Discurso durante a 194ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca de resolução do Parlamento Europeu que condena as violações de direitos humanos sofridas pelos índios guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul e possibilita a restrição ao comércio com o Brasil.

Crítica às prováveis atualizações das regras de demarcação de terras indígenas, e comentários sobre a matéria “Documento do governo altera regra para demarcar terra indígena”, publicada pelo jornalista Rubens Valente na Folha de São Paulo.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL:
  • Comentários acerca de resolução do Parlamento Europeu que condena as violações de direitos humanos sofridas pelos índios guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul e possibilita a restrição ao comércio com o Brasil.
GOVERNO FEDERAL:
  • Crítica às prováveis atualizações das regras de demarcação de terras indígenas, e comentários sobre a matéria “Documento do governo altera regra para demarcar terra indígena”, publicada pelo jornalista Rubens Valente na Folha de São Paulo.
Publicação
Publicação no DSF de 13/12/2016 - Página 34
Assuntos
Outros > POLITICA INTERNACIONAL
Outros > GOVERNO FEDERAL
Indexação
  • COMENTARIO, RESOLUÇÃO, PARLAMENTO EUROPEU, OBJETO, CONDENAÇÃO, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, VITIMA, TRIBO GUARANI KAIOWA, LOCALIZAÇÃO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), POSSIBILIDADE, RESTRIÇÃO, COMERCIO, BRASIL.
  • CRITICA, HIPOTESE, MINISTERIO DA JUSTIÇA (MJ), ATUALIZAÇÃO, NORMAS, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, LEITURA, COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, FOLHA DE S.PAULO, ASSUNTO.

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Sr. Presidente.

    Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, na semana passada nós tivemos a honra de receber uma comitiva de Parlamentares do Parlamento Europeu – representantes de Portugal, da Espanha, do Reino Unido – que vieram nos visitar e acompanhar a situação dos direitos humanos, dos povos indígenas do nosso País, em especial dos guarani kaiowá do Mato Grosso do Sul. Eles tiveram a possibilidade de contatar com várias autoridades brasileiras, com o Presidente do Senado, também com membros do Ministério Público. Enfim, fizeram uma turnê com as autoridades públicas brasileiras reivindicando sempre o respeito aos direitos humanos dos povos indígenas guarani kaiowá.

    Antes da vinda deles, o Parlamento Europeu aprovou uma resolução urgente onde condena e deplora a violência e as violações de direitos humanos sofridas pelo povo guarani kaiowá no Mato Grosso do Sul. Em apelo dirigido às autoridades brasileiras – isso antes da visita deles na semana passada, como nós vamos ver mais à frente –, os eurodeputados pedem medidas imediatas para proteção, segurança e demarcação das terras dos povos indígenas guarani kaiowá. Convictos, os eurodeputados dizem – aspas:

As empresas deveriam prestar contas por qualquer dano ambiental e por quaisquer violações dos direitos humanos e a União Europeia e os Estados-membros deveriam consagrar esta condição como princípio fundamental, tornando-o uma disposição vinculativa em todas as políticas comerciais.

    É uma resolução que, inclusive, acena com possibilidade de restrições aos produtos de exportação brasileira. É preciso que o Estado brasileiro, o Governo brasileiro fique alerta para não causar danos e graves prejuízos ao agronegócio brasileiro, do qual a Europa é grande consumidora.

    A resolução foi publicada no dia 24 de outubro deste ano, no mês retrasado, e norteará as relações políticas e comerciais dos países que compõem o Parlamento Europeu com o Brasil. Está muito clara a resolução. Ela vai nortear as relações comerciais e políticas com o nosso País. Conforme os eurodeputados, o direito originário dos povos indígenas ao território tradicional, presente na Constituição brasileira, é um dever do Estado de proteger. Isso não vem ocorrendo, segundo os parlamentares.

    Para os eurodeputados, é urgente – abre aspas – "um plano de trabalho visando dar prioridade à conclusão da demarcação de todos os territórios reivindicados pelos guarani kaiowá e criar as condições técnicas operacionais para o efeito, tendo em conta que muitos dos assassinatos se devem a represálias no contexto da reocupação de terras ancestrais". Nós temos conhecimento, nós sabemos que as terras indígenas foram cedidas a terceiros pelo Estado brasileiro com título definitivo, levando pessoas de boa-fé a ocuparem essas áreas, e que hoje vivem em situação de conflito.

    "Diante da iniciativa do Governo brasileiro de congelar gastos primários pelos próximos vinte anos, com a Proposta de Emenda à Constituição, a PEC nº 55, recomenda que as autoridades brasileiras assegurem um orçamento suficiente para as atividades da Funai" – fecha aspas.

    A resolução apresenta preocupações com medidas dos Poderes Executivo e Legislativo. Naquilo que entende como direitos opostos aos dos índios, o Parlamento europeu afirma que a PEC nº 215, se for aprovada, irá ameaçar os direitos à terra, permitindo um bloqueio do conhecimento dos novos territórios indígenas. O marco temporal também foi condenado como interpretação limitada da Constituição brasileira – marco temporal admitido pelo Supremo Tribunal Federal.

    O Parlamento europeu recordou às autoridades brasileiras, em trecho da resolução, a obrigação do País de – aspas – "respeitar o Direito Internacional no domínio dos direitos humanos no que diz respeito às populações indígenas, tal como estabelecido em especial pela Constituição Federal brasileira e a Lei nº 6.001/73, sobre o 'Estatuto do Índio'".

