Discurso durante a 20ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Apresentação de propostas de soluções para a atual situação do sistema prisional brasileiro.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA PUBLICA:
  • Apresentação de propostas de soluções para a atual situação do sistema prisional brasileiro.
Publicação
Publicação no DSF de 10/03/2017 - Página 49
Assunto
Outros > SEGURANÇA PUBLICA
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROPOSTA, SOLUÇÃO, CRISE, SISTEMA PENITENCIARIO, PAIS, DEMONSTRATIVO, DADOS, RELATORIO, CONSELHO DE JUSTIÇA, CRITICA, LOTAÇÃO, PRESIDIO, FALTA, DIGNIDADE, PRESO, DEMORA, JULGAMENTO, ENFASE, ESTADO DE SERGIPE (SE), NECESSIDADE, ACELERAÇÃO, AÇÃO JUDICIAL, REDUÇÃO, NUMERO, PRISÃO PROVISORIA, EFICIENCIA, JUDICIARIO, LIBERAÇÃO, RECURSOS, CONSTRUÇÃO, AMPLIAÇÃO, SERVIDOR, CARCEREIRO, OBJETIVO, COMBATE, CRIME ORGANIZADO, AUMENTO, SEGURANÇA PUBLICA.

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) – Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado e aqueles que nos acompanham nas redes sociais, depois da lamentável sequência de rebeliões e massacres ocorridos nos presídios de vários Estados no mês de janeiro, subi a esta tribuna para falar do flagelo do nosso sistema prisional. Denunciei aqui os velhos problemas negligenciados, como a superlotação, a falta de estrutura e a incapacidade do Estado brasileiro de assegurar condições mínimas de dignidade aos que estão sob sua custódia.

    Volto hoje ao tema, municiado por dados novos e importantíssimos, frutos de um relatório sobre a situação dos presos no Brasil, elaborado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), a pedido da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Cármen Lúcia, iniciativa tomada justamente em resposta à sucessão de episódios de violência e descontrole.

    É de fundamental importância analisarmos o resultado do levantamento feito pelo CNJ. Segundo esse relatório – pasmem, Srªs e Srs. Senadores –, o País tem hoje 654.372 pessoas presas. Desse total, 433.318 já foram condenadas, isto é, 66%, enquanto 221.054, 34%, portanto, estão em situação provisória. Vejam que indicador alarmante: a cada três pessoas, uma está aguardando julgamento, e o tempo médio de espera é de no mínimo um ano.

    Sou sergipano. Estou ciente da crise por que estamos passando no Estado de Sergipe, ocasionada por absoluta falta de prioridade do Governo do meu Estado. Fico constrangido em citar nossas estatísticas.

    Sergipe é hoje o Estado mais violento do Brasil. Triste título! Agora, a partir do levantamento do CNJ, vem outro dado estarrecedor, lamentável, envolvendo o meu querido Estado de Sergipe. Ficamos sabendo que lideramos outro lamentável indicador. Do total de 4.401 presos no meu Estado, 3.624 são provisórios, o que representa nada menos do que 82% da população carcerária. Esse é um dado colhido de um levantamento, como eu disse, feito pelo CNJ (Conselho Nacional de Justiça), por determinação da Presidente Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal.

    Aqui, nesse relatório de informações, no Estado de São Paulo, por exemplo, que é o Estado mais populoso da Federação brasileira, 15,32% daqueles que estão encarcerados correspondem aos presos provisórios. Vejam a comparação: São Paulo, Estado mais populoso da Federação, tem 15,32% de presos provisórios. Qual é o percentual de presos provisórios em relação aos presos encarcerados no Estado de Sergipe? Oitenta e dois vírgula trinta e quatro por cento. Está aqui a estatística que foi feita pelo CNJ mostrando a degradação do sistema prisional brasileiro, notadamente no Estado de Sergipe e no Estado de Alagoas, que ocupa o segundo lugar nessa escala, com 80,92% dos presos provisórios. O terceiro em matéria de aprisionamento de pessoas em situação provisória é o Estado do Ceará, com 66,92%, Estado do meu querido amigo Tasso Jereissati. No Estado da Bahia, são 59,54%, e assim por diante. Todos os Estados da Federação brasileira estão aqui listados neste levantamento feito sob o comando da Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministra Cármen Lúcia. É um absurdo!

    O objetivo do levantamento merece aplausos e todo o nosso apoio. A intenção foi traçar um plano para acelerar a ação judicial nos Estados. Os números reforçam que a iniciativa vem em boa hora. O Tribunal de Justiça de Sergipe, por exemplo, já anunciou a realização de mutirão e antecipação de audiências, entre outras providências.

