Discurso durante a 18ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da rejeição do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4.302/1998, que dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
TRABALHO:
  • Defesa da rejeição do Projeto de Lei da Câmara dos Deputados nº 4.302/1998, que dispõe sobre as relações de trabalho na empresa de prestação de serviços a terceiros.
Publicação
Publicação no DSF de 08/03/2017 - Página 184
Assunto
Outros > TRABALHO
Indexação
  • DEFESA, REJEIÇÃO, PROJETO DE LEI DA CAMARA (PLC), OBJETO, FLEXIBILIDADE, TERCEIRIZAÇÃO, ATIVIDADE ESPECIFICA, EMPRESA TOMADORA DE SERVIÇO, MOTIVO, PREJUIZO, TRABALHADOR, PRECARIEDADE, CONTRATO DE TRABALHO, RELAÇÃO DE EMPREGO.

    O SR. PAULO PAIM (Bloco Parlamentar da Resistência Democrática/PT - RS. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a minha fala de hoje será sobre o Projeto de Lei 4302/1998, que trata da terceirização. Essa proposta tramita da Câmara dos Deputados.

    Existem verdadeiras perversões legislativas que, na superfície, são favoráveis ao trabalhador, mas que, vista mais de perto, contrariam seus interesses.

    A modernização das relações trabalhistas não passa, necessariamente, pela sua “flexibilização” extremada.

    No fundo, o processo de terceirização das atividades-fim se presta apenas a invalidar direitos conquistados por esse mesmo trabalhador ao longo do tempo.

    Na verdade, uma nuvem cinzenta teima em pairar sobre o território político nacional, articulando sem tréguas ataques ao estado democrático de direito...

    A bola da vez parece ser as relações trabalhistas existentes no País.

    Sinal disso são as manobras que se operam no subsolo da política legislativa, com tramas e mais tramas normativas contra as conquistas trabalhistas.

    Especificamente, como já disse, nosso foco aqui é a análise do Projeto de Lei n° 4.302, de 1998, de autoria do Poder Executivo, e que trata da terceirização.

    Sem dúvida, por detrás da maquiagem modernizadora do PL 4.302, está escondida intenções maquiavélicas nada boas à classe trabalhadora.

    Pelo contrário, trata-se de proposição que, ao aproveitar o ambiente de retirada de conquistas sociais, transgride a essência dos direitos legítimos do trabalhador brasileiro.

    Proteções, amparos e garantias universais previstas nos contratos trabalhistas correm risco de, hoje, serem varridos da legislação nacional.

    No caso desse projeto, o que está em jogo é nada menos que a transformação da terceirização no estado natural dos regimes de contrato de trabalho no Brasil. Um absurdo.

    Em vez de alargarem e aprofundarem condições mais dignas de trabalho, intensificando sistemas de amparo e proteção, a proposta se move na contramão civilizatória, desconstruindo o edifício de direitos trabalhistas duramente conquistados.

    Aliás, Sr. Presidente, há tempos que venho denunciando uma sequência de ataques que vem se sucedendo, sem que a população. O PL 4.302 é a exata prova desse indecoroso processo.

    Não por acidente, a terceirização tem sido objeto de polêmicas intermináveis, dentro e fora do Congresso Nacional.

    Parece prevalecer, no momento atual, uma correria na tramitação desse projeto, visto que o voto do relator pela sua aprovação com substitutivo já foi apresentado em tempo célere.

    Nesse contexto, o tempo urge e exige uma resposta veemente contra aquilo que representa a clara preferência pela precarização dos contratos de trabalho vigentes.

    Graças ao argumento da crise, perdas e mais perdas são impostas contra o trabalhador, sem que se perceba que o povo brasileiro está abrindo mão de direitos inalienáveis.

    Dados divulgados por órgãos e entidades comprometidas com as condições de trabalho denunciam que há maior incidência de acidentes entre os trabalhadores terceirizados.

    Ao lado disso, somam-se menor remuneração e maior rotatividade da mão de obra no emprego.

    Não se pode descuidar de temas como a igualdade de remuneração e jornada de trabalho em relação à tomadora da mão de obra terceirizada, bem como a proteção previdenciária e contra acidentes, além dos direitos previstos em acordo ou convenção coletiva, em consonância com as previsões legais.

    Além disso, é necessário aprovar a responsabilidade solidária pelas obrigações trabalhistas e previdenciárias, além de analisar com lupa os efeitos da admissão da figura do trabalhador sem vínculo empregatício, isto é, como Pessoa Jurídica.

    Desse modo, não se pode concordar com um juízo das classes dominantes, segundo a qual o gargalo da crise econômica corrente deita raízes firmes da legislação trabalhista.

