Discurso durante a Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Critica à possibilidade de aprovação da reforma previdenciária.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PREVIDENCIA SOCIAL:
  • Critica à possibilidade de aprovação da reforma previdenciária.
Publicação
Publicação no DSF de 14/02/2017 - Página 103
Assunto
Outros > PREVIDENCIA SOCIAL
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, POSSIBILIDADE, APROVAÇÃO, REFORMULAÇÃO, PREVIDENCIA SOCIAL, INEXISTENCIA, DEFICIT, DESRESPEITO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, DIREITOS E GARANTIAS TRABALHISTAS, PERDA, PODER AQUISITIVO, APOSENTADO, PREJUIZO, TRABALHADOR, NECESSIDADE, POLITICAS PUBLICAS, OBJETIVO, ESTABILIDADE, ECONOMIA, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO DE RENDA.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, hoje pela manhã esta Casa realizou uma sessão especial sobre a luta dos aposentados e a reforma da Previdência Social. Dezenas de entidades se fizeram presentes, Cobap, Mosap, centrais sindicais, confederações, federações, sindicatos, associações, entidades da sociedade civil, especialistas, estudantes. 

    Agradeço ao Senado Federal pela estrutura oferecida e a todos os funcionários desta casa que ajudaram a construir este evento, dentre eles a relações públicas, a comissão de acessibilidade, e a polícia. Vocês foram fundamentais para a aguerrida sessão especial que realizamos.

    Sr. Presidente, desde a promulgação da Carta Magna de 1988, os três pilares da Seguridade - Assistência, Previdência e Saúde - estão definidos como Direitos - com “D” maiúsculo - a serem assegurados na nova ordem constitucional.

    Desse modo, é como um Direito que a Previdência Social, assim como a Assistência e a Saúde, foi construída e consolidada sob a nova Constituição.

    Essa foi uma conquista das mais significativas para os trabalhadores.

    Conquista esta que, infelizmente, ainda não foi completamente entendida por parte dos governantes de plantão, que insistem em propor reformas que são verdadeiras afrontas ao Direito adquirido.

    Já em 1994 - apenas seis anos, portanto, após o início da vigência da Constituição Cidadã - ocorreu a desvinculação do reajuste do valor dos benefícios do índice de reajuste do próprio salário mínimo.

    Em 1998, a Emenda Constitucional nº 20 criou o Fator Previdenciário, um redutor do valor do benefício inicialmente fixado em relação ao salário do beneficiário e que tem por base a expectativa de vida da população.

    A mesma Emenda introduz outra importante alteração nas regras da previdência, com a instituição da idade mínima para aposentadoria de 55 anos para mulheres e 60 anos para homens, cumpridos os requisitos de tempo de contribuição.

    É desnecessário ressaltar que tanto a desvinculação dos benefícios em relação ao salário mínimo quanto a aplicação do fator previdenciário causaram perdas de poder aquisitivo real para os aposentados, resultando em uma investida contra o direito dos trabalhadores, afrontando diretamente o inciso IV do parágrafo único do art. 94 da Constituição Federal.

    Essas alterações na legislação previdenciária, assim como outras de menor monta, têm sempre como pano de fundo a preocupação com o aumento da expectativa de vida dos brasileiros e com as modificações que se esperam na pirâmide demográfica para os próximos anos e décadas.

    De fato, tudo indica que haverá um envelhecimento considerável da população - ou seja, a parcela de idosos aumentará -, o que poderá intensificar a pressão sobre o sistema previdenciário.

    No entanto, jogar a conta desse problema integralmente sobre o colo dos trabalhadores aposentados, além de injusto, é uma solução simplista para uma questão complexa, que tem ao menos três variáveis maiores a serem analisadas.

    Em primeiro lugar, é necessário acompanhar o comportamento do mercado de trabalho e, mais precisamente, o peso da informalidade, que retira do sistema uma parcela significativa de possíveis contribuintes, reduzindo assim a receita potencial do sistema.

    A segunda variável é a já mencionada trajetória demográfica do País, que aponta para o envelhecimento da população, fazendo com que, em um futuro próximo, o peso das despesas com aposentadorias e pensões atinja uma dimensão que pode vir a desestabilizar financeiramente o sistema.

    Por fim, o terceiro ponto é a evolução do mercado de trabalho, cujo crescimento, desde que complementado por políticas redistributivas e de proteção social, pode traduzir-se em benefício para a saúde do sistema previdenciário.

    Senhoras e Senhores, diante de um País com as dimensões do Brasil, da complexidade de sua economia, da grande variedade de características de nossa população, resta óbvio que buscar resolver os problemas da Previdência Social meramente à custa dos rendimentos dos beneficiários é, no mínimo, uma solução simplista, injusta e “conveniente” para a Administração Pública.

    Apenas para aprofundar um pouco a questão do trabalho informal no Brasil, devemos ter em mente que ele incorpora algo em torno da metade da força laboral ocupada.

    Informações do Ipea, com base nos dados do IBGE, demonstram que a participação do trabalhador informal tem variado nos últimos anos, passando de 55,3%, em 2002, para 45,4% em 2011. São os empregados sem carteira e os trabalhadores por conta própria.

