Discurso durante a 17ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de aprovação de proposição legislativa que determina o fim do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado).

Autor
Ricardo Ferraço (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA:
  • Defesa de aprovação de proposição legislativa que determina o fim do foro por prerrogativa de função (foro privilegiado).
Publicação
Publicação no DSF de 07/03/2017 - Página 48
Assunto
Outros > CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PUBLICA E IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROPOSIÇÃO LEGISLATIVA, ASSUNTO, EXTINÇÃO, FORO ESPECIAL.

    O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco Social Democrata/PSDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Muito obrigado, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

    Ocupo a tribuna, Sr. Presidente, para manifestar aquilo que considero não apenas um desejo meu, mas um desejo que está em linha ou que dialoga com o que vai no sentimento da população brasileira. Ocupo a tribuna para trazer a minha voz para defender a urgente votação, no plenário desta Casa, do projeto de lei que já foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça, que estabelece novos e rígidos critérios para que nós possamos pôr fim a uma deformação no processo político brasileiro e que tem produzido impunidade; e essa impunidade entra em conflito direto com o interesse da sociedade brasileira. Estou me referindo à necessidade de nós enfrentarmos aqui, no plenário do Senado, o fim do foro privilegiado.

    Nos últimos dias, ganhou tensão e dimensão, até em razão das diversas manifestações do Supremo Tribunal Federal, até mesmo da manifestação e do posicionamento do Ministro Luís Roberto Barroso a respeito de uma tese que adequadamente defende S. Exª o Ministro. Mas eu acho que será uma desmoralização para esta Casa se nós nos omitirmos de enfrentar esta questão e assistirmos, mais uma vez, ao Supremo Tribunal Federal legislar sobre um tema que é da absoluta pertinência do Congresso brasileiro e do Senado da República.

    Se nós não o fizermos, está evidente que o Supremo vai fazer. E, se o Supremo fizer, nós estaremos, de novo, pagando um mico, como tantos outros que deixamos de enfrentar aqui, nesta Casa, por conta de ser um tema polêmico – e é um tema polêmico. Mas, independentemente da polêmica, independentemente da divergência, isto aqui não pode ser uma confraria em que as matérias que são submetidas ao Plenário da Casa o são em razão de convergências. Em alguns momentos e circunstâncias, a convergência é possível e até necessária, mas, com relação a um tema como este, não há convergência.

     Portanto, é necessário que a Mesa Diretora da Casa, que o Presidente, Eunício Oliveira, possa submeter ao Plenário desta Casa as propostas. Inclusive, há uma última, de autoria do Senador Alvaro Dias, que nós votamos na Comissão de Constituição e Justiça e que está pronta, madura para que nós possamos aprovar no plenário do Senado Federal.

    Eu próprio, por óbvio, defendo o fim do foro privilegiado, até porque o foro especial por prerrogativa de função, mais conhecido como foro privilegiado, é o instrumento pelo qual tribunais específicos podem processar um determinado número de pessoas e julgar essas mesmas pessoas.

    No Brasil, o foro privilegiado já vem de muito longe e hoje se apresenta como um remédio que, graças à dosagem extrema com a qual é ministrado, há muito virou veneno, há muito enfraquece a nossa posição, a posição de representante popular que não deve e não teme diante da sociedade brasileira.

    Como surgiu essa longa história do foro privilegiado em nosso País? Quem veio primeiro: a primeira Constituição ou o foro privilegiado? Não, os dois vieram juntos. Já na primeira Constituição do nosso País, ainda em 1824, ainda no Império, o foro privilegiado já estava lá consagrado, criando um privilégio absolutamente incompatível com este tempo que nós estamos vivendo, até por conta daquilo que consagra a Constituição Federal, ou seja, que todos somos iguais – ou deveríamos ser – diante da lei. Está no art. 47 da nossa primeira Carta Constitucional que é da atribuição exclusiva do Senado conhecer dos delitos individuais cometidos pelos membros da família imperial, ministros de Estado, conselheiros de Estado, Senadores e Deputados durante a legislatura.

    Para além disso, há o absurdo ainda adicional de outro artigo da mesma Constituição, o art. 99, que à época dotava a figura do Imperador como uma figura inimputável. Diz o art. 99 que a pessoa do Imperador é inviolável e sagrada, ele não está sujeito a responsabilidade alguma. Ora, se isso, em algum momento, em algum tempo, fez algum sentido, está evidente que não faz sentido nos dias atuais. Ao Supremo Tribunal de Justiça, a mais alta corte da época, a Constituição reservava o seguinte papel: conhecer dos delitos e erros do ofício que cometeram os seus ministros, os empregados do corpo diplomático e os presidentes das províncias, o que equivale hoje aos atuais governadores de Estado.

    O privilégio da prerrogativa de foro nasce com a nossa Constituição e atravessa toda a história republicana do nosso País. Portanto, é algo que está muito próximo da naftalina, que não tem mais capacidade, com que não há mais como conviver nos dias atuais.