    Ressaltou – aspas: "O Ministério Público Federal e a Fundação Nacional do Índio (Funai) assinaram em 2007 o Compromisso de Ajustamento de Conduta, a fim de identificar e demarcar 36 territórios da comunidade Guarani-Kaiowá até 2009" – o que não ocorreu, conforme atestou a Organização das Nações Unidas.

    Sr. Presidente, esses são alguns pontos abordados pela resolução aprovada pelo Parlamento europeu, que menciona a possibilidade de restrição ao comércio com o nosso País. Agora, veja, como é que o Governo brasileiro reage diante de uma possibilidade inclusive de restrição ao comércio brasileiro? Eu tenho aqui uma matéria do jornalista Rubens Valente denominada "Documento do governo altera regra para demarcar terra indígena". É de hoje, saiu na Folha de S.Paulo. A matéria aborda:

O Ministério da Justiça tem pronto um decreto que, se colocado em prática, representará a mais completa mudança no sistema de demarcação de terras indígenas no país desde, pelo menos, a Constituição de 1988.

O texto coloca em xeque terras já demarcadas e reconhecidas por governos anteriores, ao permitir que sejam contestadas por "interessados".

Uma exposição de motivos e uma minuta de decreto, aos quais a Folha [de São Paulo] teve acesso, incorporam teses de interesse de fazendeiros e exigências contidas na PEC 215, apoiada pela bancada ruralista e combatida [...] pelos indígenas.

Tornam ainda regra do Executivo entendimentos jurídicos de ministros do Supremo Tribunal Federal e contestados pela Funai (Fundação Nacional do Índio).

Indígenas e indigenistas, informados pela reportagem sobre a proposta, afirmaram que ela representa na prática a revogação do decreto 1.775, do governo Fernando Henrique Cardoso, que há 20 anos regula o tema.

"O objetivo está claro, esse decreto irá inviabilizar [vejam só] mais de 80% das terras indígenas no país, cerca de 600 territórios em processo de demarcação ou reivindicados pelos índios", disse Cleber Busato, do Conselho Indigenista Missionário.

A minuta do decreto adota a tese do "marco temporal", segundo a qual apenas indígenas que estavam na terra ou a disputavam judicialmente em outubro de 1988, quando da promulgação da Constituição, poderiam ter direito a ela [o que, no meu ponto de vista, é um absurdo].

Segundo essa tese, os índios que deixaram ou foram expulsos de suas terras e não as retomaram em 1988, mesmo que por meios violentos, perdem o direito de reivindicá-la.

Outra novidade é a criação de uma indenização para indígenas que tenham "perdido a terra". Na legislação do tema não há previsão de pagamento a indígenas para que deixem de reivindicar terras – o que o Governo faz, como previsto na Constituição, é indenizar os fazendeiros e retirá-los de terras indígenas.

    E é a isso que o Governo se recusa: a colocar recursos para indenizar os fazendeiros do Mato Grosso do Sul, que aceitam as indenizações. Mas o Governo insiste em manter o conflito. Não é só o Governo do Temer; o governo da Presidente Dilma também foi omisso diante do conflito dos povos guarani-kaiowá.

Uma terceira inovação é a necessidade de que processos de demarcação que estão em andamento tenham que incorporar "as diretrizes do documento".

É prevista abertura de prazo de 90 dias para que "interessados" se manifestem sobre processos que já estejam homologados pela Presidência, mas sem registro em cartório, última etapa do processo de demarcação.

"É de uma gravidade que é alarmante a informação de que pode estar ocorrendo uma discussão dentro do governo sem transparência e sem clareza na motivação", disse à Folha o subprocurador geral da República, Luciano Maia.

Procurado desde a quinta [...], o Ministério da Justiça informou, por meio da assessoria, que não havia uma resposta em tempo hábil, do setor competente sobre o assunto. Em novembro, em nota enviada à Folha, a Casa Civil da Presidência da República afirmou que "não haverá alteração do sistema de demarcação de terras indígenas".

    Em quem nós vamos acreditar? No Ministro da Justiça ou no Presidente Michel Temer? Um diz uma coisa, o Ministro faz outra. E isto aqui, Sr. Presidente, Srs. Senadores, é de extrema gravidade. O Brasil tem 8,5 milhões de quilômetros quadrados. Nós temos milhões de hectares de terras antropizadas que estão aí, abandonadas. Devolver a terra dos índios é o que está escrito na Constituição Federal e precisa ser cumprido.

    Eu trouxe aqui ao conhecimento dos Srs. e Srªs Senadoras a resolução do Parlamento Europeu, e o Governo dá esta resposta através do Ministério da Justiça. O que o Governo está dizendo com esse decreto que, possivelmente, deve aparecer publicado nesses próximos dias? Que ele paralisa todo o processo de demarcação e homologação de terras indígenas no Brasil, que já não avança há muitos anos.

    Há uma espécie de complô para impedir o cumprimento das decisões do Constituinte de 1988.

    Portanto, eu queria alertar quem tem interesse econômico na exportação de produtos do agronegócio de que esse decreto, esse possível decreto do Ministro da Justiça certamente terá um enorme impacto na União Europeia, no Parlamento Europeu e nos países que compõem a Comunidade Europeia, porque, depois da visita dos Deputados, dos Parlamentares e vários assessores de Parlamentares do Parlamento Europeu, o Governo responde dessa forma, tentando restringir direito dos povos indígenas.

    Certamente isso vai ser debatido. O que eu estou colocando aqui vai ser debatido proximamente no Parlamento Europeu, e a resolução já tomada certamente vai-se fazer valer em relação aos produtos brasileiros.

    Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/12/2016 - Página 34