Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa do fim do foro por prerrogativa de função.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
LEGISLAÇÃO PENAL:
  • Defesa do fim do foro por prerrogativa de função.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2017 - Página 19
Assunto
Outros > LEGISLAÇÃO PENAL
Indexação
  • DEFESA, EXTINÇÃO, FORO, PRERROGATIVA DE FUNÇÃO, MOTIVO, AUSENCIA, CONDENAÇÃO CRIMINAL, OCUPANTE, CARGO ELETIVO, REFERENCIA, OPERAÇÃO, POLICIA FEDERAL, INVESTIGAÇÃO, CORRUPÇÃO, PETROLEO BRASILEIRO S/A (PETROBRAS).

    O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Obrigado, Sr. Presidente.

    Cumprimento a todos Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores.

    Sr. Presidente, o tema hoje é sobre foro privilegiado, que considero uma negação da democracia.

    No Brasil, investigar crimes da elite política e econômica é coisa recente. Essas castas privilegiadas transitaram incólumes ao longo da história, aplicando, ao pé da letra, as recomendações de Maquiavel – aspas –: "Aos amigos, os favores; aos inimigos, a lei." – fecha aspas. No Brasil, não se pode falar em cultura de respeito à lei; pelo contrário, permanece a ideia da justiça dos três pês, que pune severamente, com muito rigor, pobres, pretos e prostitutas.

    Nos últimos tempos, atônitos, passamos a receber informações dando conta de investigações sistemáticas da Operação Lava Jato, que, de maneira inusitada e célere, investiga, julga e condena políticos sem mandatos e grandes empresários. Ora, partindo do pressuposto da existência de um sistema judiciário estruturado desde o tempo do Império, pergunto-me: por que isso não aconteceu antes? E mais: por que se limita a uma exclusiva força-tarefa localizada no Paraná? Afinal, todos sabemos que a corrupção é sistêmica, enraizada nas diversas esferas do Poder Público; logo, essa atuação investigativa eficaz deveria se reproduzir pelo País em todas as instâncias do sistema judicial. Infelizmente, isso não acontece e parece-nos longe de acontecer, o que faz da Lava Jato um ponto fora da curva, levantando dúvidas para alguns sobre seus reais objetivos.

    A essas perguntas caberiam várias e diferentes respostas, mas eu resumiria dizendo que, no Brasil, o poder tem dono, pertence a um reduzido grupo de homens brancos que organizou e instrumentalizou o Estado republicano para si e para os seus, sem qualquer compromisso com as aspirações do conjunto da sociedade.

    É fato que, nas vezes em que a democracia avança e tenta se consolidar, acontece crise política seguida de retrocesso com golpes frequentes que obstruem sua marcha. O primeiro registro vem do nascimento da República, com Deodoro da Fonseca, que destronou o Imperador Pedro II, seguido de outros tantos, até nossos dias, com a destituição da Presidente Dilma Rousseff pelo Congresso Nacional, empossando, em seu lugar, Michel Temer, que, sem qualquer legitimidade, impõe ao País uma enxurrada de reformas que retiram direitos dos trabalhadores e trabalhadoras.

    Previdentes e articulados, esses grupos dominantes, de um lado, adiantam-se criando dispositivos legais para lhes assegurar impunidade – e, nesse sentido, tramitam projetos no Congresso Nacional que, se aprovados, vão atrapalhar as investigações em curso –; de outro, impedem alterações fundamentais, como é o caso do foro por prerrogativas de função, também conhecido como foro privilegiado. Ele garante aos políticos com mandato envolvidos em falcatruas julgamentos em instâncias colegiadas, como os tribunais de justiças estaduais, o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Federal, onde os processos tramitam a passo de lesma, dando tempo ao político cumprir o mandato, o que altera a tramitação, fazendo-o retornar à primeira instância, onde começa tudo de novo. É esse vai e vem de instâncias judiciais que faz com que os crimes prescrevam, assegurando impunidade aos criminosos.

    Defendo o fim desse privilégio pelo seu carácter aristocrático, incompatível com a democracia e com o princípio republicano, e também por convicção e experiência pessoal. Depois de ter sido prefeito, governador por dois mandatos, Senador da República, fui vítima de uma armação político-judicial em tribunais superiores. Fiquei seis anos sem mandato. Meus inimigos, sabendo das divergências entre meu governo e o Tribunal de Justiça do Amapá, à época, imaginando me eliminar de vez da vida pública, patrocinaram duas centenas de ações judiciais. Respondi e ganhei todas na primeira instância. Isso demonstra claramente que, no Estado democrático de direito, o fim do foro privilegiado não traz qualquer insegurança aos agentes políticos. Portanto, é chegada a hora de pormos fim a essa excrescência.

    E, por último, Srª Presidente, apresento aqui um balanço do que representa o foro privilegiado para a Justiça brasileira. Nos últimos 27 anos, o número de Parlamentares que foram investigados ou respondem por ações penais no Supremo Tribunal Federal ultrapassou 500 pessoas. Com a delação que deve acontecer em breve e com a delação que já aconteceu dos 70 executivos da Odebrecht, esse número deve disparar. No entanto, de acordo com o levantamento feito pelo Congresso em Foco, apenas 16 foram condenados por corrupção, lavagem de dinheiro ou desvio de verba pública; desses, oito cumpriram ou cumprem pena, três recorreram, e outros cinco saíram pela tangente por prescrição. Esclareço: prescrição é quando os casos são arquivados devido à perda de prazo para julgar a ação, e é muito recorrente a prescrição em processos envolvendo agentes políticos.

    De acordo com a pesquisa, entre os que foram considerados culpados, apenas o ex-Deputado Natan Donadon continua atrás das grades. Olhe, isso, em 27 anos, demonstra claramente a necessidade de mudança na lei. Faço um apelo aos meus pares, visto que tramita nesta Casa projeto de lei pondo fim à prerrogativa de foro: é necessário que nós façamos definitivamente um país mais democrático, um país mais igual, pondo fim ao foro privilegiado.

    Muito obrigado, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2017 - Página 19