    É cristalino, Sr. Presidente, que dar agilidade aos processos de julgamento dos casos de presos provisórios configura uma das chaves da redução da superlotação. Basta dizer que o número de presos provisórios praticamente alcança o do déficit de vagas, algo em torno de 200 mil, mas eu preciso alertar aqui que a iniciativa de agilizar a situação desse contingente imenso de presos provisórios pode cair por terra, se tornar inócua ao longo do tempo se não vier acompanhada de uma reavaliação profunda do nosso modelo prisional de encarceramento em massa. Essa política já se mostrou ineficiente e equivocada não apenas por contrariar princípios humanitários e conquistas civilizatórias, mas também por fortalecer as facções do crime organizado, favorecer a arregimentação de novos criminosos e tornar o sistema mais caro e menos eficaz na recuperação dos condenados. Não há chance de ressocialização. Ademais, são conhecidos os reflexos no aumento da violência nas cidades.

    A situação lamentável de nosso sistema prisional já chamou a atenção, inclusive, da Organização das Nações Unidas (ONU), que, recentemente, citou a violência nas prisões brasileiras como um dos motivos de preocupação em relação às violações aos direitos humanos no mundo. Em discurso na sede das Nações Unidas, em Genebra, na quarta-feira, o Alto Comissário de Direitos Humanos da entidade, Zeid Al Hussein, destacou que o Brasil é hoje um dos 40 pontos de preocupação no Planeta. Vejam, senhores! Citando as mortes de detentos nos confrontos em janeiro, Zeid, conforme publicado na imprensa, ressaltou que a violência criminal generalizada combinada com deficiências do sistema judicial e operações de segurança têm impactado de forma severa e mortal a administração prisional.

    Repito aqui o que já disse em outra ocasião: no Brasil, prendemos muito e prendemos mal. O País tem a quarta maior população carcerária do mundo, atrás apenas dos Estados Unidos, da China e da Rússia. E o que mais preocupa é a tendência histórica de crescimento. Entre 2005 e 2014, a população carcerária teve um aumento médio de 8% ao ano – isso depois da aprovação da Lei de Drogas –, enquanto o crescimento populacional nesse período ficou na média de apenas 1%. Enquanto o número de prisões aumentou em 8%, a população cresceu 1%.

    Em Sergipe, que trago mais uma vez, para minha tristeza, como exemplo, são mais de dois presos por vaga. O Estado precisaria mais do que dobrar o número de vagas para zerar o déficit. Com todo o encarceramento, contudo, Sergipe, como já disse, é hoje o Estado mais violento do Brasil, com o índice de 57,3 mortes violentas e intencionais para cada grupo de 100 mil habitantes. Não foi por outra razão que eu e os demais Senadores de Sergipe fomos ao Ministro da Justiça pedir a inclusão da capital, Aracaju, no Plano Nacional de Segurança Pública – e como fomos atacados pelo Governador, porque apenas cumprimos nosso papel de representantes do nosso Estado, preocupados com a situação de violência, de criminalidade que assola o Estado de Sergipe.

    Sr. Presidente, as alternativas existem e precisam ser consideradas. É possível reverter a atual situação? Digo que sim, mas é preciso conjugar esforços, reconhecer a responsabilidade das três esferas de Poder: Executivo, Legislativo e Judiciário.

    Em primeiro lugar, não vejo outro caminho, senão construir um sistema mais racional, que pondere a necessidade de encarceramento com a perspectiva de eficácia dessa medida extrema, reservando a prisão àqueles que realmente não são capazes de permanecer no convívio social, que são violentos, que são criminosos, que não têm piedade, que tiram a vida do cidadão e da cidadã sem mais nem menos, até por um simples celular.

    A propósito disso, a calibragem entre pena e crime foi um tema que levantei recentemente aqui, em discurso que aqui fiz durante a sabatina do ex-Ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, quando da indicação para a vaga de ministro do STF. O ex-Ministro da Justiça defendeu aqui, nesta Casa, um sistema mais racional, com o estabelecimento, por exemplo, de prazos para as prisões preventivas, porque, na opinião dele, é preciso desafogar o sistema criminal, e argumentou que o limite de tempo deve ser proporcional à gravidade do crime cometido. Também proporcional à gravidade do crime devem ser as penas. Nessa ocasião, o Ministro foi claro ao defender que a lei, de forma objetiva, diferencie, por exemplo, o usuário do traficante de drogas.

