convencimento do juiz, independentemente do texto da lei. Absurdos, porque isso nos deixaria – e deixaria os próprios juízes, nas suas sentenças – com uma contrariedade enorme da população.
Eu, no Paraná, tenho visto alguns absurdos.
Houve um prefeito do Paraná, Senador Renan: chamasse Paulo Furiati, ex-Prefeito da Lapa. De repente, ele foi preso por trinta ou quarenta dias, numa prisão provisória, porque se supunha que o Dr. Paulo Furiati, engenheiro agrônomo e ex-Prefeito, fazendeiro de propriedades significativas, do ponto de vista econômico, havia, segundo algumas denúncias que não se sabe de onde vieram, desviado, de um convênio com o Ministério da Educação, R$3 mil. Furiati é dono de fazendas que valem algumas dezenas de milhões de reais.
Quarenta dias na penitenciária. Família humilhada. Filhos pressionados na escola. E, no fim dos 40 dias, o Dr. Paulo Furiati foi libertado, sem que fosse acusado de alguma coisa.
Essas coisas é que têm que ter uma condenação legal, prevista no trabalho que estamos fazendo sobre abuso de autoridade. Não se dirige absolutamente à Lava Jato, cuja contribuição é inegável, na visão que o Brasil tem hoje da sua estrutura política, este Brasil que está a reclamar reformas profundas no financiamento de partidos, no financiamento de campanhas eleitorais, na escolha de administradores públicos.
Mas não me venham de borzeguins ao leito, dizendo que, agora que o Supremo Tribunal Federal corrigiu um erro monocrático de um juiz, nós temos que desistir de discutir e ordenar legislativamente os abusos de poder.
Era essa a intervenção que eu queria fazer neste momento, Presidente.