    Sem surpresas, tal projeto tem sido violentamente defendido pelos conservadores, para quem a lei acabará com a insegurança jurídica na contratação de terceirizados e elevará a competitividade das companhias.

    O discurso da eficiência dita o tom das relações trabalhistas do momento.

    Para os conservadores, a terceirização disponibiliza uma forma moderna de organização, por meio da qual o mundo inteiro ganha muito mais eficiência.

    Para ilustrar o peso do lema, a própria Confederação Nacional das Indústrias não se furta a enfatizá-lo nas costumeiras tratativas com os congressistas.

    Sr. Presidente, vale a pena insistir neste ponto que avaliamos ser crucial quanto à chamada "flexibilização" das relações de trabalho.

    Por mais sedutora que soe para os que se encontram na fila do desemprego, ela necessariamente impõe como contrapartida a abdicação de parcela da renda, rotatividade de emprego e insegurança de direitos.

    O prejuízo certamente recai sobre as costas do trabalhador.

    Em resumo, após quase vinte anos de trâmite no Congresso, esse projeto de lei nefasto, que libera integralmente a terceirização da contratação de serviço no Brasil, deve ir para votação final na Câmara dos Deputados brevemente.

    Em outras palavras, o PL 4302 autoriza de vez a contratação terceirizada para qualquer atividade de trabalho no Brasil.

    A extensão da terceirização do trabalho às áreas-fins das atividades das empresas representaria um retrocesso dramático no processo de luta dos trabalhadores brasileiros.

    Mas nada se deu tão aceleradamente assim.

    Com efeito, a instalação da terceirização no Brasil vem ocorrendo lentamente.

    A luz da história, desde 1993, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho rege a terceirização no Brasil e restringe essa prática aos serviços de vigilância e limpeza e a funções não relacionadas às atividades-fim das empresas.

    Em contrapartida, quem contrata o serviço terceirizado não é responsabilizado diretamente por infrações trabalhistas da contratada.

    Nos anos 90, a articulação de entidades empresariais para derrubar as limitações à contratação de terceirizados ganhou força mediante o avanço do neoliberalismo e das propostas para reduzir custos e desregulamentar o trabalho.

    Não custa nada recordar que, naquela ocasião, o Enunciado 256 do TST, vigente até 1993, proibia cabalmente a terceirização no País.

    Nos anos que se sucederam, embalado por uma linha interpretativa mais flexível, o regime terceirizado emplacou no mercado de trabalho, conflitando com os direitos elementares dos trabalhadores.

    Hoje, tal regime vai-se expandindo, e está na iminência de se converter em prática contratual preferencial para qualquer empregador, em detrimento claro dos interesses do trabalhador.

    Para se ter uma ligeira ideia do quadro, o Brasil tem hoje 12 milhões de trabalhadores formais terceirizados, o equivalente a 25% da mão de obra do País.

    Pior que isso, segundo levantamento da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos - Dieese, ao comparar trabalhadores que realizavam a mesma função em 2010, os terceirizados recebiam em média 27% a menos do que os contratados diretos.

    Além disso, tinham uma jornada semanal 7% maior e permaneciam menos tempo no mesmo trabalho.

    Mais trágico ainda, um estudo divulgado pela Unicamp revelou que, dos 40 maiores resgates de trabalhadores em condições análogas à escravidão nos últimos quatro anos, 36 envolviam empresas terceirizadas.

    Não resta dúvida de que franquear a terceirização é, de fato, desconstruir todo o sistema trabalhista vigente, razão pela qual se condena tal processo^ apropriadamente, como um desatinado ataque à democracia brasileira.

    Como frisou o eminente economista Luiz Gonzaga Belluzzo, por trás do argumento da competitividade existe uma indisfarçável regressão dos direitos sociais.

    Diante de todo esse descalabro e contra a aprovação do PL 4.302/1988, os movimentos sindical e social, entidades da sociedade civil entendem que o eixo do debate se resume simplesmente na destruição ou na preservação de tudo que construímos nos últimos cem anos de lutas neste País.

    Trata-se de uma gravíssima lesão de direitos contra os trabalhadores.

    Para concluir, Sr. Presidente, na condição de relator do PLC n° 30, de 2015, que também trata da terceirização, aqui no Senado, não me poderia furtar a externar o nosso mais veemente repúdio à aprovação do PL 4.302.

    Em vez da expansão da terceirização, devemos, sim, apostar nossas fichas em um projeto equilibrado, maduro e que leva em consideração as necessidades do mercado de trabalho, os direitos do trabalhador e os interesses nacionais.

    Era o que tinha a dizer.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 08/03/2017 - Página 184