    Hoje, se discute se a Lei de Drogas não é fator adicional para o aumento da população carcerária, como foi observado recentemente pela ONG Human Rights Watch. De acordo com a entidade, esse salto teria ocorrido, porque a Lei de Drogas endureceu as penas aplicáveis aos traficantes e não ofereceu critérios objetivos para diferenciar o grande do pequeno traficante, nem o pequeno traficante do usuário de drogas. E, não mera coincidência, o CNJ nos trouxe a informação de que, entre as causas das prisões provisórias no Brasil, em primeiro lugar, está justamente o tráfico de drogas. São 29% do total de casos.

    Defendo que, no Parlamento, pensemos em alterações legislativas que reservem a prisão para os crimes violentos ou que causem danos significativos à coletividade. Para crimes não violentos, de pouca repercussão na vida social, seria muito mais efetivo adotar como regra, em vez do encarceramento, medidas alternativas à prisão, como o monitoramento eletrônico, restrições de direitos, multas, participação em atividades educacionais e reparação do dano como medida de extinção da punibilidade.

    É claro que a revisão da lei não exime de responsabilidade o Estado, que precisa garantir que os presídios tenham uma estrutura mais adequada para separar os presos e que disponham de equipamentos de segurança para o trabalho dos agentes penitenciários. O número de servidores por unidade prisional também deve ser ampliado. As cenas chocantes intencionais das últimas rebeliões e motins por diversos Estados nos alertam para essa necessidade.

    O Presidente da República, Michel Temer, anunciou, em janeiro, a liberação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional na ordem de R$1,2 bilhão e de recursos para a construção de pelo menos cinco novos presídios federais destinados a chefes das organizações criminosas. Foi anunciada também a liberação de R$150 milhões para a instalação de bloqueadores de celulares em 30% dos presídios de cada Estado, para evitar que lideranças do crime, mesmo presas, continuem a agir de dentro das instituições. Espero que esses recursos sejam efetivamente aplicados na construção de um outro modelo prisional.

    Espera-se ainda, Sr. Presidente, a ação dos governos estaduais. No meu Estado, enquanto o direito de ir e vir está ameaçado e as famílias estão assustadas, a imprensa nacional divulgou que a penitenciária erguida com recursos do Governo Federal no Município de Areia Branca, no Estado de Sergipe, ainda está inoperante, não está funcionando. Enquanto isso, no Complexo Penitenciário de São Cristóvão, ainda no Estado, existem 2.700 presos imprensados em uma estrutura construída para abrigar 800 pessoas. Vejam o nível de responsabilidade de um governo que recebe de mãos beijadas do Governo Federal...

(Soa a campainha.)

    O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco Socialismo e Democracia/PSB - SE) – ... uma penitenciária construída com o dinheiro da sociedade, que até agora não funciona, porque os móveis ainda não foram comprados.

    O Ministério da Defesa colocou recentemente as Forças Armadas à disposição dos governadores. O Ministério da Justiça criou uma espécie de força nacional para penitenciárias, que é o Grupo Nacional de Intervenção Penitenciária, mas é medida emergencial e não substitui, portanto, a responsabilidade dos governos estaduais sobre o tema.

    Já estou encerrando, Sr. Presidente. Gostaria que V. Exª me concedesse mais dois minutos para encerrar.

    Enfim, estão sendo adotadas iniciativas importantes neste Governo do Presidente Temer para ajudar a debater e a debelar a crise, mas é fundamental que deixemos apenas de apagar incêndios. Está claro que, no momento, estamos perdendo a guerra da segurança pública, e os mais de cem mortos nas últimas rebeliões não nos deixam esquecer que nos encontramos diante de um barril de pólvora e que a criminalidade no Brasil é uma verdadeira guerra civil não declarada. A solução é modernizar e humanizar as condições do sistema prisional e promover um combate tenaz àqueles que persistem nas organizações criminosas.

    Para finalizar, falo novamente, Sr. Presidente, da minha angústia, mas também da esperança de que um dia o Estado brasileiro possa dizer que, no Brasil, o sistema prisional é eficaz na recuperação e na reinserção social de detentos. Esse é certamente um horizonte distante, mas perfeitamente alcançável. É necessária, porém, uma conjugação de esforços. O Poder Público poderá oferecer soluções satisfatórias a essa grave situação que envergonha, apavora e ameaça a sociedade brasileira.

    Por fim, Sr. Presidente, espero que a Câmara dos Deputados, que recebeu o projeto da audiência de custódia de minha autoria, que foi relatado pelo Senador Humberto Costa e aprovado por este Plenário, se debruce sobre a matéria e a aprove com a maior urgência, porque a adoção da audiência de custódia, sem dúvida alguma, vai ser um modo, um mecanismo importante para a redução do encarceramento em nosso País, para só deixar na cadeia os criminosos que merecem estar lá.

    Agradeço a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/03/2017 - Página 49