    Na Constituição de 1988, o instrumento atingiu o seu topo, o seu ápice, contemplando não apenas esses que vinham lá da Constituição do tempo do Império, mas ampliando e banalizando esse instrumento. O resultado disso é que atualmente os dados e as pesquisas indicam que há, em nosso País, nos três níveis federados, no nível da República, no nível dos Estados e no dos Municípios, mais de 40 mil pessoas que gozam do chamado foro privilegiado. Portanto, não faz o menor sentido isso continuar existindo em nosso tempo.

    São protegidos pelo foro especial o Presidente da República, o Vice-Presidente, ministros, Deputados Estaduais, Deputados Federais, Senadores, comandantes das Forças Armadas, governadores, prefeitos, juízes dos tribunais superiores, juízes estaduais, juízes federais, desembargadores, membros do Ministério Público... Ou seja, isso se transformou numa verdadeira farra, que precisa ser enfrentada por esta Casa, repito, antes que o Supremo Tribunal Federal o faça. E aí, de novo, vamos pagar um mico de toda ordem na ausência de coragem de fazer um enfrentamento desse instrumento, que já caiu de podre.

    Conforme o cargo que ocupam, esses brasileiros são julgados por tribunais de justiça dos Estados, por tribunais regionais federais, pelo Superior Tribunal de Justiça ou pelo Supremo Tribunal Federal. Não por acaso o foro privilegiado está diretamente associado à impunidade, pois dá tratamento especial a alguns cidadãos, fazendo com que o julgamento deles se atrase e, no tempo, não se efetive.

    O art. 5º da Constituição estabelece que todos os cidadãos são iguais perante a lei, mas o foro privilegiado é uma exceção imoral. É uma excrescência que acabou virando regra e não exceção em nosso País. Na República, a lei nos iguala, ou deveria nos igualar. Pelo menos assim deveria ser.

    Estamos aqui a avaliar um instrumento que nega a igualdade e exalta a impunidade. Que prerrogativas nós Parlamentares deveríamos ter para exercer nossa missão com plena liberdade? Só as que garantem a nossa manifestação e liberdade de palavra e de convicção. Nós não deveríamos precisar de qualquer outra imunidade que não a liberdade de expressão. Mas não é isso que acontece. O que nós estamos vendo é uma imunidade no limite que já se transformou numa excrescência e numa ferramenta imoral na política brasileira.

    Para os crimes comuns não há qualquer sentido de proteção do foro privilegiado. O bom senso, a experiência internacional e o histórico desse instrumento recomendam a sua revisão imediata. E é esse compromisso e essa responsabilidade que o Senado da República precisa enfrentar, sendo o Senado a mais antiga instituição do nosso País.

    E falemos aqui em bom português, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores: o foro privilegiado serviu e serve até hoje de biombo para ocultar delitos praticados por uma minoria, como escudo para retardar ou anular punições ou mesmo prescrever essas punições. É a isso que nós estamos assistindo no dia a dia. Hoje há 84 inquéritos envolvendo 53 Deputados e Senadores que se tornaram ações penais no Supremo Tribunal Federal, ações que, em média, duram de sete a nove anos para o seu desfecho. Desse total de processos, 22 tramitam – pasmem! – há mais de dez anos, nas instâncias do Supremo Tribunal Federal. Outros 37 casos já passam de seis anos à espera de julgamento. Ou seja, o foro privilegiado afronta a democracia e a cidadania quando se sabe também que, dos mais de 500 Parlamentares processados no Supremo Tribunal Federal, entre 1988 e esse ano passado, por todo tipo de crime, apenas 16 tiveram suas denúncias recebidas ou acolhidas. Estamos, pois, diante de um sistema absolutamente falido. Os processos não andam, os tribunais não conseguem julgar os privilegiados, e a Justiça deixa de ser efetiva.

    Em 2003, o Supremo Tribunal Federal levava, em média, 280 dias para fazer um julgamento desse tipo. Em 2016, segundo dados da própria Justiça e dos estudos feitos pela Fundação Getúlio Vargas, intitulados Supremo em Números, aquilo que demorava aproximadamente 300 dias está demorando hoje mais de 1.200 dias. Essa morosidade toda nos faz lembrar ou avivar Rui Barbosa, o patrono desta Casa, quando disse, certa vez, que justiça tardia não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta. É disso que se trata.

    A ninguém, em nenhuma república, pode ser dado o privilégio de ser julgado numa corte especial por crime comum. A lei nos iguala, pois a todos submete da mesma forma ou, pelo menos, deveria submeter.

    É das ruas que vem, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o clamor por mais igualdade de tratamento aos cidadãos, por uma Justiça eficiente e por mais decência no exercício e no trato da coisa pública.

    A meu juízo, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, este é o momento para que nós possamos fazer o enfrentamento deste tema aqui, no Senado da República. E, ao longo dos próximos dias, eu retornarei à tribuna para dialogar com o Presidente Eunício de Oliveira, na dimensão de que ele possa incluir na pauta desta Casa e que nós possamos aqui, cada um de nós, fazer o seu exercício da consciência. O meu já está feito na Comissão de Constituição e Justiça, parcial. O que precisamos é deliberar de forma definitiva sobre o fim desta excrescência chamada foro privilegiado na República brasileira.

    Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 07/03/2017 - Página 48