    Observe-se que, no período em questão, anos de vigência dos governos Lula e Dilma, houve redução da informalidade, em função de certa estabilidade econômica associada a uma política de crescimento com melhor distribuição da renda.

    Foram adotadas políticas sociais de cunho redistributivo, caso do aumento real do salário mínimo, do incremento das políticas de transferência de renda, entre outras.

    Esse é um bom exemplo do quanto ainda se pode avançar no Brasil, com as devidas políticas públicas, no sentido de incluir no sistema contributivo uma grande quantidade de trabalhadores informais.

    Uma política mais agressiva de redução da informalidade poderia engrossar em muito as hostes de contribuintes...

    Daí porque ao se pensar em perspectivas de longo prazo para a Previdência há que se ter em conta o grande potencial de crescimento do sistema em face da informalização ora existente.

    Além de tudo isso, convém destacar que a Seguridade Social como um todo e a Previdência Social em particular, a despeito de todo o peso da crise econômica experimentada a partir de 2009, manteve um comportamento superavitário durante sua trajetória recente.

    Acredito que muitos aqui conhecem o trabalho da Pesquisadora Denise Gentil, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, que demonstra esse quadro superavitário para a Previdência. São superávits sucessivos em todo o período. Cito apenas três anos:

    2013- R$ 76,2 bilhões

    2014 - R$ 53,9 bilhões

    2015 - R$ 24,0 bilhões

    A Previdência, portanto, não é deficitária. O que realmente causa o “rombo” na Previdência são as isenções fiscais e a Desvinculação das Receitas da União (DRU).

    A DRU é um mecanismo legal que permite ao Governo Federal utilizar para outros fins uma parcela das receitas provenientes dos tributos federais vinculados por lei a fundos ou despesas. O grande manancial desses recursos vem das contribuições sociais, responsáveis por 90% do montante desvinculado.

    Até o fim de 2015, a DRU representou uma sangria de aproximadamente R$ 60 bilhões anuais no orçamento da Seguridade. Em janeiro de 2016, a situação se tornou ainda mais grave, visto que a DRU foi aumentada de 20% para 30%.

    Em relação às isenções fiscais, segundo dados do próprio governo, em 2014 houve uma renúncia de R$ 40 bilhões que deveriam ir para os cofres da Previdência Social.

    Essas isenções beneficiaram micro e pequenas empresas, entidades filantrópicas e setores ligados à produção agrícola para exportação.

    Em outra vertente, existe uma imensa dívida para com a Previdência Social, cuja lista de devedores inclui grandes empresas como a Vale, a Volkswagen, a Caixa Econômica Federal, o Banco do Brasil, prefeituras de cidades importantes como São Paulo, Salvador e Manaus, companhias aéreas já extintas, caso da Varig e a Vasp, entre outros.

    Até o final de 2015, de acordo com informações da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional, o montante dessa dívida atingia R$ 374 bilhões, com um total de 721.328 devedores.

    Seguramente, pelos números astronômicos envolvidos, a questão do chamado “déficit da Previdência” - entre aspas, já que não existe déficit real - poderia ser sanada com a recuperação, ainda que parcial, desses créditos.

    Srªs e Srs. Senadores, como se vê, existem muito mais variáveis envolvidas no problema previdenciário além do envelhecimento da população.

    E existem, também, muitas outras possibilidades, muita margem de ação, antes que se tenha que jogar a conta no colo do trabalhador brasileiro e dos beneficiários da Previdência.

    No entanto, o que se vê e se ouve é um discurso, por parte dos responsáveis pelo sistema previdenciário, de que a única saída seria prejudicar ainda mais o beneficiário.

    Recentemente o senador Cristovam Buarque e este senador que fala, propomos a necessidade de acabar com os privilégios dos políticos e dos Três Poderes da União, antes de cortar os direitos dos mais pobres, dos trabalhadores, dos brasileiros.

    Sr. Presidente, nas últimas décadas, a perda real do poder aquisitivo dos aposentados vem-se avolumando. Existem muitas formas de verificar isso. Posso citar exemplos simples, mas que falam por si.

    Levando em consideração que, de 1995 até 2012, os aposentados tiveram um reajuste de 183,9%, podemos comparar esse aumento com o de itens essenciais para a vida cotidiana de qualquer pessoa.

    Desse modo, no mesmo período, o gás de cozinha aumentou 617%; a tarifa telefônica, 1.058%; os medicamentos, 252%.

    A perda acumulada do poder aquisitivo dos beneficiários da Previdência é bem conhecida e indiscutível. O que deve ser discutido certamente é a falácia de que o sistema é deficitário.

    Ora, ninguém diz que Saúde e Educação são deficitários.

    São compromissos sociais assumidos na Constituição de 1988, da mesma forma que a Previdência. São gastos que o Governo tem a obrigação de assumir, sem rodeios nem desculpas.

    Chega de buscar jogar no colo do trabalhador uma conta pela qual ele não é responsável.

    Era isso o que gostaria de dizer. Muito mais do que uma sessão especial, essa foi uma sessão de reivindicações, um dia para relembrarmos as injustiças que têm sido cometidas contra o trabalhador que contribuiu com suas forças ao longo de sua vida para a construção deste Brasil que todos amamos.

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/02/2017 - Página 103